slow music
Agora vou falar sobre o projeto dos meus sonhos. Sonhei com ele pela primeira vez há 10 anos atrás, e ainda não tinha conseguido realizá-lo. Agora consegui.
Por onde começo? são tantas coisas a dizer sobre isso. Se eu disser que estou dedicando este album a Shirley Horn, Bill Evans e João Gilberto, isso talvez explique alguma coisa. É um album cheio de silencios e pausas, e sobre o uso delas. A pausa é um momento importante da música. Sem silencio, não existe som. Sem o claro-escuro, não se veem todas as nuances da cor. Sutileza gera sutileza.
Também posso dizer que desde que li o "Slow Food Manifesto", divulgado pelo italiano Carlo Petrini, ainda em 2000, me apaixonei pelo conceito e comecei a refletir sobre a similaridade entre música e comida. O mundo despeja junk music nos nossos ouvidos o tempo todo, há anos. Música é alimento para a alma. O maior condutor de emoções que se conhece. Vejam o que diz, entre outras coisas, o "Slow Food Manifesto":
Somos escravos da velocidade e sucumbimos ao mesmo insidioso virus: a Vida Rápida, que rompe com nossos hábitos, invade a privacidade de nossos lares e nos força a ingerir Fast Food.
(alguma semelhança com a música que somos obrigados a ouvir todos os dias?)
Isso posto, vamos ao próximo item _ as canções e eu. De minha parte, eu queria fazer uma longa reflexão sobre o amor. Não queria simplesmente cantar canções de amor desesperado, daquelas de cortar os pulsos, pelo contrário: queria canções que tivessem o agridoce, o claro-escuro, a dúvida, a ironia, o questionamento. Então a escolha se deu, antes de tudo, pela beleza das músicas, mas também levando em conta o quanto as letras teriam de leveza e reflexão sobre o sentimento mais antigo do mundo. Cantadas com muita calma.
Para isso era preciso deixar passar algum tempo. Não dá para se cantar canções assim quando se é mais jovem. Era preciso ter o distanciamento crítico do sentimento, a possibilidade de olhar para trás com compaixão e alguma sabedoria. A voz também precisava envelhecer um pouquinho, perder o polimento, ficar "crestada pela pátina do tempo", como Vinicius diria. Um pouco de areia na garganta e a compreensão das palavras. Essa era a idéia. Foi bom ter esperado esses 10 anos.
Também era preciso encontrar as parcerias certas. Durante todos os anos em que sonhei com este projeto, ele já teve vários formatos, do mínimo ao máximo. Muitos parceiros chegaram e partiram, grandes músicos que em algum momento quiseram ser parte desta idéia, mas a vida não deixou, por alguma razão. E chegamos ao formato de hoje. Essencial.
Tutty esteve comigo desde o primeiro minuto e acompanhou cada volta que o meu mundo deu, em busca desse sonho. Esse disco é dele também. Ninguém mais teria tocado com tanta precisão, sensibilidade e delicadeza. Com ele, a bateria é um instrumento harmonico. Hélio Alves foi fundamental. Um caso raro de pianista brasileiro e jazzista ao mesmo tempo, conhecedor de ambas as linguagens. Um solista brilhante. Jorge Helder, no baixo, trouxe a segurança e a firmeza necessárias para que juntos pudéssemos voar. É nosso quarteto fantástico.
Vejam o repertório (que ainda não tem uma ordem):
OLHOS NEGROS (Johnny Alf/ Ronaldo Bastos)
NOVA ILUSÃO (Zé Menezes/ Luis Bittencourt)
AMOR, AMOR (Sueli Costa/ Cacaso)
SLOW MUSIC (Joyce Moreno/ Robin Meloy Goldsby)
BUT BEAUTIFUL (J. Burke/ J. Van Heusen)
ESTA TARDE VI LLOVER (Armando Manzanero)
SOBRAS DA PARTILHA (Joyce Moreno/ P C Pinheiro)
SAMBA DO GRANDE AMOR (Chico Buarque)
VALSA DO PEQUENO AMOR (Joyce Moreno)
O AMOR É CHAMA (Marcos Valle/ Paulo Sergio Valle)
CONVINCE ME (Love is Inconvenient) (Joyce Moreno/ Robin Meloy Goldsby)
MEDO DE AMAR (Vinicius de Moraes)
Tudo lindo. Tudo slow.
