free na dinamarca
E olha eu lá com meus colegas, todos também dando aulas e workshops na Summer Session Clinic em Vrå, na Dinamarca: ao meu lado, meio escondido, o trompetista e vocalista norueguês Per Jørgensen; no contrabaixo, uma lenda do jazz dos anos 70, membro fundador do Weather Report, o tcheco Miroslav Vitous; na bateria, Jeff ‘Tain’ Watts’, que dispensa apresentações. E ocultos na foto, porém presentes, o jovem organista de NY Sam Yahel, e o inacreditável, aos 87 anos, flautista e saxofonista Yussef Lateef (com seu assistente, o percussionista Adam Rudolph).
Esta foi a noite do concerto que nós, professores, fizemos para os alunos. Fiquei meio com um pé atrás, de início: tantos jazzistas juntos haveriam de querer tocar jazz norte-americano, donde eu, brasileira, estaria meio deslocada. Logo na chegada, Per, o norueguês, me procurou: tinha as mesmas preocupacões que eu, e sugeriu que nos apresentássemos juntos num duo `a parte, na abertura do concerto. Como o trabalho dele é todo desenvolvido a partir de música orgânica e criativa, foi fácil acharmos um denominador comum, e rapidamente criamos um formato para a boa e velha ‘Upa Neguinho’, que ele não conhecia, mas de quem ficou íntimo em minutos.
Só que na reunião dos professores para combinarmos o repertório do concerto, surpresa: nenhum deles queria tocar standards de jazz. A começar por Yussef, que foi logo dizendo ‘I don’t do standards.’ Na verdade, a lista das coisas que ele não faz é enorme, pois trata-se de um muçulmano ferrenho, da velha escola _ que entre outras estranhezas, não aperta a mão de mulher, para não tocar em possíveis ‘impurezas’, o que me deixou bastante constrangida no primeiro encontro, ao ficar com a mão abanando diante dele. Depois entendi que era assim mesmo e fui em frente. Mas que é esquisito, é, com todo respeito…
Enfim, Yussef não queria tocar standards, Miroslav não queria tocar walking bass, nada que lembrasse o jazz americano da forma como é conhecido, e os professores mais novos, Yahel e Watts, também disseram que não. Decidiu-se portanto que o concerto seria free.
Free jazz me dá arrepios: respeitosamente, detesto _ quase tanto quanto detesto fusion _ e nunca consegui escutar até o fim um disco de Ornette Coleman. A única vez em que estive num concerto dele, saí na metade, pois sempre chega um momento em que simplesmente acaba o assunto e tudo fica sem sentido, por maior que seja a boa vontade do ouvinte, e o que era para ser música livre vira uma espécie de masturbação coletiva. Com todo respeito, de novo.
Mas quem está na chuva tem de se molhar, e portanto lá fui eu participar de uma free session pela primeira vez na vida. Tá bom, pela primeira vez em público, pelo menos, pois é claro que em ensaios e brincadeiras caseiras rola de tudo. Mas com platéia _ e platéia de músicos, ainda por cima, pois nesses workshops dinamarqueses os alunos são todos profissionais _ foi a primeira vez mesmo.
E não é que deu certo? Acabou rolando música de alta voltagem criativa, e a voz usada como instrumento foi uma boa ferramenta para lidar com isso. Já no finalzinho, quando parecia que iria desandar o bolo, Watts, esperto, puxou uma levada rítmica que imediatamente me remeteu `as levadas daqui, e foi a minha deixa para que o violão entrasse em cena _ e o que era free acabou mesmo em baião, para alegria geral. Essa é a cena que aparece na foto acima. Cada um dá o que tem… e viva o Brasil!
PS- depois de passar toda a semana ‘explicando’ Dorival Caymmi aos meus alunos escandinavos, fazendo analogias entre a música dele e a de Debussy, e demonstrando que sem Dorival não haveria João (Gilberto), chegou a notícia no sábado. A comoção foi enorme, e muita gente que tinha aprendido a entendê-lo e amá-lo pela primeira vez chorou comigo. Eclipse da lua no interior da Dinamarca, tristeza sem fim.
4 Comments:
Joyce, sou muito, muito, mas muito sua fã.
E participar um pouquinho dessa sua rotina é realmente uma delicia. Eu, como tbm dou muitas aulas, fiquei imaginando o nervosismo de começar esse workshop... só feras... ai... mas tenho certeza que com todo seu balanço, toda sua brasilidade, e o pandeiro e o triângulo correndo na veia, todos que estavam lá nunca irão esquecer seu som.
super abraço, ana paula lopes
Ah, esqueci de dizer! Farei um show amanha de lançamento do meu segundo CD no SESC Santo André e decidi fechar o show com musica sua. Quatro elementos!
um bj!, ana paula lopes
Parabéns Joyce por estar arrasando na Dinamarca.
Que ótimo que você falou de Caymmi, é verdade sem Caymmi não existiria João Gilberto e nem Bossa Nova.
Foi o mestre dos mestres, uma perda irreparável pra nossa música, mas como disse Maria Bethania: Caymmi não morreu, ficou encantando.
"Adeus irmão, adeus! Até o dia de juízo!"
sabe uma coisa que eu não entendo, o que raios é música orgânica?Existe música inorgânica?Alguém me dá uma luz?
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