terça-feira, março 27, 2007

palco é zona erógena

Eu estava na platéia do Canecão na noite em que uma fã mais exaltada gritava para Chico Buarque, incessantemente: "gostoso! tesão!" Não era a única, mas a mais ruidosa, e chegava a atrapalhar e desconcentrar o artista. Sentada numa das primeiras mesas, bem próxima das filhas e dos netos dele, dava pra ver o incômodo que isso lhe causava, e que acabou provocando a frase que no dia seguinte estava em todos os jornais: "pô, tesão não, meus netos estão aí... fica parecendo aquela coisa, 'vovô viu a vulva'..."

Mas acontece que palco é assim: transforma quem o ocupa em objeto de desejo. Não sei se são aquelas luzes, ou simplesmente a impossibilidade de se aproximar da pessoa a quem se admira, o que acaba provocando um efeito paradoxal. Talvez o vazio da vida diária, sei lá. Já vi de tudo, e dos dois lados do balcão.

Quando eu tinha uns 13, 14 anos, fui apaixonada por Anthony Perkins, o ator que depois ficaria célebre como o Norman Bates de 'Psicose'. "Apaixonada" seria exagero, não é que eu quisesse casar com ele ou coisa parecida _ a fantasia recorrente das adolescentes com seus ídolos _ mas era uma grande fã. Não perdia um filme, achava que ele era lindíssimo, e ouvia sem parar seus discos. Ainda ouço, pois se ele nunca chegou a ser exatamente famoso por isso, era um excelente intérprete de cool jazz, na melhor linha Chet Baker. E na vida real, depois fiquei sabendo, uma figura quase tão trágica quanto.

Um dia, lá pelos meus 15 anos, tive a oportunidade de estar com ele ao vivo. Ele viera ao Brasil promover um filme e estava hospedado no Copacabana Palace. Fui até lá com algumas amigas, na cara-de-pau. Entramos na pérgola do Copa e lá estava ele na piscina. Eu era a única que já falava um inglês melhorzinho, e servi de intérprete ao grupo. Vi como ele ficou irritado com as meninas que insistiam em tratá-lo como algum imbecil `a procura de mãe: 'I have a mother, thank you'. Diante disso, peguei meu autógrafo no livro de latim _ a gente estudava latim!!! _ e saí de fininho.

(esqueci de mencionar, meu herói era gay. Elegantemente, novaiorquinamente gay.)

Mas saindo da tela e voltando ao palco como zona erógena: na nossa profissão, tem gente que gosta e até busca isso. Outro dia mesmo um repórter de Pernambuco me procurou a propósito: ele havia entrevistado algumas colegas minhas de geração, seguramente mais ricas e famosas do que eu, que usaram os chamados 'atributos físicos' para alavancar a carreira. Você já viu isso nas capas dos discos: um peito aqui, uma coxa ali, até uma foto frontal da genitália coberta por um paninho sem-vergonha. Veja bem, não falo daquele pessoal da preferencia nacional, tipo Gretchen ou Carla Perez, mas de algumas com status de grandes cantoras.

E me perguntava, o repórter, por que nos meus CDs, mesmo nos da mais tenra juventude, ele mal via um ombro de fora. Eu disse a ele que respeitava, obviamente, a opção de minhas colegas, embora visse um tanto de ingenuidade nesse tipo de exposição _ elas se achando muito transgressoras, mas na verdade sendo usadas como capa de Playboy. Tive, a duras penas, de explicar minhas convicções feministas: se nossos corpos nos pertencem, o meu não estava ali pra servir de chamariz e dar lucro pra indústria fonográfica, eu estava mais a fim de mostrar minha música do que a minha figura, etc. E que política do corpo a gente faz na vida real. Não sei se ele ficou muito convencido, mas expliquei como pude meu ponto de vista.

Na verdade, sempre achei profundamente irritante esse tipo de exposição, e mais ainda aquele tipo de fã que mistura as estações. E faço votos para que nenhum ouvinte mais arrojado venha a me fazer passar pelo mesmo constrangimento que o Chico passou com as admiradoras dele. Vovô viu a vulva, mas vovó viu... o palco.

9 Comments:

At 5:59 PM, Anonymous Anônimo said...