PS- a melhor notícia: sai logo, logo _ em julho/2009, pela querida Biscoito Fino.
17 Comments:
no mundo do tudo fast, o proprio projeto que demorou 10 anos é um relato bem legal. imaginar que alguem sonha ha dez anos com algo, que não abandonou o sonho e que deixou ele amadurecer enquanto outros projetos nasceram e se encerraram...isso é também slow way of life...tá cada vez mais difícil encontrar isso no mundo. Se não for pra ontem...não serve...perde-se então sabores e oportunidades. Projetos de longo prazo parecem ter ficado fadados aos ideais inatingíveis, idealistas....e com isso perde-se também a capacidade de sonhar...
Querida fico feliz ao te ler e saber aqui do seu novo trabalho. Vontade de te ver nos palcos e ouvir.
O repértório já me faz feliz, música boa e de qualidade para nossos ouvidos, salve!
Daqui torço sempre por vc.
Estou com um blog no ar , divulgo o link do seu blog por lá, se puder apareça.
http://patiferraz.blogspot.com
beijocas sonoras, sucesso e luz sempre.
Patricia Ferraz
Com certeza será mais um disco sensacional. Não poderia esperar coisa diferente vindo de você. As músicas que eu conheço são maravilhosas e com certeza serão fantásticas na sua voz. Que bom que esse cd vai chegar primeiro no Brasil.
mas, pensando no slow music. uma curiosidade que tá batendo em mim:
o que é esse lance da pausa na música? é um momento em que vc para de cantar e os músicos seguem na viagem com seus instrumentos, nos levando a milhas e milhas daqui? ou é pausa de parada mesmo?
explica, porque a curiosidade de ouvir...essa não tem nada de slow...... ADORARIA QUE TIVESSE INCLUIDO "RISCO" sua e da Léa Freire (êta coisa mais linda )
bjs
A primeira vez que ouvi falar em Slow Food foi em 1991, por ocasião do lançamento do segundo disco do Nouvelle Cuisine, batizado justamente com o nome desse movimento, que foi sucintamente descrito no encarte.
É maravilhoso termos músicas gravadas com esse espírito. E que beleza de repetório esse aí! Adoro as canções que você regravou (esses verdeiros clássicos) e achei bem sugestivos os nomes das suas — todas inéditas, suponho.
É claro que sugerir alguma ordem seria até irresponsável, sem conhecer todas as canções e arranjos, mas vou arriscar um palpite: "Amor, Amor", por traduzir TUDO, talvez possa ser o fecho ideal.
Um beijo grande, em todos vocês.
Joyce, mais uma vez nos trazendo boas notícias!
E que feliz fico em saber que essa sua voz maravilhosa vai cantar estas músicas escolhidas a dedo!
E claro, lhe parabenizar pelo fortalecimento do projeto, tanta coisas boa aconteceu em 10 anos e imagino como isso amadureceu sa ideia e a deixou mais forte para entrar com tudo e, os músicos de extremo bom gosto que a acompanham, com destaque para o Tutty! ("O que seria sem a bateria de Tutty \o/"), além de que os seus anos de cama, mesa e palco colaboram e muito!
E viva a música, o som e esse par perfeito da música brasileira, Joyce e Tutty!
A pausa, o silêncio. A criatividade de um cantor está ligada a esses dois componentes. E a maioria não se dá conta. O exemplo de Shirley Horn, maravilhosa, é um exemplo perfeito. Ela nunca foi previsível como cantora. Havia nela um senso de divisão natural, que sacudia qualquer música. Portanto, esse seu novo projeto já é de pronto imprevisível - no bom sentido.
nossa, nada mais difícil que escrever canções de amor.
uma letra que tem de ser simples sem ser simplória, sem apelar para a rima óbvia.
fico feliz que esta idéia tenha vindo pra você que tem sensibilidade pra isto.
senão seria um disco rimando pão com macarrão.
