sexta-feira, fevereiro 04, 2011

polêmica, antiamericanismo e otras cositas más

Detesto polêmica. E eis que esta semana fui jogada bem no centro de uma, e das brabas. Portanto, paciência, pessoal, que hoje o post vai ser longo...

Domingo passado, em sua coluna no jornal O Globo, o querido Caetano Veloso, depois de falar lindamente sobre minha pessoa e minha música (o que muito me alegrou), reproduziu o comentário que enviei para o forum do Estadão, sobre a retirada do logo do Creative Commons do site do MinC (não fui a única: outros compositores têm se manifestado sobre isso, como Aldir Blanc, Carlos Lyra, Hermínio Bello de Carvalho, Antonio Adolfo e muitos outros). Caetano mesmo diz que ainda se sente em dúvida quanto a essa questão, mas menciona um “antiamericanismo perceptível” na minha mensagem. Vamos começar por esclarecer este ponto.

No texto que enviei para o forum, digo que não entendo por que “uma licença norte-americana, privada, patrocinada, entre outros, pelo Google” foi parar num site governamental brasileiro.

(vale dizer que este patrocínio, ou doação, do Google para o CC também deu pano para mangas na coluna de hoje de Hermano Vianna, no mesmo espaço - sim, os articulistas da página 2 do Globo conversam entre si o tempo todo. Ele contesta os números que citei, cita outros e deve estar certo, pois é um ardoroso defensor do Creative Commons e deve dispor de informações internas, bem mais quentes. As minhas são informações de internet, território pouco confiável, e que também andam na boca de alguns compositores indignados. Portanto, desde já, minhas desculpas pelo que deve ter sido uma grande desinformação minha. E voltemos ao meu suposto antiamericanismo)

Talvez eu devesse ter dito “uma licença estrangeira, privada, etc”, para que as coisas ficassem mais claras e este suposto antiamericanismo, que não procede (no meu caso, pelo menos) não ficasse assim no ar. Escrevi neste dia mesmo um email pessoal para Caetano, um dos compositores que mais admiro e pessoa mui querida, esclarecendo (ou tentando esclarecer) esta questão. E o que eu disse a ele foi mais ou menos o seguinte:

“Como posso ser antiamericana? E o Coltrane? e o Miles? e a June Christy, minha cantora de cabeceira? e todos os escritores, cineastas, artistas que a gente aprendeu a amar durante todos esses anos? E Nova York, minha cidade do coração? E o Obama, por quem torcemos descaradamente na eleição passada? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O Creative Commons poderia ser norueguês, estoniano, indiano ou de qualquer outro país ciberesperto. Ainda assim, sendo estrangeiro, privado e patrocinado por empresas gigantescas que têm o maior interesse em não pagar por conteúdo, não vejo porque ele teria de estar num site governamental brasileiro, principalmente no do Ministério da Cultura. É isso, e tão-somente isso. Até minha sociedade autoral americana, a BMI, acha a mesma coisa que eu.”

O que eu quis deixar claro foi minha preocupação – e que tenho visto em toda a nossa classe de compositores, de modo geral – com a sobrevivência da nossa profissão. Pois hoje - e o Creative Commons representa apenas uma pontinha do que pode ser um grande iceberg - há cada vez mais gente que acha que direito autoral não precisa ou não deve ser pago, como se não fosse fruto de um trabalho. Como já disse aqui nosso Sérgio Santos, imaginem o nosso Dorival Caymmi, que, com aquela obra toda, viveu sempre modestamente, como pessoa de classe média. Dá pra imaginá-lo com 95 anos (idade em que nos deixou), dependendo de fazer shows para sobreviver? A obra maravilhosa dele não teria valido nada? É esse o futuro que aguarda a maior parte dos autores brasileiros?

Há poucos dias, minha amiga Olivia Hime, recém-chegada do Midem, me contava das conversas que teve com diversas pessoas de outros países sobre essa nebulosa e complexa situação. E havia um consenso de que não houve avanço significativo na questão do direito autoral. Uma pessoa chegou a dizer a ela que essa 'nuvem' perigava se tornar um cumulus nimbus, prestes a virar uma tormenta. O problema não é só do Brasil.

Caetano, ao responder ao meu email, citou certas “modificações de internet” que agora acontecem, como a do forró “Minha Mulher Não Deixa Não’, que periga ser o grande hit do carnaval baiano de 2011, depois de recriado pelo grupo Psirico. Essas modificações digitais em nada comprometem a autoria, na minha opinião. O refrão da 'minha mulher não deixa não' é que é a graça da música, é o que faz o fenômeno - o resto, pra mim, é arranjo. Os DJs, que desde os anos 90 até hoje modificam a minha música pelas pistas de vários pontos do planeta, eu entendo como arranjadores eletrônicos, em última análise, jamais como co-autores das músicas junto comigo. Assim também Caetano, quando tem uma canção sua recriada por João Gilberto ou Dori Caymmi, não está ganhando parceiros na autoria. Eles são arranjadores a seu modo, recriadores de uma beleza que já existia, e que eles estão enriquecendo com outro ponto de vista harmônico, mudando as divisões, conforme a linguagem de cada um. Mal comparando, é mais ou menos a mesma coisa. Pelo menos, essa é a minha visão.

