quarta-feira, novembro 28, 2012

LPs históricos

A foto acima remete ao ano de 1972, na gravação do primeiro LP de meu amigo e parceiro Jards Macalé. Um disco de repertório pós-tropicalista, feito na sua volta de Londres, com um trio formado por ele, Lanny Gordin e Tutty Moreno. Os três, como se vê nesta foto, bem garotos - e explodindo de criatividade. Um show vai reunir de novo estes jovens sessentões em SP na semana que vem, comemorando os 40 anos desta gravação e sua reedição, inclusive em vinil. Programa imperdível, e estarei lá para assistir, na certeza de que nada será como antes - mas, por isso mesmo, valerá a pena.

(como esse povo tinha cabelo nos anos 1970, meu Deus!)

Foi uma época fervilhante de criatividade, e voltei a ela por causa de outros dois discos pra mim importantíssimos, que recém- recebi do amigo aqui do blog Jô Flávio: "America The Beautiful", de Gary McFarland, e "The Kennedy Dream", de Oliver Nelson. São discos irmãos, quase espelhados, feitos com a diferença de um ano entre si. Discos de orquestradores, duas obras-primas, duas suites jazzístico-orquestrais (no caso de McFarland, com um pé no pop daquele momento também). 

Foram discos importantíssimos na minha formação, e eu muito os ouvi ao lado de amigos músicos, como Dori e Bituca, igualmente pirados nas reflexões instrumentais e políticas desses dois artistas geniais. Havia naquele momento nos Estados Unidos uma grande movimentação neste sentido, principalmente na música cantada - como a dupla Simon & Garfunkel, por exemplo, com canções como 'America' ("let us be lovers and marry our fortunes together/ (... ) and all come to look for America!") Mas na música tocada, sem palavras, fazer um discurso político, com visão crítica e esperança, é tarefa para poucos.

Oliver Nelson, em seu disco de 1967, focou na figura de John Kennedy e tudo o que ele representara para a causa dos direitos civis. A música é sublime, e a entrega de Nelson ao papel de compositor e orquestrador, deixando o brilho de solista para o sax-alto de Phil Woods, é comovente. Ele estava obviamente motivado, com indignação e tristeza, pelo assassinato do seu presidente. Não posso imaginar o que ele sentiria um ano mais tarde, com os assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy, mas em 1961 ele já fizera outro album temático, 'Afro-American Sketches', mais voltado para suas raízes africanas. Há grande sintonia na música de Oliver Nelson com a do nosso maestro, também soberano, Moacir Santos. Mais uma razão para amá-lo.

Já Gary Mc Farland é uma outra história. O 'adulto-prodígio' do jazz, como chegou a ser chamado, em dado momento fez trabalhos mais pop, ultra-comerciais, com a (então em voga nos EUA) bossa-nova. São trabalhos que ajudaram a colocar a bossa-nova na prateleira do easy listening, a chamada música de elevador. Sua reputação seria restaurada com este 'America The Beautiful', de 1968, mas sempre com o status de cult. No entanto é um disco belíssimo, descritivo (ele também escrevia scores para cinema, o que deve ter aprimorado sua capacidade de mostrar imagens através de sons), cheio de vida e típico daquele momento. Um fio melódico simples e lindo, de apenas oito compassos, perpassa todos os seis movimentos da suite, em formatos variados. Não conheço paralelos para este disco, tem de ouvir para entender, sempre pensando na realidade americana daquele tempo, com guerra do Vietnã, guerra fria, o país já dividido. O título do movimento final diz tudo: "due to lack of interest, tomorrow has been cancelled" ("devido à falta de interesse, o amanhã foi cancelado").

Tempos em que a música servia às idéias. Tempo em que havia as duas coisas, grandes idéias e grande música. Mas não sou eu quem vai ficar no porto chorando, lamentando o eterno movimento dos barcos.


quinta-feira, novembro 15, 2012

música de réveillon


Leio na internet a repercussão do acontecido com o bom Seu Jorge aqui na Lapa, quando ele tentou ler um poema no meio do seu show e foi vaiado por um público que gritava 'paguei pra ouvir você cantar!' É um dos assuntos do momento na comunidade dos músicos e afins. Sou totalmente solidária com Seu Jorge nessa hora. Mas não é exclusividade do público carioca, ou da Lapa, como ele parece acreditar. Acontece no Brasil todo, dependendo da cena em que a pessoa se apresenta, e não é de hoje.

