domingo, agosto 30, 2009

notícia triste


E foi-se mais um grande músico, Ion Muniz. Brilhante sax-flautista, que conheci aos 18 anos, já tocando tudo; depois estivemos juntos no México, como integrantes do grupo de Luiz Eça, Sagrada Família. Mais adiante o reencontrei em NY em 1977, e posteriormente, já no Brasil, ele participou de várias gravações minhas. Os caminhos da vida nos levaram para lados bem diferentes. Mas foi um dos maiores músicos que já vi tocar, quando esteve na sua melhor fase.

Paris, 1989, em casa de uma amiga: fazíamos uma audição do meu CD do momento, 'Negro Demais No Coração'. A faixa era 'Canto de Ossanha'. Um jornalista presente veio me perguntar de quem era o belíssimo solo de tenor: "essa liberdade e inventividade, eu só tinha visto antes em John Coltrane", disse ele. Era um solo do Ion.

"A vida toda que poderia ter sido e que não foi" (Manuel Bandeira)

PS- finalmente, uma foto recente do Ion.


quinta-feira, agosto 27, 2009

humor carioca


caminho das indies
(by Guilherme Bezerra, cortesia de Clara Moreno)


domingo, agosto 23, 2009

a todo vapor

A vida está um pouco mais confusa do que as imagens acima _ que aliás, bem explicadas, são claríssimas: trata-se da tradução de uma ultrassonografia. Tudo é uma questão de explicação.

Estamos em período de shows pra lançar nosso amado Slow Music, que já nos deu inúmeras alegrias e alguns pequenos dissabores. Hoje li na revista semanal que estou lançando um CD inspirado no movimento Slow Food (correto), que combate o uso de comidas pesadas (falso). Lendo à primeira vista, a impressão é de que com este CD estarei combatendo, quem sabe, a perigosa feijoada da tia Surica, que acontece semanalmente no mesmo bat-local do nosso show de lançamento. 

A pressa é inimiga da compreensão. O jornalismo cultural também podia ser um pouquinho mais slow.


segunda-feira, agosto 17, 2009

de manhã no hotel

O clima ficou estranho quando os três homens de terno entraram no elevador do hotel, dois deles de terno escuro e sapato social. O terceiro usava um terno quadriculado de cor clara, de feitio espalhafatoso e cafona, sapatos de verniz-crocodilo, anel de ouro no mindinho, muita brilhantina no cabelo. Um figurino demodé de gangster, cafetão, bicheiro, talvez. Os dois de terno escuro eram visivelmente seguranças do homem de terno claro e sapatos de verniz, que falava alto e dava as ordens. A vibração dos três era pesada, principalmente a do chefe.

Desceram junto conosco até o andar do café da manhã, onde outro homem, um mulato gordo vestido ao mesmo estilo, já os esperava na mesa. Não tinham ido lá em busca do café, e sim da reunião. O salão ficou em suspense quando o gordo fez menção de abrir uma pasta preta. Será que dali iria sair uma arma? Tiroteio no hotel?

Ele tirou da pasta uma bíblia, mostrou a passagem escolhida e confabulou rapidamente com o homem de terno quadriculado, acertando os detalhes do próximo sermão. Eram pastores evangélicos. Saíram do salão com os garçons dizendo "amém" e "aleluia".

Deus nos proteja de alguns de Seus representantes.


sexta-feira, agosto 14, 2009

nas palavras do Ruy


Ruy Castro é um craque absoluto das palavras. Sou fã de tudo o que ele escreve sobre música, cinema e literatura. Nossas opiniões não precisam necessariamente ser as mesmas, mas a dele está sempre tão bem exposta que o leitor fica em dúvida e acaba se rendendo ao texto delicioso, que é o que interessa, antes de mais nada.

(na foto acima, Adelaide, chef e proprietária da Tasquinha da Adelaide, Lisboa. O assunto aqui tem tudo a ver!)

Nesta quarta-feira tive a honra de estar presente na coluna dele na Folha de SP. Docemente constrangida, porém definitivamente orgulhosa, divido com vocês o comentário do Ruy sobre slow food e slow music, onde meu CD é um feliz coadjuvante.