Complicado isso para o artista né?
O artista fica muito exposto e no palco sem dúvida ele é um sedutor.
Ter que aturar um fã desse tipo é fogo porque a impressão que dá é que ele é fã dele mesmo e tem a necessidade de mostrar isso para todos.
Bom joyce,comigo você não deve se preocupar(risos),porque respeito a sua privacidade,o seu trabalho e acima de tudo a sua concentração no palco.E além de tudo, somos colegas de trabalho,o risco assim reduz e muito.
Porém,como fã, a vontade que fica é pedir conselhos,comentar sobre uma musica e saber um pouco da sua história.
Um beijão
DE UMA FÃ

 
At 7:56 PM, Anonymous Anônimo said...

Joyce, primeiro deixa eu dizer como fiquei feliz em saber do teu blog (através da comunidade no orkut), porque eu adoro o seu jeito de escrever no "Fotografei Você na Minha Rolley-Flex" e aí é mais uma oportunidade de ter mais. Aliás, você o autografou pra mim - mesmo com ele meio sambadinho - quando esteve aqui em João Pessoa, num show do Pixinguinha em 2005 (acho).

Mas o comentário é em razão disso: o Anthony Perkins era cantor?!? Nossa, nunca tinha ouvido falar disso! Beijo!

 
At 6:03 AM, Anonymous Anônimo said...

Putz! Qual foi o aluguel que as moçoilas aplicaram no Anthony Perkins ao ponto dele “espirrar” vocês com tal resposta!? kkk

O que se passou com você, na ocasião em que “o seu mito Anthony Perkins” caiu por terra?

Quando minha filha tinha uns 11 anos de idade, peguei-a chorando profundamente, muito sentido mesmo. Ela tinha acabado de saber que “o seu mito Alanis Morissete” (com a qual até se parecia/se parece fisicamente) era homossexual.
É certo que naquele momento ela precisava ser acalentada, mas, muito mais do que isso, necessitava ser esclarecida. Então, batemos um longo papo sobre as possibilidades de características humanas, sobre liberdade e livre arbítrio, sobre se fazer respeitar e respeitar o outro (mesmo que ele tenha características diferentes das da gente). E frisei que a Alanis tinha “só uma” característica diferente das dela...
No meio da conversa ela já tinha parado de chorar e, no final, foi direto pra sua escrivaninha, a fim de traduzir uma música (da Alanis) que ela ainda não havia traduzido.

Safka

 
At 12:44 AM, Anonymous Anônimo said...

kkkkkkkkkk “Vovó ‘só’ vê o palco”. kkkkk
Tranqüilize-se! Não há motivo pra se estressar diante de uma situação como esta! Você, o Tutty e o seu público já estão carecas de saber que o ingrediente sensual-erótico-imperativo não faz parte da sua receita de trabalho e que caso ocorra alguma exaltação vinda de algum fã cheio de fantasia e ousadia, ela não foi promovida por estímulo intencional “da parte da Joyce”.
Então, nada de se sentir constrangida nem de entender que a atitude daquele fã pode ser capaz de modificar a sua “imagem já estabelecida”, mesmo que a imprensa, neste dia, não tenha encontrado algo mais sensacionalista para preencher suas páginas.
Desestabilizar-se emocionalmente e se zangar explicitamente com o fã significa desgaste da sua imagem pessoal (uma vez que isso indica que você está se rebaixando até o nível daquele fã para enfrentá-lo de igual para igual), mas significa, principalmente, o desperdício da sua energia, tão essencial, no momento de uma apresentação! Na circunstância do Chico, ele teve que recorrer a esta reação, depois da segurança comer bola e a manifestação inconveniente se mostrar crescente.
Num caso deste, ignore o ocorrido, firme-se na sua concentração e deixe que a segurança (já orientada pela produção, né!?) execute, ra-pi-da-men-te, a parte que lhe compete. Desta forma, tenho certeza que o público presente (o qual te admira muito) acompanhará a sua postura, ignorando, também, o (início do) infortúnio e permanecendo atento à sua performance artística.
Contudo, não pense que está isenta de uma ocorrência desta, viu, “vovó Palcalina”!? kkk Você é uma bela mulher (tanto por fora quanto por dentro), capaz de suscitar interesse “por vias naturais” e, além disso, você é “um mito”. (Por mais que negue isso, aqui estão todos os seus blogueiros confirmando, a toda hora, o que estou dizendo.)
Estas características te aproximam de ser encarada como um objeto de desejo sexual (dentro das tantas outras reações possíveis e automáticas vindas do público). Tá certo que com o status de casada tal possibilidade diminui, coisa que não tem acontecido com o Chico, por ele estar solteiro e portanto, mais visado e vulnerável a isso. Coitado! Tenho a impressão de que ele tem um pavio bem curto quando se trata da invasão da sua privacidade!
Mas... enfim... faz parte. São “os ossos do ofício” com os quais o artista necessita conviver harmonicamente (se é assim que se pode denominar) ou, então... pirar...

