meus discos, meus livros
Nossa coleção de vinis é preciosa. Para nós, pelo menos. Temos coisas que guardamos desde a adolescencia, LPs de jazz, bossa-nova (principalmente), música latinoamericana, européia, clássicos, alguns inclusive bastante raros. Sabemos que existe por aí um mercado onde alguns desses exemplares valem muito dinheiro. Ainda assim, continuamos guardando, sentimentalmente, esses discos que nos fizeram a cabeça, e cujo som é tão mais quente e mais vivo do que os CDs das mesmas gravações que temos aqui em casa. São para nós itens insubstituíveis, entre os nossos modestos bens culturais.
O cara veio aqui em casa vender umas roupas. Por que deixá-lo entrar? Porque ele já me vendera algumas coisas trazidas da França há muitos anos atrás, num tempo em que eu ainda viajava pouco e as importações no Brasil eram bastante raras. Estou falando dos jurássicos anos 80. Além do mais, ele voltara recomendado por uma grande amiga minha, também cantora, a quem ele vendera algumas coisas bacanas. Eu estava de bobeira em casa com minha filha mais nova, e ela também se interessou. OK, então vamos ver o que o fulano trouxe.
Ele tinha duas enormes sacolas cheias de roupas, despejou tudo na sala e fomos vendo o que nos interessava - não era tanta coisa assim, mas não quisemos fazê-lo perder a viagem e fomos lá dentro experimentar o que ele nos oferecia. Ele ficou na sala, admirando nossa coleção de vinis.
"Ainda existem discos desses?" perguntou ele. Sim, claro, respondemos, tem até gente que compra, e quanto mais difíceis de encontrar, mais caros.
Santa ingenuidade. Dias depois, procurando um LP que queria ouvir, Tutty deu por falta de vários, justamente alguns dos mais raros da coleção. Quem foi, quem não foi, a imagem das sacolas no chão e a lembrança da pergunta aparentemente desinteressada do nosso visitante me esclareceu logo o que tinha acontecido. Mas para não julgar mal um inocente, liguei para a amiga que o havia indicado. "Você conhece bem esse cara?" - perguntei. E ela: "mais ou menos... ele é conhecido do meu irmão, lá do Clube dos Colecionadores de Vinil".
Bingo!
Conseguimos o endereço da figura e Tutty foi até lá, acompanhado de um de nossos genros (eu não sabia o que ele iria encontrar, e achamos legal que houvesse uma testemunha). Tocaram a campainha, o cidadão abriu, e as paredes forradas de LPs na sala não deixavam dúvida, era ele mesmo. Depois de algumas explicações preliminares (e negativas veementes), Tutty encontrou o que procurava. O cara ainda insistia em dizer que era tudo dele, mas os LPs, já prontos, catalogados e encapados em plástico, traziam a inequívoca anotação, feita à mão pelo dono, então adolescente: "Tutty Moreno 1965". Faltavam dois, que ele já revendera ou coisa pior. O espertinho pediu 24 horas para mandar devolvê-los em nossa casa, e foi realmente o que aconteceu, embora um deles tenha voltado sem a inscrição. Ele certamente teve de conseguir um equivalente em algum lugar, pois o nosso exemplar já deveria estar longe àquela altura, no Japão ou em Londres.
Nossas filhas, indignadas, achavam que deveríamos suspender o cheque pré-datado que fora dado como parte do pagamento pelas roupas. Tutty se recusou: "ele é desonesto, mas nós não somos". O cheque foi devidamente honrado. E as roupitchas, dadas para caridade.
Nossos vinis continuam aqui, mas, hoje em dia, fora de acesso a qualquer visitante. Essa foi a única moral da história, pois em princípio, continuaremos confiando nas boas intenções do ser humano.
PS- esta história aconteceu já tem uns seis ou sete anos...
16 Comments:
Bah Joyce , que coisa, eu tenho muitos vinis aqui (alguns teus, mas não ai de sua coleção viu? digo discos gravados por vc (rs))Já me roubaram uma casa no mato que tenho , um sitio e me levaram muitos, muitos cds, eu corri pra estante de vinil pra ver se faltava algum, ainda bem que o ladrão erra bem burrinho e deixou os vinis intactos.
Realmente o ser humano tende a decepcionar , ou eu que ando muito amargo? bjos do seu maior fã no Rio Grande do Sul
Cara Joyce,
Mas que sujeitinho cafajeste esse!!!!
Ainda bem que tudo deu certo e que vocês conseguiram recuperar as suas preciosidades "vinílicas" (essa palavra existe?!?!).
Confesso que me adaptei muito bem ao formato do cd - sou um entusiasta desse formato que, ao que parece e infelizmente, está com os dias contados.
Acho que com um bom aparelho de som até os graves do cd rivalizam com o som dos melhores vinis (mas os meus são ouvidos de leigo, sem a argúcia e a capacidade perceptiva de vocês músicos).
Um fraterno abraço!