Eu mesma já fui vaiada num show aberto no Aterro do Flamengo, se não me engano em 1991. Era um show, organizado pelo Betinho, chamado Terra e Democracia, uma daquelas campanhas dele. Tínhamos feito um no ano anterior, no mesmo local, e tinha sido maravilhoso - 200 mil pessoas curtindo tudo, e as luzes do Redentor se acendendo no momento exato em que eu cantava 'Corcovado' (ideia maluca do diretor Túlio Feliciano, que o Betinho abraçou e conseguiu combinar com a Arquidiocese do Rio para que desse certo). Nesse show de 1991, Betinho teve a ideia de convidar a Xuxa, então no auge da popularidade, que topou participar. Fui vaiada porque eu não era ela. O público que estava ali para vê-la - os então súditos da rainha - não admitia que outra cantora se apresentasse no mesmo palco. Ela não tinha nada com isso, claro. Foi apenas um erro de estratégia de quem organizou o show. Eram públicos diferentes, cada um querendo uma coisa. E a maioria não queria ouvir música, queria ver a Xuxa. Simples assim.

(na foto acima, o lindíssimo Teatro Amazonas, em Manaus, onde tivemos uma experiência sensacional em julho deste ano, tocando para um público que estava lá sabendo exatamente o que iria ver)

O problema é que hoje a maioria do público no Brasil está a fim de entretenimento, não de arte. É música de massa, milhares de pessoas pulando, bebendo (muito) e dançando. Não é para ser ouvida. Vejam o que meu parceiro Paulo César Pinheiro diz, na nossa 'Quero ouvir João', que recém gravei no meu CD 'Tudo'. Eu assino embaixo.

Toda sexta-feira
A moçada quer sambar
Dia de zoeira
Onde quer que a gente vá
Numa gafieira, num salão, num mafuá
Lá na Estação Primeira
Ou qualquer mesão de bar

Toda sexta-feira
Todo mundo quer um som
Do Chapéu Mangueira
Ao Complexo do Alemão
Rock, metaleira, funk, reggae, pancadão
É tanta barulheira
Musica de réveillon
Ninguém ouve nada, não
Ninguém ouve, não

É pau na moleira
Tudo feito pra dançar
De tanta besteira
O que é que ainda vai ficar?
E nessa brincadeira
Inda não ouvi nada de bom
Que é que tem pra se cantar?
Tudo já ficou fora do tom...

Na sexta-feira
Fujo dessa confusão
Pra ficar inteira
Pra me dar satisfação
Basta uma cadeira
Uma voz, um violão
E assim dessa maneira
Eu só quero ouvir João


quinta-feira, novembro 08, 2012

como escolher seu instrumento


Alguém nos Estados Unidos teve a ideia de fazer esta tabela, para ajudar os pretendentes a músico a escolher seus instrumentos. Já testamos, e rimos muito. Quem quiser encarar a carreira, é só checar!


sábado, novembro 03, 2012

amigos

Vimos o filme 'Gonzaga -  de Pai pra Filho', que está hoje em cartaz. É ficção, não documentário, e isso traz todas as possibilidades de a história contada não ser fiel aos fatos. Mas, pra minha surpresa, parece que foi, sim.

Não tive nenhuma proximidade com o pai, Gonzagão. Assim como Caymmi, era pai de amigo meu, e portanto pra mim seria sempre 'seu' Luiz (ou 'seu' Dorival, no caso do Caymmi). Engraçado, isso. É coisa de uma geração onde os pais eram chamados de 'senhor' ou 'senhora'. Hoje em dia ninguém mais trata os pais assim, pelo menos até onde eu saiba. Mas minha geração tem, ou tinha, essa formação que nos foi imposta, de demonstrar respeito aos mais velhos dessa forma. O que eles mesmos muitas vezes achavam besteira.

(César Faria, por exemplo, o maravilhoso violonista do Época de Ouro, reclamava comigo por eu chamá-lo de 'seu' César. Expliquei pra ele que ele era pai de meu amigo Paulinho, e portanto seria sempre 'seu' César pra mim. E ele: "mas o Dino, você chama de você!" Tive de explicar que conhecera Dino Sete Cordas antes de ter conhecido o Dininho, filho dele. Portanto me sentia à vontade para lhe dar este tratamento. Assim como o Tom era o Tom pra mim, bem antes de ser o pai do xará do filho do 'seu' César, Paulinho também. E Vinicius, então, nem se fala. Mas Vinicius não vale como exemplo: ele era sempre um de nós, fosse quem fosse esse 'nós'. Imagina se alguém iria chamar o Poeta de 'seu' Vinicius???)

