sábado, maio 28, 2011

dia de índio

Quando jovenzinhas éramos volta e meia confundidas uma com a outra: as duas tínhamos mais ou menos a mesma idade, cabelão comprido, vestuário meio para o hippie e tocávamos violão "como homem", conforme se dizia na época. Isso foi nos anos 1970. Depois cada uma seguiu seu caminho. Fui cuidar da minha música e de minhas filhas pequenas, e ela seguiu por um caminho pra lá de radical: viajou para dentro do Brasil profundo, que frequenta há mais de trinta anos, e se tornou a maior especialista (do mundo, creio eu) em música indígena brasileira. Estou falando de Marlui Miranda, claro.

Pois foi ela a convidada da gravação desta semana do nosso 'No Compasso da História', no programa onde abordamos o Brasil pré-Cabral, as culturas e os povos indígenas e tudo o que rodeia este precioso assunto. Preciosa mesmo foi a colaboração de Marlui também na entrevista, esclarecendo questões históricas, trazendo informações pertinentes e seríssimas, contando histórias deliciosas de seus 'parentes' de diversas etnias e emocionando ao falar do futuro deles. Uma maravilha que me tirou do sério e me fez em vários momentos ficar com lágrimas nos olhos.

Apresentei Marlui a Antonia Adnet, e foi uma delícia presenciar o encontro destas duas gerações de grandes violonistas que ainda não tinham se conhecido, e se apaixonaram instantaneamente pelo som uma da outra. Sim, tocamos as três juntas também, na pedreira verbal e harmônica que é o 'Borzeguim', do Tom: "deixa o índio vivo nu/ vai embora daqui, coisa-ruim/ some logo, vai embora/ em nome de Deus..." Enquanto é votado o código florestal brasileiro, transformado em moeda de troca no Congresso Nacional, nunca esta canção, feita ainda nos anos 1980 pelo visionário Antonio Carlos Jobim, pareceu tão oportuna. "Não quero fogo, quero água/ deixa o mato crescer em paz..."

Marlui conta na entrevista como o índio sempre foi usado em toda a nossa História, primeiro pela Coroa portuguesa, depois caçado pelos bandeirantes (e salvo pelos jesuítas - apesar da catequização que renegou grande parte de sua cultura - que consideravam que o índio tinha uma alma, e era portanto um ser humano), exterminado pelas doenças transmitidas pelo branco... e hoje refém da questão ambiental. Para um povo para quem a terra e as águas são tudo - em torno delas se criaram todas as mitologias e cantigas indígenas, o índio é de fato um com a Natureza - isso pode ser catastrófico. Ela conta como a construção de uma usina como Belo Monte destruirá ainda mais essas culturas, tirando do lugar onde vivem até mesmo comunidades que ainda não foram contactadas pelo branco. Mas o Brasil quer crescer a qualquer custo.

Pra falar aqui de coisas boas, vejam parte do repertório: 'Todo Dia Era Dia de Índio' (do Benjor - Marlui conta que os povos indígenas adoram a gravação da Baby, e a põem para tocar em todas as suas festas), 'Um Índio' (Caetano Veloso), a já mencionada 'Borzeguim' (Tom Jobim), 'Juparanã' e 'Quarup' (duas parcerias minhas com Paulo César Pinheiro), 'O Canto do Pajé' (Villa-Lobos e Costa Barros) e mais uma infinidade de cantigas indígenas, de várias etnias, trazidas pela Marlui. Uma maravilha só!

PS- fotos de Alberto Jacob Filho.

6 Comments:

At 6:17 PM, Anonymous Baptistão said...

Caramba! Ela cortou e tingiu aqueles longos cabelos negros! A Marlui é mesmo uma autoridade. Mas ainda curto mesmo são os seus discos antigos, com músicas como Mata e Pitanga.

 
At 9:25 PM, Blogger joyce said...

São lindos mesmo. Marlui é craque!

 
At 1:19 PM, Blogger Marcel said...

Que linda a Marlui!

Linda a "Estrela do Indaiá", gosto muito dela, principalmente por que ela coloca cada sílaba no lugar correto, como você faz, além de ter instrumentais lindos, como Olho d'água.

E até eu as confundiria, ela tinha um cabelão escuro que nem o seu.

Ah, hoje fui ao Sesc, e estou de ingresso na mão, realidade!! Estarei na sua platéia no dia 18!

Que Oxalá abençoe!

Até Jazz!

 
At 12:20 AM, Anonymous Cecília Freitas said...

O verso da letra de Borzeguim de que mais gosto é o que diz: "Escuta o mato crescendo em paz...". É lindo... Perfeito! Esse "em paz" que brota no texto pode relacionar-se ao verbo crescer, ou seja, o mato cresce em paz. Mas também pode referir-se ao verbo escutar: escute em paz o mato crescer... O que acaba sendo, cá entre nós, faces da mesma moeda: se conhecêssemos a paz, talvez a natureza não sofresse tanto. E, com natureza viva, talvez fosse mais fácil descobrir a paz. Viva o Tom!!!

 
At 12:25 AM, Blogger pituco said...

joyce,

tô aqui assistindo um vídeo da marlui com o grupo pau brasil...uma formação diferente...os irmão nazários, o teco...da original só o rodolfo mesmo...espíritos da mata...

abraçsons

 
At 12:55 PM, Blogger lurian said...

Nossa Joyce, que maravilha você chamar Marlui!!! Sempre via Marlui com uma ligação forte a músicos que tocam contigo, mas não sabia nada do passado musical ou de alguma aproximação entre vocês. Muito bom conhecer essa parte da história! Duas compositoras-musicistas fantásticas!!! Marlui hoje não é apenas uma autoridade em música indígena, mas grande defensora das causas desses povos. Ser humano admirável que ao invés do sucesso fácil encontrou sua arte em torno dos povos, muitas vezes, desapercebidos.
Parabéns!!!

 

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