Isso é caso de polícia. Acho que não seria o caso de vc dizer (aqui) o nome do gatuno, até pela segurança de vcs, mas deixaste boas dicas (vendedor de roupas...).
Mas... cadeia nele, isso é roubo. Ladrão e ponto.
joyce,
a ocasião faz o ladrão...é isso aí...esse camarada precisava ir preso(pelo menos pagar pelo ato ilícito de furto)...
vinis...pôxa, eu possuia uma coleção invejável(não pra comercializar, pois sou péssimo nesse ramo)...pra ouvir mesmo, num stéreo que comprei com muito trabalho...discos novos, sebos, trocas...enfim
mas,depois que mudei-me pra cá,fui obrigado a me desfazer do acervo todo...sobraram minha coleções completas (inclusive compactos) e originais da elis regina e milton nascimento...alguns outros do weill e independentes(benê fontelles).
bom,
apesar de sobreviver de música, gosto de ouvir música...rs...compreendo a qualidade sonora que o músico tira do instrumento durante o registro análogo e a agulha no sulco do vinil reproduz...no digital,ouve-se tudo meio parecido...hehehe...mas, agradeço as facilidades do mp3 e afins que ampliam minha audição, enquanto ouvinte.
abraçsons pacíficos e que o rio continue lindo, apesar desse momento violento
Eu sou da geração CD, mas coleciono vinil com a mesma empolgação do meu pai, geração LP. E morro de medo de passar por uma situação desse tipo com os meus vinis... lembro bem quando meus pais separaram-se e os vinis pertenciam ao meu pai. É estranho, mas foi mais dolorosa a minha separação com os vinis, porque meu pai certamente continuaria por perto, já os 'meus' queridos LP´s não. Eu fiz tanta chantagem emocional que acabei ficando com muitos deles, alguns seus, inclusive. Hoje eu já consegui comprar os que ficaram com meu pai e muitos outro... e não deixo ninguém tocá-los!
Agora eu mudei de cidade para estudar e não pude traze-los comigo, sinto muita falta e preocupação do que a minha mãe pode fazer com eles. Acho que rola um ciúme da parte dela. hahaha
Me empolguei e falei de mais... É que eu adoro falar sobre vinil!
PS: vi na foto o seu "Chega de Saudade". Eu procurei muito a primeira prensagem... acabei me contentando com uma segunda edição (coisa de viciado nos raros).
Essa doeu... já aconteceu comigo, mas me roubaram CD's (menos mal, não é?). Mesmo assim, senti que haviam mexido na minha história, eram cds que eu guardava desde a adolescência, tudo bem cuidado e amado... virei bicho em casa, e já não podia fazer nada: a autora do crime foi uma conhecida da minha tia, que viajou logo depois de aprontar essa. Mas o que me deixou com mais raiva foi o comentário da minha tia: "Nunca imaginei que a Fulana faria isso, mas ainda bem que não levou nada de valor..." Eu sabia o valor que eles tinham, e pelo visto a ladra também...
J.
Só espero que o "amigo do alheio" - belo eufemismo, não? - tenha preservado os discos do Mancini. :O)
Puxa! Também eu tenho preciosidades aqui em casa. Meu tesouro, com algum valor monetário e infinito valor sentimental. Cada um deles datado e assinado no dia da compra, cada um deles sem quase arranhões, pois eram tocados com ponta dos dedos ou flanela, cada um deles uma lembrança das tardes, madrugadas,noites em frente ao 3x1 National (final de adolescência dos anos oitenta, meus vinte anos) com o salário dos estágios de faculdade totalmente revertidos em compra de lps que me levavam a viagens que só o som nos pode levar e aproveitar tudo o que é bom. Morador aqui do sul da ilha Brasil, poucos de meus discos tive o privilégio de levá-los aos shows de meus cantores para demonstrar minha admiração e pedir o autógrafo. Estranhamente esse time que eu gosto muito (os favoritos mesmo, entre eles você) só veio aparecer aqui depois dos meus trinta e tantos anos, já pelos anos dois mil... Então levava aqueles lps todos para o meu “idalo” ver que mesmo a distância eu apreciava sua arte, que o Brasil insistia em não divulgar nas rádios, tvs, shows. e Foi assim com a Fátima Guedes (levei os 10 ou mais que tinha) Ela ficou encantada, pois um deles era uma edição limitada da gravadora e que fora distribuído apenas para imprensa “como você conseguiu isso?” Os músicos que a acompanhavam me disseram do valor que aquele material tinha atualmente. Olhei pra minha mulher (que as vezes reclamava do espaço que eles ocupavam) e disse: Viu? Valem mais do que o teu armário onde estão guardados! E foi assim também com você, na UFRG, há uns anos atrás, pela primeira vez, Joyce a minha frente. Você em plena era do CD, do Gafieira, autografou PAZ e MÚSICA no meu preferidíssimo vinil Tardes Cariocas.
Nem vou comentar o epispodio desse roubo, apenas quis falar do carinho que temos por esses bolachões, como maneira de mostrar que sei exatamente o que vocês sentiram. Parabéns Tutty! Eta cabra macho! (mas um genro a tiracolo sempre ajuda, hehehe)!