Nossa! Estes temas estão longe de serem esgotados: apenas começaram.
Ingrediente sensual-erótico-imperativo; relação artista-público; ossos do ofício; mito... Vamos lá, companheiros blogueiros, artistas e, principalmente, fãzíssimos da Joyce! Vamos relatar algumas das suas experiências a respeito!

Safka

 
At 10:54 AM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Oi Joyce!
Parábens mais uma vez por ecrever tão bem sobre diiversos assuntos.
Eu ainda quero ler seu livro Fotografei você na minha Rolley-Flex, que ainda não tive oportunidade de ler.
Mas essa do Chico Buarque acabou sendo até engraçado, eu não sabia disso.
Sempre respeitei todos os artistas, até aquelas mais atraentes.
Eu ainda quero ir em um show seu, mas pode ficar tranquila que não vou se chamar de nada que faça você se irritar.
Um beijo!

 
At 10:33 PM, Anonymous Anônimo said...

Parabéns pela sensibilidade em escolher a foto, apropriadíssima. O foco desfeito, o vermelho,as frestas em negro, os babados das cortinas...."vúlvico" erotismo puro. Bordel da velha Lapa, que eu nem cheguei a viver...des ja vu...

 
At 12:51 PM, Anonymous Anônimo said...

Acho que é um pouco de tudo- o vazio, a impossibilidade de ter, as luzes... Também acho uma apelação certas capas de cds. Não lembro de nenhum cd da Elis, da Nana, da Fátima Guedes, da Elizeth, que usem esse tipo de artifício. Pior é que o Chico também não apela, mas ele tem essa coisa, esse brilho no olhar, esse olhar menino, tão lindo, que a gente nem percebe as partes menios atraentes... Sim, elas existem! Se você examinar o rosto, a cabeça do Chico que nem o Jack, por partes, vc entende o que eu estou dizendo. Ele não tem orelhas, vamos dizer, charmosas ou dentes bonitos. Mas ele é um gato. Eu acho. E ainda é esse "maior poeta brasileiro vivo", como diz uma amiga, e ainda canta. Fala sério! Difícil resistir... Mas acho que o respeito pelo artista vem primeiro.
Em tempo, adoro o Chet BAker cantando , tem a voz muito doce. E nem sabia que o Tony Perkins cantava...
Bjs e boa semana!

 
At 1:29 PM, Anonymous Anônimo said...

Ah Joyce, respeito sua opinião, mas eu adooooooro ver a barriguinha linda que Maria Bethânia expunha nos idos 70, e aquela foto Gal de india tem a ver com a música e o contexto da época, o desbunde, o movimento hippie, um nu natural, parece q estamos mais repressores?

 
At 4:37 PM, Blogger Plenitude said...

Amei esse post.
Perceptível a indignação, mas o senso de humor também.Impossível não visualizar a cena com o Chico e não rir, mil perdões.
Guria, como é bom te ler, além de te ouvir, o que eu já faço faz anos.
Pois é, vocês ídolos aí, nós fãs aqui. Interessante essa coisa que nos despertam as pessoas que tanto admiramos.
Costumo dizer que meus ídolos "me educaram". Cresci ouvindo a nata da MPB, nasci em 1964, com a ditadura. Meus valores, minha consciência de mundo, de vida, foram construídas com a "pedagogia" de meus ídolos/mestres.
A todos eles sou grata por ser (ou buscar ser) um ser humano melhorzinho, não apenas turista na terra.
Ínfima minha contribuição para a humanidade, não importa. Transcender minha limitante obscuridade com a arte que vocês compartilham conosco, me deixa muito feliz.
Reverências, mestra!

 

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