LPs históricos
A foto acima remete ao ano de 1972, na gravação do primeiro LP de meu amigo e parceiro Jards Macalé. Um disco de repertório pós-tropicalista, feito na sua volta de Londres, com um trio formado por ele, Lanny Gordin e Tutty Moreno. Os três, como se vê nesta foto, bem garotos - e explodindo de criatividade. Um show vai reunir de novo estes jovens sessentões em SP na semana que vem, comemorando os 40 anos desta gravação e sua reedição, inclusive em vinil. Programa imperdível, e estarei lá para assistir, na certeza de que nada será como antes - mas, por isso mesmo, valerá a pena.
(como esse povo tinha cabelo nos anos 1970, meu Deus!)
Foi uma época fervilhante de criatividade, e voltei a ela por causa de outros dois discos pra mim importantíssimos, que recém- recebi do amigo aqui do blog Jô Flávio: "America The Beautiful", de Gary McFarland, e "The Kennedy Dream", de Oliver Nelson. São discos irmãos, quase espelhados, feitos com a diferença de um ano entre si. Discos de orquestradores, duas obras-primas, duas suites jazzístico-orquestrais (no caso de McFarland, com um pé no pop daquele momento também).
Foram discos importantíssimos na minha formação, e eu muito os ouvi ao lado de amigos músicos, como Dori e Bituca, igualmente pirados nas reflexões instrumentais e políticas desses dois artistas geniais. Havia naquele momento nos Estados Unidos uma grande movimentação neste sentido, principalmente na música cantada - como a dupla Simon & Garfunkel, por exemplo, com canções como 'America' ("let us be lovers and marry our fortunes together/ (... ) and all come to look for America!") Mas na música tocada, sem palavras, fazer um discurso político, com visão crítica e esperança, é tarefa para poucos.
Oliver Nelson, em seu disco de 1967, focou na figura de John Kennedy e tudo o que ele representara para a causa dos direitos civis. A música é sublime, e a entrega de Nelson ao papel de compositor e orquestrador, deixando o brilho de solista para o sax-alto de Phil Woods, é comovente. Ele estava obviamente motivado, com indignação e tristeza, pelo assassinato do seu presidente. Não posso imaginar o que ele sentiria um ano mais tarde, com os assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy, mas em 1961 ele já fizera outro album temático, 'Afro-American Sketches', mais voltado para suas raízes africanas. Há grande sintonia na música de Oliver Nelson com a do nosso maestro, também soberano, Moacir Santos. Mais uma razão para amá-lo.
Já Gary Mc Farland é uma outra história. O 'adulto-prodígio' do jazz, como chegou a ser chamado, em dado momento fez trabalhos mais pop, ultra-comerciais, com a (então em voga nos EUA) bossa-nova. São trabalhos que ajudaram a colocar a bossa-nova na prateleira do easy listening, a chamada música de elevador. Sua reputação seria restaurada com este 'America The Beautiful', de 1968, mas sempre com o status de cult. No entanto é um disco belíssimo, descritivo (ele também escrevia scores para cinema, o que deve ter aprimorado sua capacidade de mostrar imagens através de sons), cheio de vida e típico daquele momento. Um fio melódico simples e lindo, de apenas oito compassos, perpassa todos os seis movimentos da suite, em formatos variados. Não conheço paralelos para este disco, tem de ouvir para entender, sempre pensando na realidade americana daquele tempo, com guerra do Vietnã, guerra fria, o país já dividido. O título do movimento final diz tudo: "due to lack of interest, tomorrow has been cancelled" ("devido à falta de interesse, o amanhã foi cancelado").
Tempos em que a música servia às idéias. Tempo em que havia as duas coisas, grandes idéias e grande música. Mas não sou eu quem vai ficar no porto chorando, lamentando o eterno movimento dos barcos.