sobre meu post anterior. Embora eu estivesse falando sobre o amor de forma genérica, tentando ressaltar a importância do amor romântico na vida de qualquer um(a), o fato de aquele post ter sido feito a partir de uma reportagem sobre o amor romântico entre os gays acabou trazendo o assunto à tona. Pois, esperamos, este não será mais no futuro o amor que não ousa dizer o nome, o amor discreto pra uma só pessoa.
(Xica sonha com um amor no Brasil. Quem sabe? Boa sorte!)
A foto do Rio aparece aí porque nossa cidade foi considerada, em recente pesquisa internacional, como o melhor destino de viagem para gays no planeta. Atualmente temos um governador e um prefeito que, apesar de heteros na vida, são abertamente gay friendly; ou seja, há esforços em nível administrativo para que a cidade receba bem esta comunidade. Isto é um tremendo avanço, pois volta e meia vemos no Brasil casos de brucutus explícitos agredindo mulheres, gays e quem mais tenha qualquer postura fora dos chamados 'padrões de comportamento'.
Na música brasileira, minha área de atuação, sempre tivemos figuras gays de ambos os sexos. Desde os anos 1930, com o fabuloso e enrustidíssimo Assis Valente, até os gays mais visíveis de hoje. Como sempre, as mulheres foram mais corajosas (ou mais doidas) e se expuseram mais, a partir da minha geração. Tive e tenho muitas amigas, colegas de profissão, que botaram a cara de fora, virando até piada de TV - quem nunca viu as sátiras do pessoal do Casseta e Planeta, mostrando as 'cantoras de MPB' com visual sapatão? Quando fiz meu disco 'Feminina' em 1980, havia uma enxurrada dessas novas cantoras e compositoras aparecendo, 99% delas homo ou bissexuais. Meu disco tinha esse nome porque falava de questões femininas, era uma mulher falando de seu ponto de vista em todas as faixas. Mas o título provocou uma polemicazinha na época, exatamente por ser tão... 'hetero'. Parecia que eu estava querendo marcar minha diferença ao contrário, quando na verdade tudo isso era mais efeito do momento em que o disco foi lançado.
Já os homens na MPB, de maioria hetero, foram mais cautelosos (fora raras exceções, como meu querido Ney Matogrosso, que fez exatamente o que fariam as primeiras feministas: figurativamente, a queima da cueca). Nosso amado e genial Johnny Alf, hoje aos 80 anos, por exemplo: gay, negro, moderno demais e musicalmente sempre à frente de seu tempo, optou pelo ostracismo. No momento em que a bossa nova, que ela ajudara a inventar, estava explodindo no mundo, Johnny fez o caminho inverso e se internou na noite paulistana, de onde nunca mais sairia. Quando o convidei para participar comigo de uma série de shows nos Blue Notes japoneses, em 2002, fiquei surpresa em saber que era apenas a segunda vez na vida que ele ia lá. Um músico de sua estatura teria merecido várias turnês mundiais e todas as homenagens do mundo através dos tantos anos de carreira. Mas ele praticamente se escondeu, por modéstia natural - mas também talvez por temer as barras que viriam, caso tivesse aparecido mais.
Nossa única parceria, "Plexus' - música dele, letra minha - fala um pouco disso tudo, ou do que eu gostaria (na minha cabeça, pelo menos) que ele dissesse ao mundo:
PLEXUS
(Johnny Alf/ Joyce)
Olha
já fiquei livre de qualquer complexo
já vi no espelho o meu reflexo
mesmo que o discurso seja assim sem nexo
mesmo que eu te deixe com esse ar perplexo
não diga pro povo que eu não presto
fale do meu comportamento honesto
em nome da nossa amizade
mesmo que você fique pouco à-vontade
mesmo que eu não possa apreciar seu gesto
e o resto, você já sabe...
Diga que eu sou gauche na vida
mas sigo em frente, invento uma saída
pra resolver qualquer parada
mesmo que entre nós não possa haver mais nada
mesmo que você não passe de um pretexto
a gente se vê pelas quebradas
qualquer esquina de qualquer contexto
e eu mesmo assim me manifesto
mesmo que o meu texto não seja verdade
mesmo que o meu samba seja assim modesto
e o resto, você bem sabe...
