O Rei e Eu
Pois foi
assim: em 1982, fui convidada para participar do especial de fim de ano de
Roberto Carlos. Por quê, eu só descobriria quando chegasse lá. O convite me
veio através da EMI, minha gravadora da época, da qual eu já me despedia depois
de um imbroglio semi-judicial. Estranhei, portanto, que o pessoal ainda estivesse
interessado em me colocar num programa de tal magnitude... Fui entender melhor
depois, bem depois.
Primeiro fui chamada a um estúdio de gravação, onde
Eduardo Lage, diretor musical do programa e do seu astro, me
apresentou aquela canção do Roberto que me caberia: "olha, você tem
todas as coisas/ que um dia eu sonhei pra mim/ a cabeça cheia de problemas/ não
importa, eu gosto mesmo assim…" Descobri então que eu faria parte de
um quadro que o pessoal da Globo estava chamando, nas internas, de
"pot-pourri do tesão": quatro cantoras, consideradas bonitas à época,
rodeando o Rei e cantando músicas dele. Uns 20 anos depois, eu seria convidada
para empreitada semelhante num especial de Fábio Jr. onde seríamos, não quatro,
mas dezenas de beldades musicais de todos os estilos e gerações. Ah, esses eternos galãs.
Uma aparição neste programa tinha lá seu valor, e topei participar, em nome da divulgação dos meus trabalhos presentes e, principalmente, dos futuros. Cheguei a imaginar que o convite tivesse partido do próprio RC, com quem eu me encontrara, pouco tempo antes, durante as gravações do mais recente disco dele. Nessa época estavam na moda os coros infantis, e minhas filhas Clara e Ana, afinadíssimas e supermusicais, eram chamadas para tudo o que se gravava então com essa característica, de Egberto Gismonti ao Balão Mágico. Eu sempre as levava e ficava lá com elas, e muitas vezes minha caçula Mariana, de 3 anos, ia junto. Nesse dia ela foi, e foram engraçadas as tentativas do artista principal em se aproximar dela no estúdio - ela, uma moreninha linda de cabelos cacheados, e super marrenta, já então. Não houve jeito, todas as tentativas do Rei Roberto em fazer amizade com minha menorzinha foram, de imediato, repelidas. Ela não quis conversa.
Chegou o dia da gravação do programa, nos estúdios da Globo, em SP. Minhas colegas de pot-pourri, cada uma representando uma gravadora (pois era assim que as coisas se faziam nos anos 1980) estavam todas chiquérrimas em seus trajes soirée. A RCA enviou Joanna, que seria encarregada do grand finale ao lado do Rei, ela que já começava a ser chamada pela imprensa de "Roberto de saias". Jane Duboc vinha, acho, representando a Continental. Pela Polygram, a princípio, viria Lucinha Lins, que teve um problema de saúde e precisou ser hospitalizada às pressas. Em seu lugar, a gravadora enviou Zizi Possi, super fashion num vestido branco de lamê, do estilista Markito, bem curtinho ("meu ponto forte são as pernas", ela explicou ao diretor).
De cara, me dei conta de que não tinha o que vestir para a ocasião. Eu era uma riponga absoluta, não tinha sequer um produtor me acompanhando e muito menos quem me aconselhasse em semelhante questão. Ganhara, sabe Deus por quê, o prêmio de "cantora mais bonita do Brasil", dado pelos leitores da revista Amiga, no programa do Chacrinha, e a foto onde recebo este prêmio está aqui nos meus arquivos - eu com uma roupinha de malha, bem vagabunda, e uma sapatilha já meio gasta da feira hippie de Ipanema. Era o que eu tinha para usar. Mas fui providencialmente ajudada: minha velha amiga de outros carnavais, Heleninha Gastal, era simplesmente a figurinista do programa. "Não se preocupe com isso", ela me disse. Já me conhecendo e imaginando o possível problema, ela trouxera umas peças de seu acervo pessoal para me emprestar, se necessário. Experimentei algumas coisas, e escolhemos, de comum acordo, um deslumbrante vestido vermelho de seda, que Heleninha usara no último réveillon e que caiu em mim como uma luva. Fiquei tão chique, depois de pronta e maquiada, que alguns amigos meus sequer me reconheceram, quando o programa finalmente foi ao ar.
Eu estava encarregada de abrir o quadro. Roberto, sentado num piano branco de cauda, não cantava nessa hora. Eu ficava encostada ao piano e dublava a canção previamente gravada (da qual, depois me dei conta, errei bastante a letra, não sendo os autores muito presentes no meu habitual repertório. Ninguém me corrigiu, e ficou por isso mesmo). Repetimos esta cena diversas vezes, como costuma acontecer em programas de TV. Depois vinha uma modulação e Jane entrava, cantando "Outra Vez"; depois Zizi; e, finalmente, Joanna. E ele fazia uma cara de surpresa para cada uma que aparecia. De vez em quando a então mulher dele, a atriz Miriam Rios, chegava no set para dar uma conferida. Tudo parecia correr bem.
Minha parte foi dada por encerrada. Mas quando me afastei do piano cenográfico, o horror: a tinta estava fresca, e o lindo vestido vermelho de seda que minha amiga tão generosamente me emprestara tinha enormes manchas brancas em toda a parte da frente. Fiquei desesperada, estávamos numa fase duríssima de grana e eu não teria como compensar Heleninha pelo prejuízo. Mas ela foi maravilhosa e compreensiva, disse que a responsabilidade era da produção, não minha, e que se entenderia com eles. Um alívio.
Na noite de Natal, quando sentamos diante da TV para assistir ao especial, minha filha Mariana perguntou: "Mãe, esse não é aquele homem que estava na gravação das minhas irmãs? O que ele está fazendo no seu programa?"
PS- Obrigada, Leroi, pelo link do YouTube, que confirma exatamente a minha memória daquele momento, vejam: http://www.youtube.com/watch?v=DeDjiI3YW8Y
PS- Obrigada, Leroi, pelo link do YouTube, que confirma exatamente a minha memória daquele momento, vejam: http://www.youtube.com/watch?v=DeDjiI3YW8Y