quarta-feira, novembro 20, 2013

Por que não sou cantora

Adoro cantar. Pra mim é um prazer sensorial, igual a nadar no mar, encarar um belo prato de comida, fazer amor com quem se ama e outras delícias. Mas fico injuriada quando sou classificada como "cantora". Pior ainda, "a cantora Joyce" (vai ver que isso influiu na decisão de usar meu sobrenome, em vez de ser identificada pela minha profissão mais visível…)

Mas cantora não sou, embora respeite muito quem é. Trata-se de nobre atividade, onde a voz amplifica as canções e transmite aos ouvintes o sentimento e a intenção dos autores - e muitas vezes encontra intenções ocultas também. A voz pode ser um instrumento a mais, pode ser usada com ou sem inteligência (com é sempre melhor), pode ser veículo para o intérprete, pode quase tudo. Aí é que moram os detalhes.

Cantores e cantoras têm a Voz. A Voz é um dom de Deus, ou da vida, ou da natureza, como queiram. Não é mérito nenhum, é uma loteria que vem com a criatura quando nasce. Já vi pessoas possuidoras de aparelho vocal fabuloso, que não sabem o que fazer com ele. Usam mal, ou excessivamente - acho um horror cantores e cantoras que 'mostram serviço'. "O meu é maior que o seu": cantores e cantoras podem ser competitivos(as) ao extremo. A maioria, infelizmente, ainda é. Principalmente quando a Voz é privilegiada.

Por outro lado, há os cantores e cantoras que usam o que às vezes é um fiapo de voz com inteligência absoluta. Vocês também já viram. Esses e essas, embora muitas vezes desprezados pelos cantores e cantoras que têm a Voz, acabam deixando suas marcas na história da música. São tantos e tantas. Teclo estas palavras e penso em Blossom Dearie e Nara Leão.

Há ainda os cantores e cantoras-músicos. Blossom Dearie se encaixaria também nesta definição. Têm o instrumento como norte, ou como apoio. Depende muito do(a) instrumentista que se é. Para Shirley Horn, era o norte. Isso às vezes me deixa em situação difícil: é o violão quem escolhe os tons em que vou cantar, e não a voz. Previsível encrenca.

E há os cantores e cantoras compositores(as). Nessa faixa, até me incluo. A cantora que eu sou sustenta os luxos da compositora que jamais deixarei de ser. A compositora já foi melhor remunerada, hoje anda pobrinha e dependendo do seu duplo - a cantora - para viver confortavelmente. A cantora trabalha muito. Rala mesmo. Pois a compositora é exigente e não abre mão de certos princípios. Na verdade, a cantora também não... Mesmo assim, prefiro que me ponham na prateleira dos compositores, por gentileza. No futuro, vocês vão ver que eu estava certa.


quinta-feira, novembro 14, 2013

1958

Internet tem isso de bom: pessoas se reencontram depois de séculos, embora pela tela de um computador. Já contei aqui que minha antiga turma do curso clássico do Colégio São Paulo costuma se encontrar anualmente. Mas a turma, que tinha no início em torno de 15 pessoas, hoje virou um encontro enorme, de ex-alunas de diversas turmas, onde precisamos usar crachá - até porque os traços vão mudando com a passagem do tempo, certo?

De qualquer forma, reencontrei uma querida amiga de primário - que depois de alguns anos revi, na nossa juventude, no meio musical (ela namorava um músico amigo meu) - e agora, depois de mais um longo hiato, me presenteou com esta foto dos nossos 10 anos de idade. O melhor de tudo é que a mãe dela teve o cuidado de escrever os nomes de cada uma de nós, de modo que todas poderão se achar ali.

Olho e reconheço no meu próprio rosto a carinha séria e compenetrada da minha neta: uma menina inteligente, confiante no futuro, louca para aprender e absorver tudo o que possa levar na bagagem da vida. Ela é assim, e assim eu fui também um dia. Ela leva vantagem: tem pai e mãe maravilhosos e presentes, já fala quatro idiomas com fluência, vive num país mais desenvolvido que o nosso, e nasceu num tempo e lugar onde ser menina não é empecilho para nada que ela possa querer ser.

E por enquanto ela quer ser bombeira, para apagar incêndios e salvar pessoas. Mas ela só tem sete anos.