segunda-feira, agosto 03, 2009

concursos, parte II

                 (no estúdio, com Clarinha e Aninha, 1980)

Pois.

Continuando o assunto 'festivaias', eis que depois de algumas passagens mais ou menos bem-sucedidas por outros eventos _ sim, eu tinha 19, 20 anos, e não ia me intimidar por tão pouco... Não era 'coragem' nem 'raça' (quem me dera!), mas simples ingenuidade, irresponsabilidade de juventude. E assim foi que em festivais posteriores 'defendi' músicas de amigos como Toninho Horta, Danilo Caymmi, Helcio Costa (irmão de minha amiga Sueli), Nelson Angelo e outros de quem não me lembro. E minhas também, como 'Copacabana Velha de Guerra', já mencionada em outro post, que apresentei no famoso FIC, o Festival Internacional da Canção, feito pela TV Globo, que rivalizava com o da TV Record em importancia. Era o Maracanãzinho de novo, mas desta vez até que não me saí mal.

(o arranjo do festival, respondendo ao Renato, foi do Luiz Eça, que também fez o arranjo da gravação de estúdio)

Havia festivais para todos os gostos, de que todo o mundo participava: festivais universitários, televisivos, interioranos, de cidades menores como Juiz de Fora (onde, novamente com o Momentoquatro, tive bastante sucesso cantando 'Litoral', de Toninho e Ronaldo Bastos) ou cidades maiores como Belo Horizonte  _ neste, em 1969, eu e Toninho ficamos em 5º lugar com a música dele, "Yarabela", e seria _ o festival, não "Yarabela" _ talvez o marco inaugural de um movimento que dali a dois anos estaria imortalizado em disco, com o título de uma das canções concorrentes: "Clube da Esquina". Ali também conheceríamos pela primeira vez dois talentosos garotos beatlemaníacos de 17 anos, Lô Borges e Beto Guedes. Só na hora em que pisaram no palco o público descobriria que se tratava de dois rapazes, pois a apresentadora anunciara "as compositoras Helô Borges e Beth Guedes". Coisas da época.

Passou o tempo dos festivais. Casei, tive filhas, dei um tempo na música, depois me separei e voltei a me entender com meus sons. Eu largara a música, mas a música não me largara, e assim viajei pela Europa e pela América do Sul com Vinicius e Toquinho, gravei na Itália, voltei ao Brasil, fiz parte do Academia de Danças com Egberto Gismonti, fui para Nova York e gravei lá também... A vida continuava.

E eis que voltando ao Brasil em definitivo, já casada de  novo e com mais um bebê em casa, assinei um contrato com a EMI-Odeon para gravar um disco todo meu. A compositora estava bombando, eu estava tendo minhas músicas gravadas por todo o mundo que importava naquele ano de 1979 _ Elis, Milton, Ney, Bethania, Nana e mil outros mais. A gravadora achou que valeria a pena me contratar, e em janeiro de 1980 entramos em estúdio para gravar o que seria meu disco-emblema, "Feminina".

Entre as músicas do repertório havia uma berceuse (letra minha sobre música de Mauricio Maestro) feita durante a temporada na Itália, com saudades de minhas (então) duas meninas, que estavam no Brasil com a avó. E eis, mais uma vez, que a Globo resolveu patrocinar um novo festival. Eu não tinha a menor ilusão a respeito, nem pretendia fazer mais parte daquilo. Mas por insistencia da gravadora, topei inscrever uma música. Só que praticamente todo o repertório do 'Feminina' já havia sido gravado por algum outro artista antes _ 'Mistérios' por Milton e Boca Livre, 'Feminina' pelo Quarteto em Cy, 'Da Cor Brasileira' por Bethania, 'Essa Mulher' por Elis, e por aí vai. Não havia mais quase nada inédito que pudesse ser inscrito. Sobraram "Aldeia de Ogum', um tema instrumental, sem letra, que não poderia, por motivos óbvios, participar _ e minha despretensiosa berceuse, 'Clareana'.

(Nessa hora os escritores americanos fazem uma pausa dramática e dizem "o resto é história". Vou pular essa parte.)

E vamos ao Maracanãzinho, já na final do festival MPB-80. A esta altura, 'Clareana ' já era um sucesso nacional, que pipocara espontaneamente desde a primeira apresentação nas eliminatórias. Tocava direto no rádio (o famoso jabá ainda não havia se tornado uma instituição semi-oficial), eu aparecia em todos os programas de TV, enfim, era sucesso real e absoluto, um legítimo sucesso pop. Pelas razões erradas, talvez, pois não refletia exatamente a minha música, mas era.

