cidade mutante
Acho que nenhuma cidade do planeta tem sido tão mutante quanto a nossa. Se pensarmos que a foto acima é da virada do século 19 para o 20, no tempo em que as tias baianas chegavam com seus balangandans e seus costumes, quando o terreiro de Tia Ciata se tornava o berço do samba... É inacreditável. Foi outro dia mesmo! Cem anos para uma cidade é muito pouco.
Também é inacreditável imaginar que esta era a paisagem da Lagoa Rodrigo de Freitas, na altura da Catacumba, há menos de 50 anos atrás. As casas ficavam plantadas à beira d'água, quase não havia prédios e as águas eram limpas. Em compensação, vejam abaixo as favelas da Catacumba (hoje reflorestada) e da Praia do Pinto (onde atualmente fica o condomínio conhecido como Selva de Pedra). Estas foram erradicadas a tempo, salvando as áreas do Leblon e da Fonte da Saudade de se tornarem uma imensa Rocinha (que no final dos anos 60 tinha em torno de 30 barracos, e hoje é a maior favela da América Latina).
Já a próxima foto (abaixo) mostra uma Ipanema do tempo em que minha avó dispensou a compra de uma casa no Jardim de Alá, por achar que aquele areal não iria dar em nada. Anos depois minha mãe foi morar lá com meus irmãos ainda pequenos, antes do meu nascimento (quando nasci, nossa família já havia se mudado para o Posto Seis, na divisa entre Copacabana e Ipanema).
É uma cidade mutante e movente, sem dúvida. Algumas mudanças vi com meus próprios olhos, como a favelização acelerada, o crescimento absurdo da Barra (com o descumprimento do Plano Lúcio Costa), a criação do belo Aterro do Flamengo, a decadência da outrora aprazível Zona Norte, a copacabanização de Ipanema e a transformação de Copacabana numa imensa Madureira-sur-mer... Tudo isso foi acontecendo em rapidez vertiginosa, e nós cariocas tivemos que ir nos acostumando, assim como nossos pais e avós tiveram que entender as mudanças feitas pelo prefeito Pereira Passos em sua época, como a destruição do Morro do Castelo para que se abrisse a futura avenida Rio Branco.
Sabemos que muitas outras mudanças virão, principalmente agora, com o Rio sediando Copa do Mundo e Olimpíadas. Tudo bem, que venham e que sejam para melhor. Os últimos 15 dias foram infernais, é verdade, com a violência explodindo por todos os lados. Era de se esperar, de certa forma, a partir do momento em que algumas favelas foram pacificadas _ e não me venham dizer que não adianta pacificar duas ou três, num universo que chega a quase mil: adianta sim, tem um efeito simbólico que é exatamente o que está provocando essa reação brutal do outro lado. E pelo menos não existe no momento aquela sensação de desamparo que os governos do nosso passado recente nos faziam sentir.
Não fui eleitora dos atuais governador e prefeito do Rio. Mas sei reconhecer quando um trabalho está apresentando algum resultado, por mais que falte quase tudo a fazer. Aqui em casa o som de tiros que nos chegava do morro Dona Marta, a um quilometro e meio de distancia, nunca mais foi ouvido. Imagino o alívio que deve estar sendo para quem mora lá, com o fim do toque de recolher imposto pelo tráfico e outras barras pesadas que tornavam a vida ali insuportável. Seria fantástico que isso se estendesse para outras comunidades, onde há tanta gente que batalha honestamente e cria suas famílias tendo que conviver lado a lado com a bandidagem.
Vamos torcer para que a cidade que é de todos os brasileiros possa sobreviver mais uma vez e dar a volta por cima. E que haja ajuda de instancias superiores, principalmente do governo federal. O Brasil precisa merecer o Rio.
10 Comments:
joyce,
insônia total,geral e irrestrita por aqui...rs
leio teu post oportuno, como sempre...é preciso acabar com essa tristeza/é preciso inventar de novo o amor.
abraçsons pacíficos
Joyce, sou um carioca que aos três pra quatro anos de idade fui trazido para viver aqui no sul da Ilha. Sempre sofri as saudades de estar longe, percebo que sou mais sensível do que o "normal" para muitas coisas na minha vida, as vezes penso que o peso dessa separação de familia, de cidade (veio só meu pai, minha mae e eu)deixe tia, vó e todo o trem no Rio, tem alguma coisa haver com isso. Sendo pai sei do quanto os primeiros anos são definitivos na formação do que somos hoje (nossas neuroses, e outros bicthos). O fato é que cada vez que vejo imagens do Rio eu me emociono, sempre, não tem como não sair com os olhos marejados. Tenho aqui dois powerpoints do Rio, um atual o Rio Visto de Cima (já deve ter baitido aí no seu computador - fotógrafo Nilo Rosa e outro de nome o Rio Imperial, com fotos divinas onde as montanhas ainda se agigantavam sobre a cidade. Duas realidades em pouco mais de 100 anos. Se quiser que eu te envie, me manda um e-mail para luiz@sorenav.com.br, que eu te envio . Bjs.
joyce
todas cidades mudam. de fato.
me lembro de ter ido uma vez ao Rio para um curso de Restauro de Monumentos Historicos...era arquiteto/urbanista qdo vivia no Brasil....e havia uma mostra sobre LIsboa e Salvador..me lembro de um sr. q apresentou por meia hora slides do Rio de Janeiro do comezo do seculo passado; e qdo as luzes acenderam vi muita gente chorando...me marcou bastante este fato..sentimentalmente....o Rio sempre me foi uma cidade adoravel, e por sorte, de todas as vezes q fui ai nada de ruim me ocorreu....adoro o amor q as pessoas tem por seu lugar e eh muito importante desenvolver esta nozao de que sempre as coisas podem ser melhores..
bjs
abs
paul
Como niteroiense da gema e trabalhador da Zona Norte do Rio gostaria muito que essa pacificação se extendesse para além da Zona Sul. Espero que até 2016 isso aconteça.
q bacana ver o Rio 'através dos olhos e palavras seus' [vero, sem paparicos]!
eu sou a pior pessoa para falar bem [ou mal] dessa cidade, de onde sairia - sairei - qdo houver oportunidade.
motivos? pelo q aleguei, prefiro omiti-los...
besos
"Existem os musician's musicians (sou casada com um), aqueles que são respeitados por seus pares e colegas de instrumento."
