o que interessa, e o que não
Toda vez que estou em fase de lançamento de CD, DVD ou qualquer produto audiovisual, a deprê é inevitável. Como é possível que a essa altura dos acontecimentos ainda se me façam as mesmas perguntas e ainda me venham as mesmas antigas propostas? Tanta coisa importante acontecendo no mundo; tantas abordagens possíveis para falar do meu trabalho, que não envolvam diretamente a minha pessoa; tanta coisa, enfim, para ser dita e ouvida e sentida e ligada ao que realmente importa, que é a música em si mesma. E lá estou eu repetindo a mesma dança de 40 anos atrás, apenas com parceiros e parceiras diferentes.
Já é complicado lidar com a posição em que minha profissão me coloca diante do mundo, com o ego balançando ali na frente, sendo afagado ou esculhambado, conforme o gosto do freguês. O ego, esse ladrão insidioso, que pode fazer com que você acredite no que será dito a seu respeito, para o bem e para o mal, e com igual perigo dos dois lados. Não ouvir o que ele diz é um exercício diário. Nem acreditar por demais nos afagos nem se enfurecer com a esculhambação, eis o modelo de equilíbrio, e haja meditação pra isso. A gente bota a cara na vitrine todos os dias, et pour cause.
No entanto, já que estamos em exposição permanente, é de se esperar alguma criatividade, imaginação e entendimento por parte de quem irá conversar conosco. E contudo, isso não muda nunca. Se estou lançando um CD novo fora do Brasil _ perdão por esse acesso de colonialismo cultural _ fico arrepiada quando me dizem que no meio das entrevistas haverá um veículo brasileiro. Pois se com os locais de lá a conversa será basicamente sobre minha música e o novo trabalho, aos conterrâneos muitas vezes terei de explicar quem eu sou, desde o começo, o que faço, por que estou aqui. Foi inesquecível a jovem equipe que veio me fotografar em casa, alguns anos atrás, e no meio da sessão de fotos, a mocinha pediu licença, sacou do celular e ligou para a redação: "o que é que ela fazia mesmo?" (fazia???) Compreendo que ignorem, mas podem procurar no website, na rede, hoje em dia não tem desculpa pra se entrevistar alguém sem saber do que se trata. Já fui estagiária de caderno cultural, eu sei. E no ano de 1967 A.G. (antes do google).
`As vezes, mesmo as pessoas que estão organizando a publicidade do trabalho passam ao largo destas questões e imaginam que tudo vale a pena. Pois olha, nem sempre. Já dizia um amigo meu: quem sabe, sabe; quem não sabe, não precisa saber. Basta ouvir a música, e se bater, valeu.
PS (já no domingo, 7/12) - Depois de ler o meu perfil escrito pelo Ruy Castro para a coleção '50 Anos de Bossa-Nova', da Folha de SP, que saiu exatamente hoje, vou ter de caprichar nas sessões de meditação pra tirar o ego da frente, Como tudo o que ele escreve, é uma maravilha. E um perigo pro objeto do perfil.
13 Comments:
Joyce, esperar o que de um país que nao respeita ninguém? Por acaso achei o Programa da Ana Maria Braga na Globo Internacional. Tinha um inacreditável concurso de velhinhos dancando funk e ela incentivando: "quem mexer mais o bumbum , ganha". Sinceramente, me benzi e desliguei o site. Brazil assim nao dá. Nem com saudade a gente atura uma aberracao destas.
Faço faculdade de jornalismo e quase sempre fico de cara quando vejo o pessoal sem a mínima noção das coisas. Não precisa saber de cor os sonetos do Vinícius, mas tem que ter pelo menos um pouco de discernimento.
Joyce, o amigo é o Rodrix,né?Quem sabe sabe, quem não sabe não precisa saber,heheheh
Oi Joyce!
Adorei o seu dvd, tudo ótimo: banda, músicas, convidados e você, claro.
Foi maravilhoso poder reouvir músicas que há tempos você não gravava. Adorei também a idéia sua de colocar músicas inéditas, além de pegar músicas antigas é sempre bom olhar para o futuro.
É complicado mesmo essa história de alguém fazer uma entrevista e não saber quem ela é. Como você falou estamos na era do Google, isso é inadmissível.
Parabéns pelo seu dvd!
Querida Joyce, eu fui em duas apresentações da temporada na FECAP, no dia do Francis e no dia da gravação. Teria ido todos os dias, mas não estava com grana. Foi um show de assistir com o queixo caído e de arrepios no braço. Não vou ficar usando adjetivos aqui para descrever a minha felicidade de viver esses momentos de música. Ficarão guardados na minha lembrança. E que sortudo! O dvd!!!... Muito bem feito, filmado, conseguiu captar muito bem o show. Pra não dizer que é perfeito, senti falta de "Valeu", "Galã tantã" (especialmente) e a inédita com Francis (sobre a constatação de que o cérebro do músico é mesmo diferente do dos outros, é isso?).
Você devia fazer uma temporada dessa aqui em Sampa pelo menos uma vez por ano e lançar o dvd depois... rs
Volte pra Sampa!
beijos
Gabriel Medeiros
antigamente tinha o 'press release' pra neguinho num sair 'dando bola fora'...rs
hoje tem a 'net' pros 'focas' consultarem antes de se preparar a pauta,não é verdade?
e nessas entrevistas com a mídia convencional,nunca se enfatiza o trabalho e sim o suposto 'glamour' que envolve o artista...nada contra,mesmo porque o artista precisa vender seu 'peixe' pra continuar criando.
abraçsonoros
namaste
Joyce querida.