No mais… antiamericano é Osama Bin Laden - não eu ou qualquer outra pessoa que se oponha a certos mecanismos de compartilhamento de direitos alheios. Capital não tem pátria, e aliás o Creative Commons, que engraçado, parece mais um ‘socialismo’ patrocinado pelo grande capital. Coisas do século XXI, que mal começou e já nos deixa tão confusos com seu museu de velhas novidades.

7 Comments:

At 4:39 PM, Blogger Marcel said...

Amém ao Bom Senso!

Sinceramente, chega ser ridículo
falar que o direito autoral não deveria ser cobrado.

É a mesma coisa que dizer:

- Ok, vou ali na marcenaria, e o cara faz uma cadeira pra mim, e eu não pago.

Ou senão, ir a padaria e não pagar pelo pão!

Compositor é trabalhador como qualquer outro, paga contas, fica doente, não é estrela coisa nenhuma. Apesar que ainda existem pessoas que acreditam que gente que trabalha com arte nada no dinheiro.. tolinhos... Temos o mesmo problema que o resto dessa sociedade capitalista possui, e sobretudo queremos nossos direitos assegurados.

E como você mesmo diz, Eu e tantas outras centenas de pessoas que tocam suas músicas, ou fazem qualquer outro tipo de coisa com elas não é um co-autor.

Eu procuro tentar transmitir sua magia por meio dos meus dedos, e supomos que um dia eu precise gravar uma canção? Eu não pagaria por esse direito? Absurdo, até mesmo você que já regravou lindas canções de outros compositores, também não pagou os direitos autorais? Não é o correto a se fazer?

Esse pessoal ai tá viajando legal!

Eu sou capaz de dar um braço pelo direito autoral do Compositor, tem que pagar sim, e ponto final!

Estamos com você nessa Joyce!

Um Beijo!
Marcel.

 
At 2:34 AM, Blogger pituco said...

joyce,

passei aqui ontem...já tarde, pra ler e comentar...daí então, pensei...mas, comentar o quê???...tá tudo explicadinho aqui, desde outros posts sobre a mesma questão...

e como disse bem o marcel, compositor é trabalhador como outro qualquer...

essa 'merrequinha'...que é isso mesmo que se pagam pros autores (na proporção do que se recolhe)...essa 'merrequinha' garante alguma dignidade, pra que o artista continue a contribuir de sua maneira com a sociedade...e sobreviver...

agora, ao contrário de você, o caetano curte uma polêmica...não é verdade???
antiamericana???...logo você, que tanto toca naquelas plagas...e certamente admira o senso profissional dos caras por lá...o caetano sempre viaja...assim, como essa gente que não sabe o que diz...

tá precisando de uma música, tá não???

afora isso, assisti outro dia um vídeo bacanudo da elizete cardoso(de quem sou fã desde os 12 aninhos, quando aprendia violão...quer dizer, a professora era fã...rs)...e lá estava a divina cantanto divinamente uma canção tua...não conhecia...'faxineira das canções'...coisa linda...depois de tantos anos da gravação, assistindo, fiquei super emocionado...parabéns...e saravá, elizete cardoso

dessa vez escrevi demais...sumimassen

abraçsonoros e saudosos

 
At 10:27 AM, Anonymous Sergio Santos said...

Querida Joyce, creio que essa questão vai ainda gerar muita polêmica, e que ela ainda está apenas no início, refletindo a questão de que houve uma mudança de visão no poder a respeito da questão autoral. As primeiras (e felizes) declarações da Ana já previam esse embate. É muito fácil surgirem inúmeras falsas polêmicas nesse momento, como o antiamericanismo levantado pelo Caetano. E os que se tomaram de paixão pelo Creative Commons irão levantar outras, como a perda da liberdade para obras derivadas, restrição à colaboração digital, etc. Mas o problema central, difícil de equacionar, é tentar enxergar a utilização da obra no mundo digital sob o prisma da proteção aos direitos de quem cria, e não apenas de quem consome. E isso é uma briga que a nossa ministra me parece ter resolvido comprar. E temos que estar ao lado dela, mesmo que o Caetano nos ache antiamericanos.

 
At 11:34 AM, Blogger joyce said...

Ele não acha não. Ou já entendeu melhor. Já nos entendemos... ou não...

 
At 5:23 PM, Anonymous Renato said...

Joyce, sinceramente, não entendi ainda qual é o problema com Creative Commons.

Se bem entendo, quem licencia a obra é o autor. Então, quem quiser flexibilizar as regras, que faça. Quem não quiser, não faça.

Se você quer resgaurdar seus direitos, ok.
Niguém está forçando ninguém a obter uma licença flexível.

Como isso pode ameaçar o autor?

Mas para aqueles que querem abrir, o CC é uma ferramenta jurídica pronta e acessível.

Devo ter perdido algum capítulo, porque realmente, não entendi.

 
At 8:58 PM, Blogger joyce said...

Renato, acho que você perdeu algum capítulo, sim. Há uma luta de anos das grandes corporações mundiais no sentido de não se pagar mais por conteúdo. Aqui no Brasil a coisa estava ficando semi-oficial - existia inclusive uma proposta do MinC (do governo passado), que quase aconteceu, no sentido de mexer na lei do direito autoral de forma muito séria. O que o CC tem a ver com isso, acho que está bem explicado nos 2 posts acima, principalmente (e melhor) no do Renato Pacca.

 
At 10:44 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Tão antiamericano como cantar HAVANA-ME.

 

Postar um comentário

<< Home