Mas voltando ao filme: por ter tido intimidade razoável com Gonzaguinha, em vinte anos de amizade, tendo acompanhado suas alegrias e tristezas, amores e desamores, fracassos e sucessos, acabei me emocionando com a composição do ator que o interpreta, quase perfeita (já tinha visto um espetáculo teatral com outro ator fazendo, e estava perfeito também. Gonzaguinha talvez seja um tipo fácil de representar, ou ambos os atores são extraordinários, o que é mais provável).

O conflito central do filme, porém, são as desavenças e dificuldades de entendimento entre pai e filho, e disso não posso falar. Meu amigo Gonçalves (como eu chamava Gonzaguinha, desde que nos conhecemos) não tocava no assunto praticamente nunca. Falávamos de música, política, direitos autorais, filhos, amigos, casamentos, das coisas do dia-a-dia, mas ele nunca falava do pai dele, assim como eu também não falava do meu. Duas encrencas que não valia a pena esmiuçar. Hoje vejo que simplesmente fugimos dessa questão porque certamente nos incomodava. Os analistas é que sabem dessas coisas.

Mas ver o filme deu um travozinho de saudade desse amigo - o melhor jogador de jogo de memória que conheci (com incrível memória fotográfica, acho que hoje seria um craque em coisas digitais), companheiro nas lutas da Sombrás e do CNDA, frequentador do apartamento de Luizinho Eça, no Leblon (onde rodeávamos o piano ouvindo nosso amigo e mestre dar lições grátis de harmonia) e de algumas de minhas casas ao longo do tempo. No ano de 1986 rodamos o Brasil juntos, ele e eu, numa turnê patrocinada pela Sharp. No ano anterior, tínhamos estado em Moscou, numa grande trupe de artistas de muitos gêneros de música. Enfim, foi um longo convívio, que se interrompeu com a partida prematura dele. Quando é assim, a gente sempre fica pensando no que poderia ter sido e não foi, no que a pessoa estaria fazendo hoje, como estaria envelhecendo.

Mas é aquela velha história: "how to stay young? die young..."

PS- fiquei feliz em saber da bem-sucedida volta de Baby Consuelo, ou do Brasil, aos palcos, cantando seu repertório 'secular'. É uma grande cantora popular brasileira, que não precisaria estar no gueto da música evangélica, exclusivamente. Louva-se a Deus de várias maneiras, e uma dela é alegrando as pessoas, como ela sempre soube fazer. Benvinda!


quinta-feira, novembro 01, 2012

o tempo e as águas

Os céticos das mudanças climáticas vão ter de engolir essa. Em NY - onde estivemos há apenas um mês atrás, com clima super agradável - o caos finalmente chegou. Já houvera o 11 de setembro, trazendo outro tipo de caos. Agora é a Natureza, assim mesmo com maiúscula, o Imponderável, o Imprevisível.

(na foto, o Imponderável carioca - as chuvas de abril de 2010, o mar de lama bem em frente à nossa casa, numa demonstração assustadora do quanto somos impotentes frente a esse tipo de desafio)

Recebemos notícias dos amigos que moram em Manhattan, a maioria pegando carona em wi-fis de cafés Starbucks, pois estão sem energia em casa, sem telefone, elevador, aquecimento, banho quente. New York é cidade costeira, assim como Rio, Tóquio, Havana e tantas outras. O aumento do nível das águas dos oceanos nos atinge diretamente. Não dá pra entender que ainda exista quem duvide do aquecimento global. Como diria Dorival pai, só louco.

Enquanto isso, aqui no Rio, enquanto esperamos as próximas chuvas e suas consequencias, os engarrafamentos há muito atingiram o temido nível paulistano. As montadoras despejando carros nas ruas a preços módicos e o transporte público de péssima qualidade, fazendo com que cada um queira passar aquelas longas horas do rush num cantinho pra chamar de seu, só fazem piorar a situação. Por enquanto estou tentando concentrar minhas atividades no meu bairro, fazendo tudo a pé. Mas nem sempre isso é possível, e o tempo gasto nos deslocamentos dá uma sensação frustrante de perda.

Água e tempo, dois bens caríssimos e preciosos neste milênio entrante. Quem tem, procure economizar.