quarta-feira, julho 30, 2008

fotos prometidas

Como prometido é devido, finalmente me chegaram as fotos feitas pelo pessoal do consulado japonês no Rio, do concerto do Teatro Municipal para o príncipe Naruhito e sua comitiva. Aqui estou eu em ação, com minha banda e a excelente Orquestra Petrobrás Sinfonica.

O palco do teatro, lindamente iluminado pelo querido Tulio Feliciano, que dirigiu o espetáculo, misturando símbolos do Japão com as nossas cores.

Finalmente, nosso encontro com o príncipe no dia seguinte, nós que participáramos do concerto e mais outros convidados do consulado. Adivinhem quem é Sua Alteza Imperial?


sexta-feira, julho 25, 2008

sobre vinicius

Tive a felicidade de conviver e trabalhar com Vinicius de Moraes, meu amigo querido, ser humano único e de tal grandeza que mesmo a sua riquíssima obra acabou ficando meio obscurecida pela pessoa. No dia 10 de julho _ data inaugural da bossa nova segundo estudiosos, pois foi o dia da gravação de 'Chega de Saudade' por João Gilberto em 1958 _ saiu na Folha de SP um encarte sobre o movimento. Na página central, 3 textos encomendados pelo jornal sobre os 3 principais criadores da bossa: um sobre Tom (de Artur Nestrovski, colaborador habitual da Folha), um de Caetano sobre João, e um sobre Vinicius, que tocou a mim escrever. Como já foi publicado, aqui vai (sem foto, por enquanto):

Letra de música é uma forma esquisita de poesia. Pegue um texto de Drummond, por exemplo: por mais que se tente, é quase impossível musicar decentemente aquelas palavras de pedra. O letrista de música popular tem de dar nó em pingo d’água para encaixar no tempo exato da melodia a frase que fará sentido e ainda será boa de cantar. Pois é preciso que haja um espaço de conforto para quem canta. É preciso fazer a palavra suingar, ter leveza. Na boca do cantor, a palavra dança. Mas também tem o peso do fundo além da forma, pois no Brasil a música popular é a grande porta-voz da cultura, mais do que qualquer outra expressão de arte.

Nesse sentido, uma letra como a de “Chega de Saudade” é exemplar. Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, peixinhos a nadar no mar, que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim… e pronto, tudo está dito de maneira gostosa e lúdica. Mas o autor destas palavras é também o poeta das grandes canções de amores demais: por toda a minha vida, a cada despedida vou te amar, desesperadamente. E ainda iria, num futuro próximo, desaguar na mitologia dos afro-sambas. Não é pouca coisa.

Durante muito tempo a obra de Vinicius de Moraes foi tratada como mobília no universo da MPB. Sua personalidade exuberante ajudou a criar a figura folclórica do “Poetinha”, assim mesmo no diminutivo; a lenda do poeta-que-viveu-como-poeta, obscurecendo a importancia da obra. Mas a verdade é que Vinicius de fato inaugurou a letra de música como forma poética estabelecida, e todos os que vieram depois dele _ discípulos diretos, como Chico Buarque _ tiveram, a partir daí, suas canções merecidamente elevadas ao status de poesia legítima.

Vinicius já era autor reconhecido na cena literária brasileira quando explodiu como letrista. O sucesso popular das primeiras parcerias com Tom Jobim, de luxuosa simplicidade bossanovista, surpreendeu e acendeu uma luz vermelha em seus pares, como Manuel Bandeira, que não se encabulou em lhe dizer ao pé do ouvido: “esse é o único tipo de sucesso que eu invejo”. O sucesso invejável, no caso, era a música assobiada na rua, cantada por aí, sem que o cantante ocasional ligasse o nome `a pessoa _ o sonho de todo compositor, e pelo visto, também de alguns poetas.

Vinicius não foi o primeiro letrista brasileiro a escrever de maneira coloquial na MPB, como equivocadamente se insiste em dizer. Antes dele, Noel Rosa e todos os moderníssimos compositores dos anos 30 já escreviam na linguagem esperta das ruas. Mas assim como Tom Jobim na música, Vinicius foi a ponte entre o popular e o erudito, que até então não existia. Tom tinha formação clássica e sua obra musical deve tanto a Debussy, Ravel e Villa-Lobos quanto a Ary Barroso, Caymmi e o jazz. Da mesma forma, seu parceiro Vinicius tinha o mesmo diálogo com a grande literatura que Tom com a música erudita. Mas também bebia na fonte ainda pura do samba, e venerava igualmente Shakespeare e João da Baiana.

Poeta e diplomata, melodista (sim!) e autor de versos definitivos e transformadores no cancioneiro do Brasil _ só no Brasil um Vinicius de Moraes seria possível.


segunda-feira, julho 21, 2008

a velha Europa

Adoro quando tenho de ir `a Europa por alguma razão de trabalho. Tudo funciona (quase sempre), principalmente se estamos nos países mais 'antigos' da Comunidade Européia. Quanto mais ao norte, mais azeitadinha é a máquina. Por isso estou feliz por ter um trabalho agendado na Dinamarca em agosto _ país onde meu pai nasceu, e de onde vem, portanto, parte do meu DNA.