E muito legal saber que compartilhamos o mesmo sentimento, em episódios como suspender ou não o cheque do ladrão, “Não, Nós não somos!” E apesar do mundo ás vezes parecer exigir essas posturas incorretas e outras mazelas da gente, até como forma de luta e sobrevivência na selva, ainda sim preferimos dizer: “Não! Nós não somos! Nós não vamos! Nós não Queremos ser isso!”
que situação horrível.
podem levar tudo, mas deixem meus discos e livros em paz, nenhum bem material me é mais precioso.
os lps, com suas capas, encartes, etc, contam uma história extramusical daquilo que está gravado. não consegui me desfazer de nenhum deles, mesmo tendo comprado os cds equivalentes (a indústria ao fazer a transição do lp para o cd se esqueceu deste detalhe).
só tem acesso a eles poucas pessoas de confiança, que tem o mesmo amor pela música que eu, e respeito pelo alheio.
se algo assim acontecesse comigo eu nem sei o que faria.
beijos
p.s.adoraria conhecer a sua coleção e saber o que fez a sua cabeça musicalmente, devem existir maravilhas para nossos ouvidos cansados de tanta porcaria sonora.
Quando leio os comnets do pessoal, maioria frequentadores assíduos como eu, vejo alguns dizerem "ops! falei demais!" só porque escreveram mais que 5 linhas! Será que eu falho na etiqueta da internet? A famosa "etiquetenet"? Sorry! Sempre terei muito a falar ou nada a falar!
alo joyce.
tbm coleciono vinis.
belas recordazoes.
esta historia sua, q bom q os recuperou...outra coisa, bela atitude em nao retribuir uma atitude desonesta com outra...eh isso ai!
aqui, eu encontrei uns anos atras umas molduras especiais para Lps, cabe o disco a capa tudo dentro, como um estojo e fica bonito na parede...tenho 04 Lps dos Beatles na parede acima ao "aparelho de som"..
eh isto ai
abs
bjs
e tenha uma bela semana
paul
ah..ps: com inveja do pituco sam q viu o show de vcs em tokyo...
tem q baixar por estas bandas floridianas...
rsrs que delícia!
ah, eu tenho uma veia saudosista - mesmo de um tempo q não vivi, ao menos, fisicamente (?) - e um gosto muito afim por essa coisa de LP; acho um charme!
daqueles desejos de, ao ter, enfim, a tão almejada 'casa do campo', poder plantá-los ao lado de livros, amigos e nada mais... :)
beijo
esse picareta merecia levar uma vitrolada na cabeça!
Também guardo com carinho alguns vinis que não encontro equivalente em CD. Incluindo um tal "Saudade do Futuro" que nunca vi em CD (Nem japonês) e um tal de "Tardes cariocas" que os ingleses fizeram o favor de editar em CD faltando uma faixa...
Joyce,
Esse cara é um grandissíssimo de um picareta, isso sim. Merecia era pegar uma "cana".
Vinil não é um objeto qualquer e o valor que um disco tem, não pode ser contabilizado. Ainda mais por quem não o comprou, nem o ganhou.
Ainda bem que teve um final feliz, e um safado com cara de tacho.
Também tenho meus vinis aqui em casa, recuerdos de um tempo onde as FMs e AMs ainda tocavam música boa. Ajudavam a divulgar os bons e ótimos trabalhos de Música Brasileira, e certamente o faziam sem cobrar por isso.
Ao menos, se havia algum "jabá", não era ainda uma instituição.
Eu comecei a gostar de música brasileira lá pela adolescência e fui conhecendo muita coisa através de pesquisas com amigos, lojas de disco, sebos.
O bom dessa fase, foi aprender a garimpar música a construir minha própria estética, independentemente da mídia.
Hoje, para os jovens, isso é muito difícil de acontecer.
Raras exceções, como os SESCs, que são oásis de cultura a preços populares.
Uma vez, num show, ouvi o Lenine dizer: "Drogas e Rock and Roll, dá pra passar sem... mas SESCs, são fundamentais..."...rs
(foi no SESC Santo André)
Voltando ao Vinil, até por ser um durango, minha coleção não passa de uns 100 títulos.
Mas é a coisa mais gostosa do mundo reunir os amigos, cada um trazendo uns 2 ou 3 vinis... passar uma tarde/noite de sábado, cozinhando, bebericando e ouvindo discos.
Se for uma feijoada, melhor ainda.
Mas os CDs, o MP3, a música em todos os formatos, são combustíveis para uma vida feliz.
Beijos
Rogerio
Te entendo.
Minha mulher resolveu mandar pintar nossa casa.
Tudo bem, concordei, mas não a minha sala de som, onde tenho também uma coleção como a tua.
Enquanto tiverem estranhos pintando, quando saio fecho a porta,.
Pode ser maluquice, mas prefiro pensar isto a ficar sem os vinís.
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