velhos amigos
Fiz a minha boa ação de Natal na semana passada: promovi o reencontro de dois amigos que não se viam há mais de quarenta anos. Quem acompanha o blog talvez tenha visto meu irmão Newton em alguns posts anteriores. Roberto Menescal, claro, todo o mundo conhece. Pois bem. Minha existencia como músico deve muito aos dois, e pra quem não sabe, vou repetir a história, que já contei muitas vezes em entrevistas e que tais.
Nasci temporã, de um relacionamento de minha mãe _ já então separada do primeiro marido, e com dois filhos na bagagem _ que não foi adiante. Filha de mãe "solteira', portanto (em inglês fica melhor: single parent), algo meio escandaloso para a época. Lá em casa éramos ela, eu e meus dois irmãos, já adolescentes. Newton, o do meio, é 13 anos mais velho que eu. E logo que eu nasci, coincidencia ou não, começou a tocar violão. Portanto, o violão entrou lá em casa junto comigo.
Ele aprendeu pelo velho método Bandeirante, que era o que havia naquele tempo (estou falando dos anos 50). Seu colega de Colégio Santo Inácio, Beto, ficara impressionado com aquilo: ele estudava acordeon, como 10 entre 10 infantes da época, na famigerada academia Mário Mascarenhas, e o violão do meu irmão, já tocando Garoto, Noel e outros autores, passou-lhe uma impressão bem melhor do que as valsas e rancheiras que o forçavam a tocar nas apresentações da academia. E eis que o Beto resolveu estudar violão também.
Pois bem, Beto virou Roberto Menescal e foi em frente com sua gloriosa carreira de músico. Newton, que pretendia casar cedo (e casou), achava aquela vida meio alternativa e arriscada demais, portanto formou-se em direito, fez carreira no Banco do Brasil, e a música virou um hobby em sua vida. Os dois foram felizes e se deram bem no que queriam, cada um ao seu modo.
Eu ficava olhando e sonhando com aquilo, ouvindo as músicas que os dois tocavam em casa, ao lado de outros músicos amigos, que mais tarde ficariam famosos quando explodisse a bossa-nova. Ninguém me dava muita bola, eu era apenas uma pirralha que de vez em quando soltava uma opinião, quase sempre mal-recebida. Até que, aos 14 anos, comecei a pegar escondido o violão do meu irmão, e de tanto ver e ouvir o que ele fazia, aprendi a tocar também.
A descoberta de minhas primeiras gravações caseiras e a posterior cena em que Newton mostrava a Menescal a novidade da irmãzinha menor ficou na (minha) história. Mas daí pra frente, o amigo de meu irmão virou meu amigo também, e muitos trabalhos bacanas rolaram nos últimos anos, inclusive a nossa recente parceria. Eles é que nunca mais tinham se visto, cada um seguindo um rumo diferente. Mas depois de tanto tempo, ultimamente, sem que nada tivesse sido combinado, a toda hora um dos dois me pedia para arrumar um encontro.
O que foi finalmente resolvido com um almoço aqui em casa. Abriu-se um vinho, os assuntos foram postos em dia, e eu devo dizer que adorei tudo. Menescal chegou a lembrar, na íntegra, de um poema escrito por Newton na pré-adolescencia, do qual o autor não tinha a mais vaga lembrança, e que dizia assim:
"O futebol é o tipo do esporte
que não depende da sorte
mas sim dos seus jogadores
que querem mostrar os seus valores.
Quando no meio da partida
o jogador dá uma furada
é vaiado pela torcida
que diz: esse não dá pra nada!"
(Espero que o jovem poeta não se encabule com isso...)
Mas a alegria dos dois foi o melhor presente deste Natal pra mim. Revendo amigos, total!
3 Comments:
A música na maioria da vezes aproxima - e reaproxima - as pessoas. É o caso do post aqui colocado por você. Há um folclore de que por causa de Bye Bye Brasil o Beto (Menescal) e o Chico (Buarque) se estranharam. Outra "lenda" diz respeito ao compositor norte-americano que eu mais gosto, Richard Rodgers. Ele teria afanado o letrista cativo do grande Jerome Kern, Oscar Hammerstein II - para fazer o musical Oklahoma na Broadway -, o que causou ciume de Kern. Rodgers foi obrigado a confessar ao vivo que Kern era a sua maior influência como compositor. Aí as coisas se acalmaram. Só que com a morte de Kern e do parceiro do próprio Rodgers, Lorenz Hart, os dois voltaram a trabalhar juntos. E entre outras obra primas fizeram The Sound Of Music (Noviça Rebelde). Mas, normalmente, a música é um agente super conciliador.
Sim ,parte dessa história já foi contada aqui, mas ela não cansa nunca.Bem legal. Td de bom a tds.
Cris
Linda, lindíssima história. Faltou falar mais claramente de "Nara", canção lindíssima, da qual pouco se fala e pouco se canta. Eu vi, na Albatroz, a Leila Pinheiro chorar diante de tanta beleza ao ouvi-la. E tenho comigo o orgulho de ter escrito um tímido arranjo de cordas para a única (será?) gravação dessa maravilha.
"Oh, Nara, mil sambas, mil poetas te bendizem
E ecoam de ipanema às margens plácidas iluminando o céu da guanabara"
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