apagões
E desfez-se a luz! bem quando a gente acabava de assistir pela enésima vez a 'High Society' (com Frank Sinatra, Grace Kelly, Bing Crosby, Louis Armstrong e a deslumbrante música de Cole Porter) - já estávamos nos extras, com a coadjuvante Celeste Holm contando como fora o ambiente no set de filmagem, com Grace se preparando para o casamento com o príncipe Rainier de Monaco - e nossa rua ficou às escuras. Não era só nossa rua, era o bairro, e depois ficamos sabendo que não era só o bairro, era a cidade toda, era o estado, eram 10 estados, era até o valoroso Paraguai. Era um apagão daqueles que o vosso atual presidente utilizava como assunto de campanha política nos idos de 1999. Ei-lo de volta (o apagão, não o vosso presidente), lampeiro e faceiro, dez anos depois. Somos um país de incompetentes. Dá uma chuva forte e tudo para, independente de qualquer governo.
Os apagões da minha infancia (quando assisti 11 vezes a "High Society" no cinema, pois home video ainda não havia) eram diários, justiça seja feita. Havia racionamento pontual de luz, geralmente lá pelas sete da noite, e quem chegasse cansado do trabalho, como minha mãe, tinha de subir, no caso dela, seis andares de escada - e no escuro. Também faltava água, por supuesto. Seis andares de escada carregando baldes. Não se estava subindo o morro, era um prédiozinho de classe média-bem-média no Posto Seis, Copacabana. Era o "Rio de Janeiro, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz" das marchinhas. A vida era essa e não se imaginava que fosse diferente.
Aprendi desde pequena a tomar um banho completo com a água de um (um!) balde, na quantidade exata para até lavar a cabeça. O futuro já tinha começado, antes de Hugo Chávez e do aquecimento global. Meus netos, mal-acostumados com banhos de vinte minutos ou mais, terão dificuldades em lidar com isso um dia? Possivelmente. Eu, se cá ainda estiver, estarei preparada para ensinar a eles as técnicas que aprendi com minha mãe. Até porque vinte minutos com a água correndo é desperdício demais, e isso eu já estou avisando desde agora.
(Em 1977 eu estava morando em Nova York quando houve o famoso black-out na cidade, no chamado "Summer of Sam". Não vimos nada: eu e Tutty estávamos recém-juntos, e portanto ocupados demais em descobrir os mínimos detalhes tão pequenos de nós dois. Sequer saímos de casa para ver o que estava acontecendo, ao contrário - foi uma boa desculpa para ficarmos ainda mais enfurnados do que já estávamos. Não sei se houve outro apagão americano daquela magnitude. Perdemos a chance de testemunhar um fato histórico. Talvez porque pra nós, jovens brasileirinhos do Terceiro Mundo, um evento desses não fosse nada de incomum.)
Agora estou sem telefone em casa, e avisada de que devo economizar água, já que o apagão atingiu os reservatórios do Rio. Pelo menos posso usar o computador de novo. A garotada mal-acostumada do século 21 é que vai estranhar a situação. Mas se não houver apagão mental, tudo se ajeita.
11 Comments:
dona moreno
q cronica graciosa
estas escrevendo cada vez melhor,hen?
apagoes sao bons para lembrar-mos da fragilidade da nossa civilizazao...bem..economizar recursos, hoje em dia, eh uma necessidade de fato.
este lance de ficar enfurnado durante o inicio de um relacionamento me fez lembrar de uns dias q passei assim com a Lu (minha esposa) em Itatiai, chovia, fazia frio, nada sabiamos, esquecidos num chalezinho... :-)
ah..este filme High Society...vou verificar, nao me recordo de te-lo assistido, conhezo a musica..os atores tbm...deve valer a pena...
abs cheio de luz
paul
Em João Pessoa não teve black-out, mas em casa tivemos uma apagão acidental porque uma das alemãs que dividem a casa comigo, plugou um aparelho alemão em uma tomada que não podia. Mas no fim das contas, foi uma das melhores noites. Fizemos brownie e caipirinhas... Acho que estamos devidamente equipadas para os próximos apagões!
joyce,
crônica piramidal...rs
subir seis andares,num prédio do posto seis,carregando baldes de água...queima mais caloria do que andar no calçadão?
moro duas décadas aqui e nunca faltou luz...apenas experimentei esse fato logo após o terremoto que abalou kôbe, em 95...mas,foram apenas algumas poucas horas até tudo se restabelecer.
amplexossonoros
Extra!! Extra!!