Na véspera da final eu estava passeando com minha filha menor na pracinha perto de casa, quando encontrei meu vizinho Oswaldo Montenegro, também concorrente. E tivemos uma conversa engraçada. Eu disse, e ele concordou, que esperava sinceramente não vencer o concurso, para não ficar com o estigma do festival na carreira, que a música que eu queria fazer não tinha nada a ver com aquilo tudo (e ele dizendo "eu também acho, eu também acho"...), enfim, um papo bem alternativo mesmo.

Corta pro Maracanãzinho na noite seguinte. Quando meu nome foi anunciado, o ginásio veio abaixo _ e desta vez, de aplausos. Na hora em que subi ao palco, lembro claramente que pensei mais ou menos o que Julia Roberts disse quando recebeu um Oscar: "vou aproveitar ao máximo este momento, que não sei se irá se repetir na minha vida". E assim, em vez de ficar fria e fazer uma apresentação profissional, deixei deliberadamente que a emoção tomasse conta de mim.

E deu no que deu: a acústica traiçoeira do Maracanãzinho, uma briga que estourou de repente nas arquibancadas, com parte da platéia chamando a polícia, a orquestra que não se ouvia, o som do meu violão que também tinha sumido _ e lá se foi por água abaixo a maravilhosa apresentação. Entrei totalmente em outro tom, um desastre quase completo, salvo pelo pessoal do Viva Voz, grupo vocal que me acompanhava na canção. Na segunda vez, retomei o tom correto, mas o mal já estava feito. Só que, incrivelmente, ninguém reparou. A canção conquistara o público de tal modo que minha péssima performance passou despercebida, ainda bem. Posso dizer em minha defesa que foi a única vez que isso me aconteceu, embora aconteça com frequencia nas melhores famílias. Mas foi o suficiente para me deixar chateada. Eu sabia que não tinha ido bem. E aprendi outra lição para a vida: emoção sem controle no palco _ evite.

PS- O festival foi vencido por meu vizinho, o que muito me aliviou na ocasião, mas não adiantou nada: até hoje tem gente que pensa que quem ganhou fui eu.

12 Comments:

At 11:35 PM, Blogger Luiz Antonio said...

E foi nesse festival que te conheci e foi no disco que veio depois o AGUA E LUZ que eu "me achei" num som que eu curtia e adora viajar e aproveitar tudo que é bom...
Que não havia coragem e raça? Discordo totalmente de você. Entrar nessa e outras selvas expondo-se a fera, na maior das ingenuidades é SIM, ter raça e coragem. Você não entendeu o que eu quis dizer no comentário anterior. Sei bem o que signific,a e te traduzindo pro mundo nada poético da burocracia administrativa de empresas (pois foi no que o arquiteto, sonhado pelo pai um eletrotécnico, se tornou: um administrador - ao menos me coube o designío de administar minha própria empresa- ) enfim, quando saí com um diploma de arquiteto embaixo do braço, fazendo projeto de reformas de banheiro, cobrando por metro quadrado, dando desconto, e ainda assim não tinha campo de trabalho, mulher e uma casa pra cuidar e sonhar... Uma empresa "desgovernada" que caiu em minhas mãos "por acidente de percurso" para eu administrar por quinze dias, e lá se vão 16 anos. O tamnanho da coisa hoje, te digo, qualquer administrador formado teria saido correndo , mas correndo mesmo. Eu, por não ser do ramo, encarei sem saber bem o que era. lembro até hoje (e com orgulho) de quando mandaram eu ir buscar uma NEGATIVA pra uma licitação e eu pensei que o certo era ser uma POSITIVA (afinal, tudo positivo é que é tudo bom!!!) Hoje, dou nó em pingo dágua, mas foi , no inicio, pensando que positivo era bom e negativa era ruim.
Foia a Ingenuidade que me levou, algo sem saber bem por onde ia dar e hoje, apesar de várias tempestades, tenho certeza vai me levar pro mar...(e se vai levar pro mar...é porque é bom). Nada ha ver com tua história, cada vida uma vida, mas envolvidso na mesma ingenuidade e isso pra mim é RAÇA E CORAGEM - ASSUMIR-SE COMO SE É NO MUNDO CANE AÍ DE FORA -

 
At 11:41 PM, Blogger Marcel said...

Olá Joyce!

Estou meio em estado de nostalgia ao ler isso! rs

Você, vizinha do Oswaldo, que coincidência. Oswaldo é meu cantor favorito!

