segunda-feira, junho 16, 2014

Tabus

Outro dia postei aqui uma história acontecida nos meus 19 anos, quando conheci Torquato Neto e os baianos. E, de passagem, contei que fui 'proibida' de participar de um trabalho numa peça amadora, onde eu seria assistente de direção musical. Houve quem estranhasse essa proibição, pois hoje em dia não se proíbe mais nada a uma pessoa de 19 anos. Mas em 1967 a coisa era outra. Mudam os tempos e os costumes.

Minha mãe era até bastante liberal, em relação a outras mães que eu conhecia. Minhas amigas eram proibidas de namorar, eu não. Tinha uma liberdade relativa, podia frequentar festinhas e eventualmente sair com rapazes. Claro que havia um mega tabu em relação a sexo: naqueles anos 1960, tal comportamento era impensável - o que não quer dizer que não se fizesse. Mas conversando com algumas amigas de colégio da época, fico sabendo que pelo menos as meninas do Colégio São Paulo, em sua maioria, casaram todas conforme mandava a tradição. Caramba, então fui a única maluca da minha turma a romper com isso?

De qualquer forma, a proibição de trabalhar com gente 'de teatro' - ou 'do meio artístico', que seja - na verdade escondia esse viés moralista, o medo de que a menina se 'desvalorizasse' no mercado matrimonial, futuramente. Como eu não tinha pai que exercesse essa função de fiscal da minha vida íntima, minha mãe - separada, e vítima ela mesma de todo o tipo de preconceito por conta disso - tomou a si essa pesada função. Nunca pudemos ter uma conversa aberta a respeito. Minha linda e corajosa mãe era travadíssima nesses assuntos. O que aprendi, aprendi em conversas com amigas. E as amigas do colégio de freiras, pela  própria inexperiência, não podiam ser minhas confidentes nessa hora. Aliás, ninguém era: segui em frente, nesse particular, em total solidão. Só depois de conhecer outras meninas envolvidas com o ambiente de música e artes, pude receber algum tipo de orientação, tipo encontrar um médico, tomar pílula, etc. Tudo até então era feito correndo riscos e na base do improviso.

Por que estou contando tudo isso? Porque hoje me dou conta de coisas que fui simplesmente vivendo, sem parar pra pensar em nada. Sei que me casei cedo demais, levada pelo simples desejo de ser independente e me libertar dessa tirania materna - cheia de amor, é verdade, mas incrivelmente intrusiva e autoritária, opinando em tudo e querendo decidir sobre minha vida e meus relacionamentos. Portanto saí de casa, o que era meu sonho. Só que através do casamento, o que significa que de uma tirania passei para outra pior: a tirania masculina, que desconsidera o pensamento e a personalidade da mulher e a reduz a mera propriedade. Dessa, prefiro não falar, pois envolve outras pessoas queridas. Mas fazer essas reflexões hoje me dá a exata medida do quanto é preciosa a liberdade que finalmente conquistei, para simplesmente existir e ser quem sou. E do quanto minha geração de mulheres teve de lutar para se libertar de todos os grilhões emocionais, afetivos, sociais e outros tantos, onde alguém sempre se arvorava a ser dono ou dona de nossas vidas, nossos  corpos, nossas decisões mais íntimas. Como se alguém pudesse ser dono de alguém.

As meninas de hoje não fazem idéia do quanto nos custou a liberdade delas. Mas ainda assim agradeço, quando vejo a situação das mulheres em outros países. O feminismo ainda tem muito o que fazer nesse mundo.

6 Comments:

At 7:52 PM, Anonymous Mauricio said...

Concordo com voce. Porem acho que ha muito pra se aprender na relacao homem-mulher, tambem. Deus ilumine a todos!

 
At 8:26 PM, Anonymous Sandra BIttencourt said...