Pelo lado que toca ao artista, acho que uma das nossas tarefas mais difíceis é manter o foco naquilo que interessa, a música, e consequentemente construir uma relação saudável com ela e com nós mesmos. Como você colocou brilhantemente, as armadilhas para o ego estão em cada esquina, e tem muita gente que não resiste à tentação: vira cada vez mais um personagem e menos uma pessoa. Pelo lado da mídia, é revoltante o grau de incompetência a que isso chegou. Os jornalistas e críticos falam a cada dia menos do que interessa, pelo simples fato de que eles entendem cada dia menos de música. Se retirássemos deles os releases das assessorias de imprensa e as miudezas da vida pessoal dos artistas, eles literalmente não saberiam do que falar. Daí fica um lado dessa história alimentando o outro, um círculo vicioso confortável para ambos os lados, e assim seguimos.
Beijos e saudades.
Sérgio
Darling! Dia desses, não sei mais onde, a Salmaso contou algo parecido. Uma jornalista dessas revistas "da hora" (lêia-se da hora inútil)estava na casa dela atrás de algum babado pra incrementar aquela entrevistas que ela tava fazendo com a...., com a...., com a..... Daí a Mônica disse: olha, fim. não vais encontrar aqui o que procuras. eu não sou matéria pra tua revista.OK!
mudando, mas no mesmo tema:
tô fazendo "pilates" (meio fashion, eu sei, mas levando a sério é uma maravilha. Minha coluna agradece e minha filha de 1.3 anos também, por um pai que consegue ter a flexibilidade que ela requer dele nas estrepolias, e que os 44 ja estavam me roubando sem autorização) aulas para o máximo dois alunos, temos o privilégio então de levar cds para ouvirmos nas aulas, uma semana pra cada um de nós. Levo você. O parceiro de aula leva Amy (gosto também, porém deveria se chamar westinghouse, pois haja roupa suja..), falamos pouco durante a sessão, concentração total mas ele comentou: legal esse som, quem é ela? Eu disse, olha vai escutando , ela é brasileira,mas com essa intimidade de estar em sessão de pilates as 8 da manhã, só mesmo no Japão e aqui comigo.Mas a mestra sabia, menina de seus 25 anos, disse: Eu sei quem é, é a Clareana, não é???!!! (mas já e alguma coisa!!!...melhor mesmo é dar risada, a mente quieta e o coração tranquilo e tua música tocando).
Pergutem à minha filha de 13, o meu filho de 17 e o meu outro filho de 19 anos quem é a Joyce e o que ela (en)canta?
Não perguntem à jornalistas, entrevistadores de (falso)reality show, ou quem não conhece verdadeira arte! Música mexe à sensibilidade e nada tem a ver com superficialismo!
Então perguntem aos meus filhos quem é a Joyce, o Chico, Caymmi, Donato..........Com certeza responderão c/ canção!
oi Joyce, na onda do texto do Ruy Castro no CD da Folha, eu procurei e achei seu blog; muito bom! Ótimos textos, não da p parar de ler.
Triste são aqueles que desconhecem o som que toca no meu mp3...
Música brasileira de muita sensibilidade... que toca meu coração, sufoca minha garganta, que me faz chorar no ônibus, na solidão que meu fone de ouvido me proporciona...
Sua música faz parte desse meu cotidiano... adoro os arranjos, os músicos, as parcerias, sinto o clima de criação, sinto o cuidado natural e intuitivo com o som... tudo isso me emociona...
Isso sim me interessa!!! Muito me interessa!!!
Amo o som, sua música, amocê!!!
Lembrei de uma, Joyce, o desinformado foi entrevistar o Skank e já chegou logo perguntando "Vamos apresentar, você quem é?" e Samuel Rosa " Dedé". E os outros integrantes do Skank foram falando " Didi, Dodó, Dudu" algo assim. E o rapaz ficou com uma cara de bobo muito boa.Em um programa de tv na minha cidade.
Adoro sua música, abraços.
a gente tem que ver o lado bom disto, mostra que ninguém é unanimidade, afinal o anjo pornográfico nelson rodrigues já disse a muito tempo que toda unanimidade é burra.
além do que as unanimidades sempre deixam de ser artistas pra se tornarem celebridades, e quando se tornam celebridades a primeira coisa que vai embora é o comprometimento com a própria arte e umas das primeiras que chegam são as exigências esdrúxulas em turnês.
ainda bem que o chico escapou desta ileso.
e você certamente escaparia.
beijos
Delícia de blog, sempre um assunto que puxa outro. Você deve ser um ótimo papo!
Pois é, esta eu soube por fontes primárias, não sei se é lenda urbana, mas me foi contada por fotógrafo do JB. Uma estudante ao entrevistar Drummond teria dito: mas, porque o senhor faz poemas sobre Minas se é gaúcho?
-Querida, eu sou mineiro de Itabira!
- Mas naquele poema o senhor diz " ser gaúcho na vida" ?
Fecha o pano.
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