sábado, fevereiro 14, 2015

Tempo

Nesta linda foto de Andrea Palmucci, tirada em meu show no Blue Note de Milão, na recente turnê européia, as marcas do tempo em minhas mãos. Adoro. Em mim o temor do tempo não se expressa no medo de perder a beleza física, que essa eu entendo como uma característica de uma juventude que não volta nunca mais. Acho terrível quando vejo senhoras com as caras esticadas de plásticas, cabelos pintados, roupas de mocinhas - e quando falam e andam, curvadas e trêmulas, a idade se entrega. Tenho cultivado os fios brancos, aliás. A quem eu iria enganar? Todo o mundo sabe a minha idade, está nas biografias e na web. Grande coisa.

Nas mãos de uma pessoa, as marcas do tempo se mostram, como em nenhuma outra parte. São bonitas, eu acho. Me orgulho delas, e dos dedos calejados pelo instrumento. Vida.

O tempo só me assusta num aspecto: é porque sempre tive certeza de que vou viver muito. Essa é a parte que não me deixa confortável. Quero viver só até onde puder ter autonomia. O Brasil não gosta dos seus velhos. Não sei por quantas décadas ainda terei energia para sair pelo mundo como saio agora, violão nas costas, levando minha música pelo planeta. Só sei que o povo da música criativa não se entrega fácil. Um amigo que trabalha no Blue Note de Tokyo me conta que jazzistas como Toots Thielemans (que recém se aposentou, aos 90) e Phil Woods (que sofre de doença respiratória e precisa estar sempre com uma máscara de oxigênio) parece que 'acendem' quando sobem ao palco, e a mágica se faz. E tocam, tocam, tocam.

Sempre me vi e me senti mais como músico do que como cantora. O futuro da cantora brasileira é meio melancólico. Saudosista, tristonho, vendendo CDs na praça, como a grande Emilinha Borba, ou recolhida longe dos olhos do público, como sua contraparte Marlene. Eu me vejo como um músico de jazz - jazz brasileiro, bem entendido -  membro dessa família da música criativa do mundo, dando a contribuição que me for possível dar, enquanto a música me quiser, ao longo dos anos. E esperando que a vida me faça a gentileza de se retirar, quando isso não for mais possível.

8 Comments:

At 7:26 PM, Anonymous Daniela Aragão said...

Lúcida, talentosa e inteligente Joyce. Sou sua fâ não é por acaso. Que texto bonito e que verdade você nos traz quando diz que de fato a juventude não volta mais, é implacável. Como é triste, lamentável de certa forma ver senhoras esticadas, usando roupas de mocinhas tentando retomar um tempo que não volta mais. Quando você mostra os traços de vida em suas mãos me vem de imediato um fragmento da canção do Chico "Pode o tempo marcar seus caminhos nas faces com as linhas nas noites de não". Essa linha da vida que você vem cruzando com seu trabalho digno e cada vez mais rico que alimenta as almas sensíveis do mundo. Que bom você pressentir que irá viver muito. Terei muito para ouvir e apreciar! beijos

 
At 12:45 PM, Anonymous Sandra Bittencourt said...

' A mão marcada pelo tempo' é de uma beleza singular, Joyce , sem dúvida. Só os mais insensíveis não conseguem perceber isso.
Mas você sabe de uma coisa? Os 'dedos calejados pelo instrumento' sempre me causaram uma certa ' agonia' – e foi isso que senti quando vi os seus, que aliás, formam pequenos rostos no topo, bem bonitinhos.
Talvez por me lembrar dos meus, coitadinhos, na época em que ainda tentava uma relação menos intuitiva com o violão. Pra você ter uma idéia, certa ocasião , cheguei ao ponto de ' dar alta ' à minha estimada mestra, Célia Vaz, dada à minha indisciplina. No teu caso, claro, eles são puro orgulho.
E é extremamente louvável ainda, essa tua postura diante de ' o tempo x perda beleza física'. Mas, em contraponto, à princípio, não acho nem um pouco terrível ' essas senhoras com as caras esticadas de plásticas, cabelos pintados, roupas de mocinhas, porém, curvadas e trêmulas'. O importante é que elas estejam o mínimo felizes em suas condições estéticas, 'esticadas ou enrugadas'. Penso assim.

 
At 8:26 PM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

O tempo só te fez bem Joyce: está cantando, tocando e compondo cada vez melhor. Isso sem contar a inteligência, a vontade e a disposição de levar nossa música criativa para o mundo. Espero que continue assim encantando todos nós por muitos mais anos.

 
At 7:30 AM, Anonymous Túlio said...

enquanto isto uma certa atriz que está lá pelos 70 anos, posou mais uma vez de maiô na capa de uma revista.
toda fotoshopada como sempre.
numa das varias fotos, a alteração foi tanta, que ela ficou com uma mão alienígena.
a necessidade de parecer mais jovem é tanta que ela não percebe o ridículo que se expõe (não pelo maiô, mas pelo photoshop).
como dizia minha avó, nada pior que uma velha querendo ser cocota.
o pior disto é que eu penso de outras mulheres na mesma idade que vendo as fotos alteradas pelo computador fiquem desesperadas por não ter esta beleza, sem saber que ela é falsa.
(fica aqui um pensamento. será que as "belezas impressas" atualmente seja de que idade forem são verdadeiras?)
por isto eu digo.
obrigado por esta mão querida joyce.
ela representa tudo que a idade traz de bom, e que a sociedade de hoje deveria valorizar
sabedoria e experiencia.
me da esperança de que nem tudo está perdido.
beijos

 
At 2:46 PM, Anonymous Alice Monteiro said...

Joyce,
sou sua fã desde um show (penso que na Funarte) em 1978.
Acompanho sua trajetória, tenho CDs seus.
Compartilho da sua postagem sobre o envelhecimento. Acho super interessante quando vejo uma artista como você com fios de cabelos brancos, mostrando as mãos talentosas sem medo de mostrar as marcas do tempo.
Acho uma atitude de sabedoria.
Desejo sempre o melhor pra vc.
Beijos,
Alice Monteiro

 
At 6:38 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Quando disse, aqui, que no repertório de RAIZ incluiria TRISTEZA DE NÓS DOIS, comentei a minha predileção tanto na versão do Maurício quanto na inesquecível e definitiva de Emilio.
Ai, você me surpreende como uma interpretação linda e uma "nova" voz mais grave (não sei de técnica, não sei de música, mas que é uma "região da voz que pouco usas, acho que é) num arranjo sensacional...

LINDO DEMAIS! SURPRESA E NOVIDADE A CADA TRABALHO! REINVENÇÃO CONSTANTE DA ARTE!
No ipod coloquei as três juntas pra tocar aleatório e viajar no som!
PARABÉNS!

 
At 10:33 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Deu um "TEMPO" por aqui mesmo? Saudades!
LUIZ ANTONIO

 
At 3:30 PM, Anonymous Aleksander /PL said...

Joyce, no news from you for a long time. I am a little bit worried . . .

 

Postar um comentário

<< Home