destinos
Na música, como em tantas outras coisas na vida, se aplica a frase "são muitos os chamados e poucos os escolhidos". Pura verdade. O chamado da música é irresistível, especialmente na juventude, e muitas vezes fica aquele desejo irrealizado, o sonho que não se concretizou. Às vezes se concretiza na idade madura - Clementina de Jesus, por exemplo, gravou pela primeira vez aos 65 anos; Vó Maria, viúva de Donga, com mais de 90! - mas o que acontece comumente é o chamado chegar na juventude, e aí o destino (ou simplesmente o dom) decide se vai dar certo ou não.
"Dar certo", em si, já é um conceito muito abstrato. Na minha visão, não se trata de 'fazer sucesso', necessariamente, mas de carregar essa chama pela vida. Quem sabe até ser capaz de sobreviver com um mínimo de dignidade, fazendo música. Nos dias de hoje, isso já é um sucesso. Ou achar outras formas de sobrevivência, sem deixar que aquela primeira chama se apague - como D. Ivone Lara, que só se profissionalizou na música depois de aposentada como assistente social. Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Mas há quem tombe pelo caminho. Os que desistem logo, ou porque não têm a música na conta do ar que respiram, ou porque tiveram outras prioridades na vida. Porque ninguém abre mão da música porque quer, quando quer, se ela for maior que tudo ao redor e alguma coisa dentro da pessoa não permite que ela desista, aconteça o que acontecer. O que se enfrenta por isso é mais que um dragão por dia. É sofrimento, desânimo, derrotas diárias, mesmo que se seja um vencedor. Mas a luta continua: luta e prazer (que era o poético nome de uma organização política, nos tempos da ditadura). Pois o gozo é sempre maior do que a dor e justifica, ou melhor ainda, nos empurra para a boa luta. E sempre vem a volta por cima, que cobre a multidão de pecados.
(Hoje acordei meio épica, fazer o quê?)
Muitas vezes vi gente como Tom Jobim, para ficar num exemplo mais próximo, sofrendo e se queixando pela incompreensão da imprensa ou da crítica. Logo ele! Para a gente ver que aqueles para quem a arte é pão sempre têm sua cota de dificuldades a enfrentar. Mas nunca a ponto de abrir mão dela. Este é meu ponto: quem desiste, ou não amou sua arte tanto assim, ou não foi capaz de dar a vida por ela. Porque é disso que se trata: se é vital ou não.
Faço hoje esta reflexão por conta de uma conversa que tive ontem com uma pessoa que me procurou para um depoimento num trabalho seu. Num certo momento, falou-se nos que tombaram pelo caminho. E isso me fez pensar que "quem samba fica, quem não samba vai embora". Simples assim.