Enfim, eu gosto muito de ler esses relatos sobre os festivais, aliás, quando eu passei a apreciar a dita "MPB", comecei a "estudar" um pouco sobre eles, a 1° música que ouvi e que gostei de cara foi "Bandolins" que o Oswaldo concorreu com Zé Alexandre em 79, mas isso é outra história e, por este e mais "x" motivos ele se tornou meu cantor/compositor favorito, o mesmo com você, no caso, cantora/compositora favorita.

Recentemente, fazendo as minhas pesquisas internet a dentro, encontrei um vídeo de uma tal de "Mofo TV" que falava sobre os festivais e no vídeo existem vários fragmentos desse Festival que você mencionou, mostra a Sandra Sá (na época) com "Demônio Colorido", Oswaldo com "Agonia", você com "Clareana", Eduardo Dussek (na época com os 2 's') com "Nostradamus" e por ai vai, além de mostrar outros festivais, inclusive um dos mais bonitos, quando a Leila Pinheiro cantou "Verde", que pra mim foi um marco, mesmo não tendo vivido esse momento, que deve ter sido tudo de bom.

Essa história de competição é muito chata, não me agrada também e ainda bem que você encontrou a rota que queria, fugindo desse negócio de Festival. rs

Enfim, caso se interesse pel vídeo, o link é esse:

http://www.youtube.com/watch?v=46rlwbbrBcI&feature=PlayList&p=05EED3047364A505&playnext=1&playnext_from=PL&index=21

e outro vídeo em que você aparece, nem acreditei quando vi, o do "Nordeste Já" cantando Chega de Mágoa.

http://www.youtube.com/watch?v=-ryDi9X5BbE

E quanto ao seu vizinho que venceu, ele mereceu, mas você tamém merecia! =)

P.S: Ainda não consta na programação do Sesc Pompéia, o show que você fará lá, se realmente houver, farei o possível e o impossível pra te ver cantar ao vivo novamente!

Beijo!
Marcel.

 
At 11:47 PM, Blogger Érika Fares said...

E eu era uma destas pessoas, até este momento, que jurava que havias ganhado este festival, rsrs...
Clareana, foi sem duvida alguma, uma das canções mais marcantes da tua carreira, te dando gde projeção e popularidade.
Um mérito dos festivais (sim, estes tbm tem lá os seus méritos!!) pois as camadas populares tiveram acesso a alguns dos gdes nomes de nossa musica através deles.

 
At 3:03 AM, Blogger Vicky MundoAfora said...

Joyce, uma coisa é certa: nao tem quem nao goste de Clareana. E várias Clareanas foram batizadas depois do festival, com certeza! Quando eu falei numa conversa de bar que Clareana eram suas filhas, Clara e Ana, foi uma decepcao geral! :D

 
At 9:43 AM, Anonymous Sergio Santos said...

Joyce.
A idéia da competição em arte é realmente estapafúrdia. Arte não é esporte, e eu, mesmo tendo me dedicado seriamente a ambos, parece que só fui aprender tardiamente essa lição: já um tanto vetusto me vi enrolado em eventos que qualquer observador mais atento já identificaria como mico certo. Mas eu, competidor nato que sou, lá fui reincidente pagá-lo em rede nacional. Pelo menos me rendeu algumas linhas de sua crônica no jornal, o que na verdade foi o meu prêmio maior.
Mas digo isso porque acho que não há aí só o lado chato da moeda, e confesso que eu tenho uma enorme curiosidade a respeito dos bastidores dos festivais. Pode ser fantasia minha, mas fico imaginando a efervescência criativa e a quantidade de enormes talentos que passaram por ali nessa época, juntando no mesmo evento uma geração privilegiada da qual você faz parte, e que é sem paralelo até hoje. Esse show eu bem queria ter visto. Essa é uma das maiores razões que me fazem querer ter nascido uns 15 anos antes (mas sem ser 15 anos mais velho hoje...)
Beijo grande.
Sérgio

 
At 9:53 PM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Eu também achava que você tinha ganho esse festival. rs
Apesar de não ser nascido nessa época tenho ideia de como foi o sucesso. Até hoje quando eu pergunto se alguém conhece a Joyce a pessoa fala: Ah sim, aquela de Clareana.
Tenho que admitir que em muitos anos eu fui assim também, mas quando descobri a sua obra mais profundamente fiquei doido. rs
Beijos

 
At 10:09 AM, Blogger Dani Monaco said...

Deliciosos relatos!
Jamais imaginei que você tinha dado esse tempo na música!!!
Eu, como uma mãe cheia de sonhos e planos um pouco interrompidos pela demanda dos meus dois pequenos, fico bem aliviada com isso!
Um beijo grande, cheio de admiração.