(você bem sabe, eu sou rapaz de bem...)
18 Comments:
Tai uma música que eu nunca iria ler dentro desse contexto, até porque nunca soube que o Jony Alf fosse homossexual, então não conseguiria ver por esse lado diretamente. MAS, É , JÁ FALEI DISSO MUITAS VEZES AQUI NO BLOG, UMA DAS LETRAS MAIS LINDAS QUE VOCÊ JÁ ESCREVEU, E A MÚSICA É UM ARRASO, TEM UMA "QUEBRADAS". COMO NÃO SOU MÚSICO NÃO SEI COMOS E CHAMA ISSO, UMA MELODIA DIFÍCIL DE SE CANTAR POIS ELA "MUDA"_ DA UMA QUEBRADA NO MEIO_ E OS VERSOS TEM QUE SER CANTADOS COM ATENÇÃO SENÃO A GENTE PERDE A "CONTINUIDADE DO RITMO"...ALGUÉM DA ÁREA PODE ME ESCLARECER SE ACONTECE ALGO PARECIDO COM ISSO MESMO NESSA MÚSICA , E SE OCORRE, O QUE É ISSO?
ADORO PLEXUS!!!
"Diga que eu sou gauche na vida
mas sigo em frente, invento uma saída
pra resolver qualquer parada" ESSE ÁI SOU EU ESCRITO!
joyce,
post piramidal...principalmente por destacar teu amigo e nosso ídolo...johnny alf(joâozinho alfredo).
nunca preocupei-me com as tendências políticas, sexuais dos grandes artistas...agradeço por existirem e alentarem a alma humana...sempre com muito amor...o amor maior...no caso do johnny, um 'amor discreto'.
abraçsonoros e pacíficos
Essa quebrada na divisão rítmica é exatamente a cara do Johnny...
E o nome dele é Alfredo José da Silva, viu, Pituco?
sim, joyce,
apenas fiz a tradução literal do nome artístico...rs
abraçsons
q linda letra!!! *-*
E por letra nessa quebrada, não é trabalho pra qualquer um! Não deve ser fácil uma vez que a poesia ou é rimada ou é prosa e aqui a prosa casa com a rima na ultima palavra de casa verso, que é quase uma frase sem conteudo poético, uma prosa, uma crônica...
Grande!!!
Essa noite está sendo emocionante, tenho lido textos lindos seus aqui e acabei de ler no blog da Zizi sobre o falecimento do pai dela. Tenho me rendido a enxurrada de bons sentimentos que a internet tem me proporcionado. Hoje elegi Joyce e Zizi as minhas mulheres dessa semana! Um beijo Joyce, acabei de comprar pela internet seus cds q saíram no exterior e não encontro aqui, o Jobim live e o outro com Donato.
Marcelo
Como eu disse no comentário do post anterior: os rótulos é que devem ser eliminados. Simplesmente AMO o Feminina, como amo sua obra toda, Joyce, e não é por ser lésbica que me identifico menos com músicas que falam de filhos, casamento. Sou, e sem precisar deixar minha feminilidade de lado, e por incrível que pareça várias amigas lésbicas ainda questionam minha postura e só ouvem ou leem obras de gays para gays... o preconceito às vezes nasce entre as próprias vítimas dele...
amor nao tem sexo...ou tem ateh demais..:-)
mas nao escolhe, ocorre onde, como e entre quem quizer.
no mais melhor sem comPLEXUS.
a letra eh linda.
e eh bom saber q no Brasil ha menos homofobia, pelo menos ai no Rio de Janeiro...sociedades melhores assim
abs
paul
Menos homofobia, Paul... médio, né? Ainda existe demais. Bom será quando esta e todas as fobias forem embora de uma vez! Aí o Rio será a cidade com que sonhamos, aberta e tolerante com as diferenças.
Ceçilia, definitivamente ainda não inventaram nada mais moderno do que o amor. Em todas as suas formas!