Isso me lembrou outra pessoa também (rs...). bjos, querida, saudades. Miroca
Joyce, sou paulistano da gema, filho de um portuga e uma caipira de vinhedo. A família toda do meu pai, quando imigrou de Portugal, se radicou no Rio. Menos, meu pai e um tio, que vieram para São Paulo.
E todo ano nosso destino de férias era o Rio. Falo da década de 70 e início da de 80.
Os parentes mais queridos, que nos recebiam, viviam no subúrbio, em Cavalcanti.
Muito longe da Zona Sul Maravilha, mas era muito, muito, muito, pacato, bonito, gostoso.
Tudo de bom chupar uma dúzia de mangas depois de um vendaval.
Bater uma bola com os amigos cariocas na rua, com "gols de chinelo" ou nos campinhos de terra batida.
Hábito que a meninada também cultuava aqui em São Paulo, ainda mais na minha Freguesia do Ó, terra abençoada com ares de interior e quase 450 anos de história.
Iamos para a Barra da Tijuca e as praias eram desertas !
O clima era de festa e; de carro ou de ônibus; viajar ao Rio era sinônimo de felicidade na essência da palavra.
Hoje na casa dos 40, o amor por viajar e adicionar culturas através desse tipo de experiência, foi multiplicado na minha vida.
O único lugar, maravilhoso, mas que me causa uma triste insegurança é justamente a Cidade Maravilhosa.
Noves fora os exageros da mídia, dá medo, para quem é de fora, passar na Linha Vermelha, Amarela, Av. Brasil, Túnel Rebouças.
Espero sinceramente que as coisas entrem em clima de harmonia aí no Rio. O possível, já que a situação aparentemente ultrapassou o limite do tolerável faz tempo.
Joyce, o Rio é maravilhoso, assim como em geral, o Brasil todo !
Mas precisamos crescer em harmonia e equilíbrio.
Espero que isso aconteça de verdade.
Não creio nessa estória de Olimpíadas para redimir a cidade.
Mas se servir ao menos pra isso, será maravilhoso.
Parabéns pelo blog e por dividir suas impressões e experiências com os fãs.
Por conta dessa minha ligação afetiva com Cavalcanti, Cascadura e consequentemente Madureira, Meier, etc... permita-me uma pergunta:
O que quis dizer com -
..."e a transformação de Copacabana numa imensa Madureira-sur-mer"?
Caro Rogério, dê uma voltinha por Madureira hoje, e depois me diga...
Joyce, acho que vou preferir ficar com minhas memórias de infância...rs
Ao som da Bossa Nova e de Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, etc...
Essa do Funk Carioca abaixo:
Inaceitável mesmo..
Beijos !
Rogerio
Rogério, legal tua história, em algo muito parecida com a minha. Minha avó materna, do suburbio de São Gonçalo (decada de 70 e inicio dos 80) - ruas de chão batido, morros de muitos verdes e pedras(sem favelas), algumas vacas _em pleno bairro!_ o nome do bairro: Santa Catarina e no alto do morro, que se avistava da varanda, uma igreja em devoção a Santa, com quase trezentos e sessenta e cinco degraus, mas sem o charme e holofotes da Penha, ficava lá perdida, bem longe do "RIO" que só era avistado qdo eu subia no morro, que fazia parte do terreno da casa dela, e lá do alto avistava a ponte Rio_Niterói e sentia no vento, lá do alto, o cheiro do mar. Flamboyants vermelhos despetalando nas ruas de terra amarelada, pão "de padaria" enrolado em papel pardo deixando os "bicos" de fora pra eu comer quando vinha pelo caminho, pelo qual avistava ainda uma ou outra das antigas casas de engenho colonial que ainda permaneciam por lá, fora os sobrados pobres, onde os moradores eram descendentes de escravos. Depois tinha a outra pate das férias , na casa de minha Tia Avó Imágina, lá no Alto da Boa Vista, ainda pouco descoberta pelos milionários como lugar bom de se viver... Essas eram as férias desse carioca exilado aqui no sul. Passava o ano contando no calendário, pulava de emoção dezembro a dentro, VIVIA E AMAVA O RIO E MEUS PASSEIOS EM JANEIRO E FEVEREIRO e chorava uma semana antes de voltar pra casa e seguia chorando março a dentro até a escola me absorver. Desculpe o saudosismo melancólico, mas voce me fez , mais uma vez , viver isso com o seu relato. A casa de minha vó Annita (Anna de Jesus), só quem viveu e conheceu sabe o que significou. Um dia ouvindo Léa Freire e Teco Cardoso, começou a introdução da música "FÈ" e eu começei a chorar, porque tudo isso que eu descrevi a música fez passar como um filme em minha mente, até com a minha vó vindo pela rua me acenando quando eu fica a esperar sua volta, sentado no muro. Abraço! Valeu! E o Rio de Janeiro me leva de novo a patinar na emoção.
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