quarta-feira, agosto 20, 2008

free na dinamarca

E olha eu lá com meus colegas, todos também dando aulas e workshops na Summer Session Clinic em Vrå, na Dinamarca: ao meu lado, meio escondido, o trompetista e vocalista norueguês Per Jørgensen; no contrabaixo, uma lenda do jazz dos anos 70, membro fundador do Weather Report, o tcheco Miroslav Vitous; na bateria, Jeff ‘Tain’ Watts’, que dispensa apresentações. E ocultos na foto, porém presentes, o jovem organista de NY Sam Yahel, e o inacreditável, aos 87 anos, flautista e saxofonista Yussef Lateef (com seu assistente, o percussionista Adam Rudolph).

Esta foi a noite do concerto que nós, professores, fizemos para os alunos. Fiquei meio com um pé atrás, de início: tantos jazzistas juntos haveriam de querer tocar jazz norte-americano, donde eu, brasileira, estaria meio deslocada. Logo na chegada, Per, o norueguês, me procurou: tinha as mesmas preocupacões que eu, e sugeriu que nos apresentássemos juntos num duo `a parte, na abertura do concerto. Como o trabalho dele é todo desenvolvido a partir de música orgânica e criativa, foi fácil acharmos um denominador comum, e rapidamente criamos um formato para a boa e velha ‘Upa Neguinho’, que ele não conhecia, mas de quem ficou íntimo em minutos.

Só que na reunião dos professores para combinarmos o repertório do concerto, surpresa: nenhum deles queria tocar standards de jazz. A começar por Yussef, que foi logo dizendo ‘I don’t do standards.’ Na verdade, a lista das coisas que ele não faz é enorme, pois trata-se de um muçulmano ferrenho, da velha escola _ que entre outras estranhezas, não aperta a mão de mulher, para não tocar em possíveis ‘impurezas’, o que me deixou bastante constrangida no primeiro encontro, ao ficar com a mão abanando diante dele. Depois entendi que era assim mesmo e fui em frente. Mas que é esquisito, é, com todo respeito…

Enfim, Yussef não queria tocar standards, Miroslav não queria tocar walking bass, nada que lembrasse o jazz americano da forma como é conhecido, e os professores mais novos, Yahel e Watts, também disseram que não. Decidiu-se portanto que o concerto seria free.

Free jazz me dá arrepios: respeitosamente, detesto _ quase tanto quanto detesto fusion _ e nunca consegui escutar até o fim um disco de Ornette Coleman. A única vez em que estive num concerto dele, saí na metade, pois sempre chega um momento em que simplesmente acaba o assunto e tudo fica sem sentido, por maior que seja a boa vontade do ouvinte, e o que era para ser música livre vira uma espécie de masturbação coletiva. Com todo respeito, de novo.

Mas quem está na chuva tem de se molhar, e portanto lá fui eu participar de uma free session pela primeira vez na vida. Tá bom, pela primeira vez em público, pelo menos, pois é claro que em ensaios e brincadeiras caseiras rola de tudo. Mas com platéia _ e platéia de músicos, ainda por cima, pois nesses workshops dinamarqueses os alunos são todos profissionais _ foi a primeira vez mesmo.

E não é que deu certo? Acabou rolando música de alta voltagem criativa, e a voz usada como instrumento foi uma boa ferramenta para lidar com isso. Já no finalzinho, quando parecia que iria desandar o bolo, Watts, esperto, puxou uma levada rítmica que imediatamente me remeteu `as levadas daqui, e foi a minha deixa para que o violão entrasse em cena _ e o que era free acabou mesmo em baião, para alegria geral. Essa é a cena que aparece na foto acima. Cada um dá o que tem… e viva o Brasil!

PS- depois de passar toda a semana ‘explicando’ Dorival Caymmi aos meus alunos escandinavos, fazendo analogias entre a música dele e a de Debussy, e demonstrando que sem Dorival não haveria João (Gilberto), chegou a notícia no sábado. A comoção foi enorme, e muita gente que tinha aprendido a entendê-lo e amá-lo pela primeira vez chorou comigo. Eclipse da lua no interior da Dinamarca, tristeza sem fim.

4 Comments:

At 8:51 PM, Anonymous Anônimo said...

Joyce, sou muito, muito, mas muito sua fã.
E participar um pouquinho dessa sua rotina é realmente uma delicia. Eu, como tbm dou muitas aulas, fiquei imaginando o nervosismo de começar esse workshop... só feras... ai... mas tenho certeza que com todo seu balanço, toda sua brasilidade, e o pandeiro e o triângulo correndo na veia, todos que estavam lá nunca irão esquecer seu som.
super abraço, ana paula lopes

 
At 9:18 PM, Anonymous Anônimo said...

Ah, esqueci de dizer! Farei um show amanha de lançamento do meu segundo CD no SESC Santo André e decidi fechar o show com musica sua. Quatro elementos!

um bj!, ana paula lopes

 
At 9:56 PM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Parabéns Joyce por estar arrasando na Dinamarca.
Que ótimo que você falou de Caymmi, é verdade sem Caymmi não existiria João Gilberto e nem Bossa Nova.
Foi o mestre dos mestres, uma perda irreparável pra nossa música, mas como disse Maria Bethania: Caymmi não morreu, ficou encantando.
"Adeus irmão, adeus! Até o dia de juízo!"

 
At 9:22 AM, Anonymous Anônimo said...

sabe uma coisa que eu não entendo, o que raios é música orgânica?Existe música inorgânica?Alguém me dá uma luz?

 

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