(Este é o belíssimo e extremamente charmoso cidadão que saiu da Dinamarca com pais e irmãs, ainda antes da 2ª guerra, e veio parar no Brasil, onde fez vários filhos com diferentes parceiras, embora não tenha criado nenhum de nós. Paternidade responsável continua um item difícil de achar, até hoje. Todos os dias fico sabendo de histórias no genero, em todos os níveis e classes sociais. Mas nos anos 40/50, francamente... era avant-garde demais, mas minha mãe, corajosamente, bancou esta produção independente que vos fala.)

De volta ao cada vez mais velho continente _ como incomodam as notícias esquisitas que leio sobre a moderna Europa, tão moderna que está ficando cada vez mais antiga. Acabou a moleza, acabou a tolerancia, tudo parece uma gigantesca sucursal da imigração americana. As pessoas impedidas de entrar, maltratadas pelos agentes na razão direta da cor da pele. Como diz minha filha, residente na Alemanha e totalmente legal, a vida muda depois que se entra na normalidade oficial, com toda a papelada em dia. Mas até chegar lá, é dureza. Não foi por menos que ela e o marido saíram correndo da prefeitura, ainda vestidos com as roupas do casamento, com buquê e tudo, direto para o departamento de imigração, e fizeram o burocrata de plantão assinar o documento dela ali na hora mesmo.

Não entendo países de imigrantes _ como a Espanha, com toda a sua história na América Latina e além _ que barram agressivamente a chegada dos latinoamericanos, quase sempre seus parentes próximos tentando regressar `a pátria dos avós. Ninguém deixa seu país porque quer, mas porque não tem outra saída. Claro que algum controle há de haver. Mas o endurecimento tem sido desproporcional, e muitas vezes atingindo as pessoas erradas.

Quanto a mim, não se preocupem, que eu não tenho a menor intenção de me mudar pra Dinamarca. Apesar de todos os muitos pesares que pairam sobre a minha amada cidade.

PS- esqueci de dizer, a foto no alto é de um país ainda pretendente a membro da Comunidade Européia: foi tirada em Skopje, na Macedonia, onde a comida é meio grega, o bairro histórico é muçulmano, a comunidade cigana é enorme e a principal rede de TV vem da Sérvia. Culturas ultra-misturadas. E são fãs da música brasileira! Na viagem que se seguiu a essa, topamos com um jovem garçom macedonio num restaurante 'italiano' no West Village, em NY. O que ele nos disse é que falta perspectiva para a juventude de seu país, por isso todos estão loucos para emigrar para qualquer outro lugar. E moram bem ali, na Europa...


segunda-feira, julho 14, 2008

irmão

Comecei a tocar violão por causa dele, e só isso já bastaria para que ele aparecesse aqui. Com seus amigos músicos batendo a toda hora lá em casa, fui me acostumando a entender aquela música que até hoje é minha base e meu ganha-pão. Eumir, Menescal, Sérgio Barroso, Luis Carlos Vinhas e tantos outros mais, que não me davam a mínima, dada a minha tenra idade. Até que um dia Menescal descobriu que eu pegava o violão do meu irmão escondido. Ou melhor, meu irmão descobriu, e mostrou para o amigo. Fiquei furiosa, mas não precisava: por causa desta descoberta, tempos depois Menescal me chamou para uma gravação dele, participando de um coro, onde eu até ganhei uns trocados, já aos 16 anos. Ou terá sido aos 15? Não lembro mais.

(nossa mãe só não gostava quando aparecia lá em casa o Carlos Imperial, amigo do meu irmão que ela considerava péssima influencia. Mas a bossa-nova prevaleceu, pois era tão mais interessante...)

Era bom músico, meu irmão, mas desistiu da idéia de ser profissional porque casou cedo e tinha outros planos. Fez carreira em banco, mas continuou tocando sua Gibson nos bailes da vida durante algumas décadas.

E aí está ele com a namoradinha de colégio com quem se casou em 1958 (ao lado, um dos netos), completando inacreditáveis 50 anos de casados. Casamento, eu sempre digo, quando é bom é ótimo, quando é ruim é péssimo. O deles deu certo, e foi devidamente festejado neste final de semana. Minha frustração aos 10 anos de idade, por não ter sido dama de honra da noiva, foi resolvida neste sábado, quando cantei na igreja para o re-casamento deles. Na festa, o casal escolheu dançar a 'Valsa de uma Cidade', na velha gravação original de Lúcio Alves ('Rio de Janeiro/ gosto de você...') Um luxo. Somos uma família muito, muito carioca.

PS- ainda na festa, meu primo paulista, companheiro de infancia e adolescência, 4 anos a mais que eu, sentiu falta de algumas pessoas que normalmente deveriam estar lá. "Cadê os velhinhos da família?", ele me perguntou. Tive de responder a ele: "agora somos nós..."


quarta-feira, julho 09, 2008

flores pro João

Ele merece. João Donato é pessoa do bem. Não fala mal de ninguém, porque pra ele todo o mundo tem sempre alguma coisa boa (mas tem uns que ele prefere um pouquinho, que eu sei...)