Essa última postagem tem muitas coincidências: ontem tive uma aula de filosofia basicamente sobre a dependencia(claro-escuro, sillêncio-som...)e me fez lembrar do João Gilberto, que aliás estava escutando quando entrei no seu blog e quando li sobre esse novo cd, logo pensei que seria você sozinha com o violão no maior estilo João Gilberto... ainda bem que não, deixar esse time de fora parte o caração.
Pra terminar, "Medo de Amar" é a minha música favorita do Vinícius e se depender da minha opinião, abre o disco!
Querida amiga Joyce:(cismo em dizer que sou sua amiga desde que fui vê-la em NY, no Birdland, e tirei foto com você e te abracei...Besta eu...)
Ando meio assustada com o fato de pensar que há mil coisas boas rolando no mundo e eu não dou conta, não tenho tempo de acompanhar... Agora,lendo esse post, estou ouvindo e vendo Shirley Horn, que eu adoro, em "A time for love" http://www.youtube.com/watch?v=vSL5AHhpi6U , que fui buscar, por sua causa... Essa entraria fácil na sua lista.Ela deve ser a rainha das pausas, dos silêncios... Bill Evans é outra de minhas paixoes...
Acho que esse projeto soft music pode render muitos volumes...Aguardamos ansiosamente.
Agora, preciso por em dia a leitura desse blog que cresce muito mais rápido do que meu parco tempo disponível...
Sou sua fã, da sua música, da sua serenidade.
Beijo.
Angela Garcia.
joyce...
se tivesse só postado a foto no stúdio já bastaria para dar toda a mensagem contida neste espaço.
canta com alma, vc é bonita de ver!
fiquei feliz em ver na lista, medo de amar de vinícius.
abç
Joyce,
Parabéns pelo projeto, deve estar primoroso!
Como fã e músico, sinto-me no direito de sugerir - caso ainda esteja em tempo - que vc regrave "Línguas e Amores"; acho que tem muito a ver com essa empreitada.
Sucesso!
Aguardando ansiosamente o lançamento do CD,
Gustavo
Vou ter que conter a ansiedade e esperar "slow" pelo álbum...Abraços, adorei a idéia.
Não vejo a hora de ouvir esse trabalho... sua sonoridade me inspira. Abraço,
Anap
puxa, tô morrendo de curiosidade de ouvir a valsa do pequeno amor, ainda mais depois que vc citou com enorme propriedade e sensibilidade o verso /botei no papel o grande amor/, do Chico, no show aqui do TCE-RJ com a Lucina hoje, a respeito do uso do sobrenome Moreno.
Por sinal, meio off-post, o show foi ótimo, com ótimas canções suas e da Lucina (Geneve é linda, linda). Vc disse /é pra isso que a gente faz as músicas/, em um momento de participação do coral da casa, e aquilo fez ainda muito mais sentido na hora de Clareana, quando o público pega do primeiro acorde e leva a música toda.
Essa mágica da canção popular brasileira é mesmo incrível, em sua beleza e capacidade de comunicação com o outro.
Ou, citando vc em outro momento do show-bate-papo, /nossa música é a melhor do mundo mesmo, desculpem.../
parabéns por tudo, um abraço, Luiz.
Aguardo ansiosamente a chegada do seu album!
Sou de Portugal, e ficaria muito feliz se viesse tocar as suas músicas lindas ao meu país na sua próxima tournée!!
um beijinho lusitano!
Pelo menos duas músicas imortalizadas pela Nana Caymmi,'Medo de amar' e 'O Amor é Chama',bolero,Sueli...Nana é talvez a maior homenageada,não?Aliás adoro quando ela se chega mais para ao universo jazzistico,junto com a turma da Joyce:Toninho Horta,João Donato,com ese aí nem se fala!
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