 
At 9:13 PM, Blogger JoFlavio said...

Joyce.

Já está no site da Uel Fm Londrina (www.uelfm.uel.com.br) a chamada para o Londrina Jazz Club dessa semana, inspirado no CD Slow Music.
Abração.

 
At 8:16 PM, Blogger Kristi_Sundberg said...

Obrigada por esses relatos fascinantes, Joyce.

Nao acho que eu tivesse sobrevivido naquela epoca dos festivais. E se mesmo voce e Jobim recebeu as vaias, eu imaginaria a plateia do tempo muito arbitrario...sei que voce acha essas duas apresentacaos horrivel, mas ainda...vaias?!(mesmo que voce teria bom sucesso com a apresentacao da "Clareana".) Sempre tenho tido medo do palco musical demais; talvez e' porque gosto tanto de ser uma professora so'. Um tem muito mais controle das variaveis, incluindo a plateia. E 'e muito mais facil mudar coisas no meio da corrente: por exemplo, se uma aula parece cansada ou entediado, posso dar uma pausa por cafe, etc. Tambem, se faco uma gagueira ou digo uma palavra errada, pode corrigir imediatamente sem interrupcao ou um senso da falha. De fato, muitos tempos quando fazendo um error, e' bom pra dispersar-se a tensao...quando toda gente na aula comeca rir.

Mas o palco musical nao e' muito clemente, pelo menos do perspectivo do artisto, que, talvez em error, acha que a plateia tambem espera uma apresentacao perfeita, com um qualidade bom de som, sem desafinados instrumentos, sem esquecer as letras ou os acordes, quando em verdade, todo a multidao quer e' sentir emocao, cantar, dancar, ou festejar com voce e a multidao. Veio isso muitos tempos quando assisto "American Idol" e antes os juizes falando, penso,"uma pena...ela tem uma voz linda mas desafinada demais"...mas entao os juizes dao os elogios so. Talvez e' mim que nao tem ouvido musical, mas nunca ouvi essas notas desafinados quando escutando Joyce ou Elis! rsrsrs...Mesmo que isso ainda me confudido, porque gastou muitos anos practicando meu instrumento, tambem me ajuda pra relaxar pra uma apresentacao geral do publico(mas de frente do outros musicos e' uma coisa outra!).

 
At 10:36 PM, Blogger Paul Constantinides said...

Joyce vc esta tao gata, tao anos 70 na foto abaixo com suas filhotas q me da uma baita saudade dos meus 19 anos..kkkk
q beleza!
abs
paul

 
At 8:58 AM, Anonymous Anônimo said...

por falar em festival, fui em alguns no maracanazinho quando nosso querido chacrinha ainda era vivo e parte dos jurados... saudades grandonas de voltar naqueles tempos ao vivo e mesmo com as cores das fotografias já desbotadas e ouvir vcs cantando... outro exemplo que a simplicidade é a coisa mais linda e essencial que existe.
no último festival que fui, lembro de ter torcido para oswaldo montenegro "o condor" mas quem venceu foi a maravilhosa tetê com "escrito nas estrelas" na sua aguçada voz!

 
At 1:22 PM, Blogger rogerio santos said...

Esse festival foi cheio de boas canções... Clareana tem uma doçura que conquista de primeira todos que ouvem a canção...

Foi uma das primeiras vezes que tomei contato com um grande time da MPB... com 13 anos de idade...

A idéia de competição, de fato, é deslocada... mas a TV prestava um bom serviço abrindo espaço para a arte e para a música (música aqui, também arte)

É interessante ler o relato de quem estava lá, acertando e errando.... Imagine a Joyce desafinar ? rs...
Mas esse é um sinal que em seu peito também bate um coração...

Hoje o que vemos é tudo acontecer apontando apenas o interesse financeiro e mercadológico em primeiro plano. Daí os programas voltados a música acabaram, o povão só consome música de baixa qualidade, porque é que se veicula na mídia.

Dá muita saudade dessa época...

Tanto é que a própria Globo tem se utilizado de grandes clássicos da MPB para abertura de suas novelas.
E voltou com um programa voltado ao gênero, o Som Brasil.
Mas ainda é muito pouco.

E o Brasil tem tanto som pra mostrar... não sei de onde os gênios tiraram que a população em geral só pode consumir e gostar de música simplória...

Eu duvido muito que se tivessem acesso a música de qualidade, não optariam por essa música...

Beijos
Rogerio Santos
São Paulo

 

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