João é genial. Ontem, ao final do show em sua homenagem, Nelsinho Motta, diretor do espetáculo, dizia, eufórico: 'isso é que é estilo!' Uma obra daquele tamanho, e já no primeiro acorde você sabe de quem é. Maravilha entre as tantas maravilhas do nosso cancioneiro.

João é meu parceiro. Com muita honra. Temos canções novinhas, inéditas, e sei que outras mais virão. A usina de criação ali não pára, nem vai parar, Deus abençoe o meu amigo tão querido.

PS- um forte abraço em Mário Adnet, meu parceiro também e companheiro de tantas aventuras musicais, que orquestrou com maestria as canções do Donato. Esse projeto é parte de uma missão de re-desenho da obra de grandes autores brasileiros, iniciada por ele há tempos com Tom e Moacir Santos. Bom demais ver aquela orquestra de craques embrulhando pra presente uma obra tão singular como a de João. A Orquestra Ouro Negro é um luxo _ foi (unanimemente) a grande estrela da noite _ e Mário é seu inventor. Não é tarefa pra qualquer um pegar canções tão lindas, tão (re)conhecidas, tão parte do imaginário brasileiro, e envolvê-las com belos arranjos, tirando o próprio ego da frente, respeitando o original sem deixar de ser criativo. Tiro meu chapéu pro Mário por essa grande realização. Que sirva de exemplo pra outros arranjadores, de todos os calibres.


sexta-feira, julho 04, 2008

e por falar em Potter...

Já vi muitos críticos literários de respeito desancando os livros da série Harry Potter. O esnobíssimo Harold Bloom, por exemplo, considera que este tipo de livro desestimula a leitura nas crianças, por torná-la fácil demais. Também já vi comentários absurdos sobre a série vindos de grupos religiosos fundamentalistas, principalmente cristãos, que consideram o fato de a história se passar numa comunidade de bruxos um sinal de satanismo. Discordo de todos.

Li os livros e fiquei tão viciada quanto meu neto, que praticamente cresceu junto com os personagens, `a razão de um volume por ano. Tão viciada fiquei que não agüentei esperar pela edição brasileira do último volume, e quando vi a edição inglesa `a venda numa livraria no Japão, comprei correndo e devorei. Leio com igual prazer tanto J.K. Rowling, autora da série, quanto leio Orhan Pamuk, Ian McEwan, Guimarães Rosa, ou meu mui amado Machado de Assis, ou todo e qualquer volume interessante que me caia nas mãos. E tenho a certeza de que a obra de Monteiro Lobato, avidamente lida na infância, contribuiu muitíssimo para que a leitura em minha vida se tornasse um prazer. Por isso não temo fazer aqui um comentário que pode soar como heresia: acho a série Harry Potter o Sítio do Picapau Amarelo do século XXI. E como o século é o XXI, o Sítio é globalizado, claro.

Lá estão todas as considerações éticas, o bem e o mal expostos sem maniqueísmos, com todas as dificuldades e tropeços que a opção pelo bem pode apresentar na vida de qualquer pessoa. As dores do crescimento. Os primeiros amores. As trapalhadas bem-intencionadas dos jovens personagens. Os mentores, dos dois lados. As perdas afetivas. O herói cujo objetivo não é se tornar líder ou celebridade, apenas ser amado e ter uma vida normal. A comunidade de bruxos que tem gente de todas as procedencias e todos os tipos de caráter, do melhor ao pior, passando pelos ingênuos, os cultos, os simples, os mal-intencionados, os políticos interesseiros, os cidadãos comuns, os que são capazes de grandes sacrifícios pelo bem geral, todos lidando com o mistério e a transcendencia no dia-a-dia, como coisa normal.

No departamento "livros de sete volumes, chegando alguns a setecentas páginas", se eu oferecesse os sete da "Recherche du Temps Perdu", de Proust, para meu neto quando ele tinha 10 anos, certamente estaria assustando um provável leitor de futuro _ se bem que minha mãe foi maluca o suficiente para me dar a obra completa de Machado de Assis quando eu tinha 12, que prazerosamente li na ocasião e amo até hoje _ mas isso não vale, pois eu já era leitora voraz desde muito antes, e olha que comecei com histórias em quadrinhos.

(aliás, Proust em quadrinhos até já tem, e eu comprei! Fica aqui a sugestão para que alguma editora esperta faça o mesmo com o nosso Machado)

Depois, Lobato: as mulheres da minha geração foram feministas avant-la-lettre graças `a boneca Emília, irreverente e politicamente incorreta. Somos todas Emílias até hoje. Talvez os garotos da geração atual, daqui a muitos anos, sejam todos um pouco Harry Potter, por que não?

PS- a foto acima foi feita em Bruxelas, capital da Comunidade Européia, que não é uma cidade de bruxas, pelo menos que eu saiba.