Coincidência, Joyce. Vc falando hoje sobre sua trajetória sexual
naqueles árduos 1960, e eu ontem , abrindo meu baú de fotos, dei de cara com uma tirada quando eu fazia Belas-Artes, meados dos anos 1970 , aí no Rio aonde eu aprendi que a vida era o que eu vinha levando até ali e mais um monte de outras coisas. Ou seja, de 'princesinha', que achava ter o controle de tudo e todos, e que só namorava e/ou saía ( esse tão famoso 'ficar' que já é velho de guerra ) com caras bonitinhos, bem tratados, tomei um tranco que me abriu 360 graus mentais .
Aliás, para o meu próprio bem porque aprendi ali, definitivamente, com aqueles seres excêntricos e aloprados, que amamos e reencontramos espíritos e não apenas homens ou mulheres ou o que quer que seja ( hoje temos variações que também devem ser respeitadas, não é mesmo?) .
Então, ao ler você falando sobre o sufoco de uma garota naqueles tempos, essa coisa de casar cedo demais também numa estratégia para criar independência, me ocorreu uma série de histórias de amigas minhas que fizeram a mesma trip.
No meu caso, acho que dei sorte ( vamos pensar que é assim pra não complicar aqui ) por ter tido pais , até certo ponto compreensivos , de forma que as coisas quase sempre se ajeitavam a meu favor.
Mas sei muito bem o que você passou. E que bom que sua liberdade foi, finalmente, conquistada para você existir e ser quem é. Liberdade não tem preço.
SB

 
At 1:36 AM, Blogger Luiz Antonio said...

No Roda Viva de ontem, a Nélida Pinõn falou sobre isso que escreveste: ela disse que as meninas atuais tão donas de si, libertárias, etc e tal não têm a ideia do que foi o feminismo e que elas seriam "devedoras" para suas mães e avós de uma "solidariedade histórica" por todas as conquistas que as permitem ser o que são. Ela disse que o feminismo hoje está dissolvido e ampliado na questão da legalização dos direitos humanos. Concordo.

No entanto, vejo ainda muito machismo , assim como vejo racismo. São bandeiras - que por mais ampliados e garantidos seus direitos - não devem ser rasgadas , pois vira mexe tem que se tirar do armário e colocar pendurada na janela para lembrar a causa. A consolidação nunca é total. Isso me impressiona.

Como falaste de virgindade e sou pai de mulheres, relato: Minha mulher me disse que a filha de 13 anos , indignada com a menstruação pediu se poderia usar um absorvente interno. Minha mulher disse que sim, sem problemas, e que iria leva-lá a gineco para orientação de como usar sem comprometer a virgindade. Respostas da filha: "mae, tu achas que eu to ligando pra virgindade? Tu achas que ser virgem ou não vai mudar a pessoa que eu sou? quero e´conforto de não sair usando "fraldas" todo mês!"
So para sacar um pouco a minha filha: 13 anos, inteligente, leitora de classicos, detesta shopping mas adora CHANNEL e DIOR, de preferencia comprados diretos na Rue Royale, up to date em tudo e se não bastasse é LINDA.
Pois essa menina antenada quer liberdade e conforto.Para ela virgindade é só uma caracteristica anatômica que não tem nada haver com algo a se perder ao se fazer sexo pela primeira vez. Claro, não quis dizer que perderia a virgindade prum OB (desculpe a grosseria chula), mas que não dá a minima para o Tabu que aquilo representa.Ela não aprendeu isso com a mãe. Ela concluiu por si. Eu achei muito cabeça e muito pensante, como ela realmente é mas, me pergunto: será que os meninos da turma dela estão preparados para essa menina? Infelizmente , pelo que observo, acho que não. Por isso, concordo: guardem as bandeiras, podem ser úteis ainda por umas duas gerações ou mais.

 
At 6:57 AM, Blogger Unknown said...

Joyce,

Ontem fiquei ouvindo você tocando e cantando as musicas do Sidney Miller. Sensacional. Você, além de ótima compositora, interpreta as obras de outros compositores como ninguém. Estilo próprio e musicalidade impressionante. Parabéns e obrigado.

Alvaro

 
At 9:52 AM, Anonymous Mauricio said...

Dia desses refletindo sobre seu texto, encontrei grande semelhanca entre sexo e musica. Se nao houver arte e conhecimento, fica caffona e enfadonho.

 
At 3:16 AM, Blogger pituco said...

joyce,

pra frente é que se anda…relato lindo…e pelo menos, pra mim, as coisas belas da vida sempre me foram apresentadas por elas…

…é isso aí
abrsonoros e segue a valsa...

 

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