A minha música
A minha música é neta do samba, mas não é bem samba.
É filha da bossa-nova, mas não é bem bossa-nova.
É prima do Tropicalismo e do Clube da Esquina, mas não é nada disso.
É sobrinha distante da música do Nordeste, mas só às vezes se lembra do parentesco.
É amiga do jazz, que a recebe sempre com festa. Mas também não é bem isso.
Já esteve pop, mas nunca foi.
A minha música não tem estilo.
Ou, por isso mesmo, vai ver que tem.
A minha música é simples, mas pode ser meio esquisita. Nem sempre é confortável. Mas gosta de parecer fácil. A minha música também gosta de algum estranhamento - compassos quebrados, tipo 7/4, afinações malucas, em D, em Eb, em C, por aí.
(E vejam bem, não estou falando de letras. Estou falando de música. Puramente música.)
Pois a minha música quase sempre tem arestas, é pontiaguda, é meio fora de esquadro - ou não.
Ela também pode ser muito simples, quase franciscana, se lhe der na telha. Pois ela é quem manda em mim.
Eu não mando nada na minha música. Ela vem quando e como quer. Não tenho controle nenhum sobre ela.
Mas ela sempre vem. Nunca me deixa na mão.
O canal vive aberto, para que ela desça sobre mim quando quiser. E ela sempre quer.
A minha música quer muitas coisas.
Quer ser ouvida.
Quer ser tocada (pois cantada ela já é).
Quer ser lida.
Quer existir e convidar outras músicas a existirem também.
A minha música não tem gênero definido, só porque foi feita por uma mulher.
Em 1968 um jornalista duvidou que a minha música fosse minha, justamente por isso. Achou que era boa demais para ser de mulher.
Obrigada, cavalheiro. Mas sou mulher, sim, e as músicas são minhas. Pari 3 filhas e umas 500 canções. Posso provar.
A minha música vem da grande árvore chamada Música Popular Brasileira, que é a mais perfeita tradução do Brasil. Aquela que se enraíza na cultura do povo brasileiro, e como disseram outro dia, nos lembra que, sim, somos um grande país. Apesar de tudo.
A minha música está ali naquela árvore frondosa, um galho pequenino com suas folhinhas. Mas lá está, morando ali, junto com seus outros parentes.
A minha música tem raízes, mas voa.
A minha música viaja bem.
A minha música paga minhas contas e bota o pão na mesa.
A minha música me aproxima do Divino.