                          AO RITMO DO CORAÇÃO


Em 1986, um sociólogo italiano, Carlo Petrini, liderou um protesto contra a instalação de um McDonald's na Piazza di Spagna, em Roma. Os manifestantes brandiam pratos de penne para demonstrar sua aversão à fast food: os cheeseburgers que as pessoas devoram às pressas, de pé, num balcão, babando ketchup e sem consideração pelo próprio estômago.

O McDonald's venceu, mas daquele ato nasceu um movimento pela slow food _ para conscientizar as pessoas a que valorizassem suas refeições, comendo produtos mais frescos, se possível regionais, e recuperassem a noção de convívio em torno de um prato de comida. Aos poucos, o movimento espalhou-se pela Europa, infiltrou-se no próprio QG do inimigo, os EUA, e até chegou timidamente ao Brasil.

Mas o importante é que o princípio da slow food não precisa limitar-se à comida. A cantora Joyce inspirou-se em Petrini e adaptou esse princípio à música, em seu novo e belo disco, "Slow Music", cheio de clássicos antigos e modernos, que não tocará no rádio*. "(Este é) um álbum feito de silêncios e pausas", diz ela no encarte. "A pausa é um momento importante da música. Sem silêncio, não existe som. Sem o claro-escuro, não se veem todas as nuances da cor."

Muitos fatores contribuíram para o ritmo avassalador tomado pela música popular nas últimas décadas _ um ritmo que não condiz com o batimento cardíaco e que, para ser tolerado, exige o uso de substâncias que acelerem tal batimento. Um deles é a nossa omissão. Deixamo-nos vergar pela tecnologia sonora, pela mídia e por essa exótica categoria  "artística": os DJs.**

Fast food é junk food, como se sabe, e há uma relação óbvia entre junk food e junk music: se as pessoas comessem a música que a mídia lhes serve para ouvir, já estariam mortas há muito tempo.

RUY CASTRO (Folha de SP, 12/08/2009)

*única ressalva: não tocará nas rádios convencionais, mas pelo menos no programa Londrina Jazz Club, já tocou...

** aqui discordo do Ruy em parte: é necessário que se dê um crédito a esses profissionais que tocam nossos discos nas pistas, já que muitos deles foram responsáveis diretos pela vigorosa retomada da música criativa brasileira no exterior, a partir dos anos 90. A maioria dos que conheço é movida por um sincero amor pela música. Quanto a bate-estacas e remix... é outra história. Comigo, não...

...e um PS final: a comida da Adelaide é uma maravilha slow. Saudades!


sábado, agosto 08, 2009

United breaks guitars... e a Continental também!

O instrumento que tenho em mãos aí na foto chama-se Frameworks. Trata-se de um violão criado pelo luthier alemão Frank Krocker, que alia a extrema qualidade sonora a um ponto importante: é desmontável ("tirável e pôvel", como dizia um amigo meu). O que significa que cabe numa espécie de mochila e se ajusta perfeitamente a cabines de avião. Por isso tem esse design tão diferente, perfeito para viagens. Ainda assim, no furor pós-11 de setembro, durante uma viagem de Nova York a Cleveland, fui obrigada a despachá-lo, pois a comissária de bordo entendeu que eu não poderia entrar no avião com ele. Não deu outra: à noite, na hora do show, a parte eletrônica estava danificada, o pickup estragado, e o violão não funcionou. E não funcionaria mais durante o resto da tour, o que nos obrigou a mudar todo o roteiro dos shows e a dividir o violão sobrevivente com meu parceiro Dori Caymmi (por sorte, havia dois instrumentos conosco). 

Passei o resto da turnê discutindo com a Continental Airlines e cobrando responsabilidades. Meu precioso tempo fora do palco foi gasto com telefonemas, tentativas infrutíferas de resolver o problema, uma parada na Yamaha de Los Angeles para recolher um parecer técnico por escrito, ligações para a Alemanha para falar com o fabricante (e obter dele, via fax, o mapa do pre-amp), e por aí vai. De nada adiantou, ficou por isso mesmo e a companhia aérea deixou bem claro que estava se lixando para o meu caso. Quem mandou eu viajar com meu instrumento de trabalho? Tive de esperar até uma próxima viagem à Europa para que o próprio Frank pudesse consertar o estrago.