Well, não sou a pessoa mais apropriada pra falar de amor. Vou ficar com a parte musical do post: já conhecia essa músicca, do "bossa duets", mas agora que li a letra depois do que você falou sobre o que gostaria que o Seu Johnny dissesse ao mundo, estou vendo com outros olhos muitíssimos diferentes, imaginava uma história muito distante...
Sobre isso das "cantoras e cantores de MPB", lembro bem que quando eu era pequena, a música que se escutava na minha casa gerava uma certa polêmica nos pais das amigas que me visitavam, como se apreciar a arte de alguém que foge do padrão fosse pecado. Hoje eu agradeço a formação do meu pai tropicalista, que nunca deu o braço a torcer. Certamente eu sou uma pessoa melhor do que quem deixou de frenquentar a minha casa. haha
Clima romântico ? Vou pedir licença para postar um poema autoral:
Composição
ROGERIO SANTOS
são tantos
os teus predicados
que de sujeito simples
passei a indeterminado
adjetivos escorrem
na tocaia da língua
trêmula trema trama
esse "u" que urdo
no exato espaço
entre um ponto final
e a próxima linha
por ora consoantes
deixo reticências
enquanto namoro
advérbios de tempo
lugar e intensidade
Aproveito pra fazer um "jabazinho" do meu blog:
www.folhadecima.blogspot.com
Visitem !
;-)
Cara Joyce, de quem sou fã desde sempre, parabéns pelas postagens!
Abraço tb ao Tuty, "levíssimo" batera e companheiro na vida e na profissão.
Como já foi falado citando brilhantemente a música Paula e Bebeto: qualquer maneira de amor vale a pena.
Eu já tinha ouvido o comentário que o Johnny era homossexual, isso não diminui em nada o grande artista que ele sempre foi e eu sou um grande admirador da sua obra.
Essa música Plexus é sensacional, para mim é uma continuação de Rapaz de bem.
Parabéns Joyce por nos brindar com mais um post maravilhoso!
Oi Joyce! Tudo bem?! Lamento que não voltei mais cedo por ver esse topico; aqui coisas sempre ficam muitas caoticas na mez do Dezembro...tenho que preparar por Santa, a rena d’ele, e...‘quem mais chegar’...rsss
Obrigada de novo por sua gentileza, e por entrando em detalhes dos gays na historia da musica brasileira. Muito interessante! Que conta esquisita...um pouco d’um escandalo por uma mulher ser hetero(Voce)! Que loucura! Enquanto isso, eu me pergunto, porque tantas cantoras são gays...e’ uma coincidencia, ou tem uma razão? Uma pergunta, talvez por os sociologos do Brasil?rss.. Ja soube que ter muitas mulheres homo na MPB, mas nunca ouvi isso do Johnny Alf. Fiquei feliz que voce menciona o Johnny; espero que um dia vou explorar muita mais musica d’ele. Me lembro de assistir um video de Elis em que Elis, Tom Jobim, e Cesar Camargo Mariano toca “Ceu e Mar”. Pensei: “Uau...devo aprender essa canção; quem e’ esse compositor com essa ponte musical que vai e vem no meio com tal bom gosto e melodia?!” Agora, vejo essa letra “Plexus”, que parece pra mim como uma grande poema (em som e significado), que voce escreveu na ‘voz’ do Johnny; uma belo e comovente defesa d’um amigo(mesmo que e’ um pouco sutil...acho que a letra fica respeitoso da mascara do malandro, a dignidade do homem, enquanto dando um vislumbre breve da vulnerabilidade debaixo de bravata). Tambem e’ uma letra que e’ universal porque a maior das pessoas as vezes sentem essa tensão entre uma vida publica e privada(e agora esse novo mundo do internet) . Por uma pessoa famosa, imagino que coisas ficam muitas mais complicadas. E’ triste que Johnny Alf não recebi a attenção que merece, mas quem sabe? Se a musica d’ele tem a poder de seduzir uma lesbica americana d’uma geração e
tradição tão diferente, e isso so’ de uma cancão so, qualquer coisa parece posivel, n’e’? Pelos menos, quero crer!
Johnny é um genio!
quem encontra um homem como o tutty, não tem necessidade em experimentar absolutamente mais nada...
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