Apagão em Brasília!!!
(e hoje excepcionalmente, em mais 15 Estados!!!)
Olá Joyce!
Ufa!, voltando ao blog depois de algum tempo.
O "apagão" deu um susto em todos, aqui em casa estava no meio de uma impressão e de repente as luzes e qualquer outro aparelho elétrico em funcionamento apagou e acendeu repetidas vezes, quando escuto alguém gritando da sala (meu pai):
-Puxa tudo da tomada!!!
E o medo de queimar o monitor novo dele rs. Por um momento,ontem eu e alguns colegas comentamos que o ocorrido sugeriu a ideia de uma "Casa Mal Assombrada". Ainda depois que a energia acabou as lâmpadas ficaram meio avermelhadas, isso sim deu susto! rs.
Pior que isso, foi a vizinha fazendo escândalo porque não ia tomar banho frio.... ¬¬"
Agora em Itaipu os problemas foram graves, mas foi falha humana, ou falha mecânica??? Eis a pergunta que não quer calar, e foi como você mencionou, alguns raios mais fortes e acaba a luz em 10 estados e mais de 1 país.
Quanto a sua técnica de banho, gostaria de aprender, mas não costumo executar; realmente preciso aprender pois não sabemos como será o futuro.
Enfim, até mais!!
Bjs
Marcel.
J,
As trovoadas, tempestades, raios, apagões. Rever “High Society” deve ter sido ótimo. Mas, no meu caso, a lembrança foi outra. Outro filme, mais de 40 anos atrás. “The Sound Of Music” (1966), de Robert Wise, com Julie Andrews (Surrey, England, 1935) e Christopher Plummer (Toronto, Canada, 1929). Não o filme como um todo. Mas uma passagem. As crianças se aglomeram num quarto, aterrorizadas por uma tempestade. Maria (Julie), a governanta, se apressa em cantar para contornar a situação. O tema, “My Favorite Things”, de Richard Rodgers – meu compositor predileto – e Oscar Hammerstein II. Mal sabia Rodgers (1902/1979) que a sua despretensiosa melodia iria se transformar num standard do jazz, com centenas de gravações, inclusive uma, antológica, de John Coltrane.
adorei a paráfrase inicial!
e a revelação do baldinho...rs tb passei mto por isso.
coisas boas para crescer - no sentido literal disso.
=*
Só para dizer que é um prazer ler suas crônicas. Aliás. desde que li Fotografei você na minha rolleyflex, livro precioso e, uma pena, hoje difícil de encontrar, que eu sei disso. Encontrar este blog foi um grande prazer
Como uma excelente artista (cantora, instrumentista, compositora ...) pode se achar incompetente ?
(... somos um país de incompetentes ...)
Querida Joyce:
Só para atualizar os apagões norte-americanos.
Em 14 de agosto de 2003, o Nordeste dos EUA e parte do Canadá registraram um apagão que deixou 50 milhões de pessoas às escuras. A energia voltou primeiramente ao Canadá, no mesmo dia, mas no território americano só foi totalmente restabelecida quase 48 horas depois. Relatório dos dois países apontou um conjunto de causas: falta de planejamento do setor energético e preparo para lidar com crises. Foi o maior apagão da História americana.
Gostei de seu texto achei 'bem costuradinho'. Parabéns!
Não vi o apagão eu estava viajando de Ribeirão Preto/SP para o Mato Grosso do Sul. Ao meu lado ia uma jornalista de Presidente Prudente que pouco a pouco ia sendo interada dos acontecimentos via celular...
Em Bauru nos demos conta de quanto o assunto era sério e da correria pra salvar cinco crianças internadas na UTI da maternidade que tiveram que ser transferidas às pressas...
Estavamos como que 'a salvos' dentro do ônibus mas certos de que é hora de encontrarmos respostas e soluções deixando de vez as hipóteses e as justificativas simplistas, já desacreditadas.
Por Deus, o Apagão além da capacidade de gerir 'tirou-lhes o juízo', além dos prejuizos financeiros, o que dizer dos prejuizos físicos e dos riscos de morte?!
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