Não era a primeira vez que isso me acontecia. A United Airlines também quebrara antes um outro violão meu, ainda nos anos 90. No caso, tratava-se de um violão convencional, de corpo de madeira, que de fato poderia parecer um trambolho dentro da cabine. Por isso, quando comprei meu primeiro Frame, achei que meus problemas tinham acabado. Doce ilusão...

Essa situação é recorrente com músicos, e até mesmo as baquetas do Tutty já foram proibidas de entrar num avião, sob o pretexto de que poderiam ser usadas como arma em caso de sequestro. Com violões, a implicancia é antiga. Por isso mesmo não me espantei com o email que recebi hoje de um amigo. Conta a história de um músico americano que teve seu violão quebrado num voo da United Airlines. Depois de um ano (!) tentando em vão que a companhia assumisse a responsabilidade, ele produziu com os músicos da banda um clipe barato e hilário, com a canção intitulada  "United Breaks Guitars". Um hit instantaneo, com mais de 4 milhões de acessos na internet. Consta que a indigitada companhia aérea já tentou negociar de todas as formas a retirada do clipe do youtube, sem sucesso. Bem feito.

Vejam aqui o clipe e depois me contem: 
http://www.youtube.com/watch?v=5YGc4zOqozo


segunda-feira, agosto 03, 2009

concursos, parte II

                 (no estúdio, com Clarinha e Aninha, 1980)

Pois.

Continuando o assunto 'festivaias', eis que depois de algumas passagens mais ou menos bem-sucedidas por outros eventos _ sim, eu tinha 19, 20 anos, e não ia me intimidar por tão pouco... Não era 'coragem' nem 'raça' (quem me dera!), mas simples ingenuidade, irresponsabilidade de juventude. E assim foi que em festivais posteriores 'defendi' músicas de amigos como Toninho Horta, Danilo Caymmi, Helcio Costa (irmão de minha amiga Sueli), Nelson Angelo e outros de quem não me lembro. E minhas também, como 'Copacabana Velha de Guerra', já mencionada em outro post, que apresentei no famoso FIC, o Festival Internacional da Canção, feito pela TV Globo, que rivalizava com o da TV Record em importancia. Era o Maracanãzinho de novo, mas desta vez até que não me saí mal.

(o arranjo do festival, respondendo ao Renato, foi do Luiz Eça, que também fez o arranjo da gravação de estúdio)

Havia festivais para todos os gostos, de que todo o mundo participava: festivais universitários, televisivos, interioranos, de cidades menores como Juiz de Fora (onde, novamente com o Momentoquatro, tive bastante sucesso cantando 'Litoral', de Toninho e Ronaldo Bastos) ou cidades maiores como Belo Horizonte  _ neste, em 1969, eu e Toninho ficamos em 5º lugar com a música dele, "Yarabela", e seria _ o festival, não "Yarabela" _ talvez o marco inaugural de um movimento que dali a dois anos estaria imortalizado em disco, com o título de uma das canções concorrentes: "Clube da Esquina". Ali também conheceríamos pela primeira vez dois talentosos garotos beatlemaníacos de 17 anos, Lô Borges e Beto Guedes. Só na hora em que pisaram no palco o público descobriria que se tratava de dois rapazes, pois a apresentadora anunciara "as compositoras Helô Borges e Beth Guedes". Coisas da época.

Passou o tempo dos festivais. Casei, tive filhas, dei um tempo na música, depois me separei e voltei a me entender com meus sons. Eu largara a música, mas a música não me largara, e assim viajei pela Europa e pela América do Sul com Vinicius e Toquinho, gravei na Itália, voltei ao Brasil, fiz parte do Academia de Danças com Egberto Gismonti, fui para Nova York e gravei lá também... A vida continuava.

E eis que voltando ao Brasil em definitivo, já casada de  novo e com mais um bebê em casa, assinei um contrato com a EMI-Odeon para gravar um disco todo meu. A compositora estava bombando, eu estava tendo minhas músicas gravadas por todo o mundo que importava naquele ano de 1979 _ Elis, Milton, Ney, Bethania, Nana e mil outros mais. A gravadora achou que valeria a pena me contratar, e em janeiro de 1980 entramos em estúdio para gravar o que seria meu disco-emblema, "Feminina".

Entre as músicas do repertório havia uma berceuse (letra minha sobre música de Mauricio Maestro) feita durante a temporada na Itália, com saudades de minhas (então) duas meninas, que estavam no Brasil com a avó. E eis, mais uma vez, que a Globo resolveu patrocinar um novo festival. Eu não tinha a menor ilusão a respeito, nem pretendia fazer mais parte daquilo. Mas por insistencia da gravadora, topei inscrever uma música. Só que praticamente todo o repertório do 'Feminina' já havia sido gravado por algum outro artista antes _ 'Mistérios' por Milton e Boca Livre, 'Feminina' pelo Quarteto em Cy, 'Da Cor Brasileira' por Bethania, 'Essa Mulher' por Elis, e por aí vai. Não havia mais quase nada inédito que pudesse ser inscrito. Sobraram "Aldeia de Ogum', um tema instrumental, sem letra, que não poderia, por motivos óbvios, participar _ e minha despretensiosa berceuse, 'Clareana'.

(Nessa hora os escritores americanos fazem uma pausa dramática e dizem "o resto é história". Vou pular essa parte.)

E vamos ao Maracanãzinho, já na final do festival MPB-80. A esta altura, 'Clareana ' já era um sucesso nacional, que pipocara espontaneamente desde a primeira apresentação nas eliminatórias. Tocava direto no rádio (o famoso jabá ainda não havia se tornado uma instituição semi-oficial), eu aparecia em todos os programas de TV, enfim, era sucesso real e absoluto, um legítimo sucesso pop. Pelas razões erradas, talvez, pois não refletia exatamente a minha música, mas era.

Na véspera da final eu estava passeando com minha filha menor na pracinha perto de casa, quando encontrei meu vizinho Oswaldo Montenegro, também concorrente. E tivemos uma conversa engraçada. Eu disse, e ele concordou, que esperava sinceramente não vencer o concurso, para não ficar com o estigma do festival na carreira, que a música que eu queria fazer não tinha nada a ver com aquilo tudo (e ele dizendo "eu também acho, eu também acho"...), enfim, um papo bem alternativo mesmo.

Corta pro Maracanãzinho na noite seguinte. Quando meu nome foi anunciado, o ginásio veio abaixo _ e desta vez, de aplausos. Na hora em que subi ao palco, lembro claramente que pensei mais ou menos o que Julia Roberts disse quando recebeu um Oscar: "vou aproveitar ao máximo este momento, que não sei se irá se repetir na minha vida". E assim, em vez de ficar fria e fazer uma apresentação profissional, deixei deliberadamente que a emoção tomasse conta de mim.

E deu no que deu: a acústica traiçoeira do Maracanãzinho, uma briga que estourou de repente nas arquibancadas, com parte da platéia chamando a polícia, a orquestra que não se ouvia, o som do meu violão que também tinha sumido _ e lá se foi por água abaixo a maravilhosa apresentação. Entrei totalmente em outro tom, um desastre quase completo, salvo pelo pessoal do Viva Voz, grupo vocal que me acompanhava na canção. Na segunda vez, retomei o tom correto, mas o mal já estava feito. Só que, incrivelmente, ninguém reparou. A canção conquistara o público de tal modo que minha péssima performance passou despercebida, ainda bem. Posso dizer em minha defesa que foi a única vez que isso me aconteceu, embora aconteça com frequencia nas melhores famílias. Mas foi o suficiente para me deixar chateada. Eu sabia que não tinha ido bem. E aprendi outra lição para a vida: emoção sem controle no palco _ evite.

PS- O festival foi vencido por meu vizinho, o que muito me aliviou na ocasião, mas não adiantou nada: até hoje tem gente que pensa que quem ganhou fui eu.