segunda-feira, junho 24, 2013

Democracia 2

Tenho tido pouco tempo para escrever aqui no blog, ocupada com viagens e o lançamento brasileiro do 'Tudo' por estes dias. As primeiras resenhas têm sido super favoráveis, o que muito me alegra - estou habituada a resenhas super favoráveis no exterior, mas aqui sempre dá uma alegriazinha a mais... Afinal é um trabalho gestado, pensado e gravado aqui mesmo. E fala diretamente pro Brasil - ou, pelo menos, essa é a ideia.

Mas foi irresistível pra mim postar esta foto dos meus 20 anos ("ah, que saudades que eu tenho da minha vida futura...", como disse meu parceiro Ronaldo Bastos) na mítica passeata dos 100 mil, em 1968. Sobre as passeatas daquele tempo, escrevi um capítulo do meu livro, 'Fotografei Você na Minha Rolleiflex'. Mas o fato é que estávamos todos ali, todas as gerações - vejam Vinicius logo ali, atrás de mim. Chico e Zé Rodrix também presentes nesta foto (aliás, acho que a pessoa que fez esta foto queria mesmo era mostrar a participação do Chico na passeata, nós outros saímos meio de papagaios de pirata do nosso amigo. Já naquela época era assim). Mas havia muitos mais de nós ali. Éramos nós todos. Todos mesmo.

O que quero aqui dizer, voltando aos nossos dias, é que há um abismo social profundo nas manifestações de agora, que naquela época parece que não se mostrava tanto. Há uma classe média, estudantes, gente cheia de boas intenções, querendo manifestação pacífica. E o povo das periferias, descarregando a raiva, como lemos em alguns depoimentos, alguns impressionantes e assustadores, principalmente em Sampa (segundo um dos depoimentos que li, 'a verdadeira cidade partida'). Eram os pobres, pobres mesmo, les miserables, invadindo as Lojas Americanas e Marisa em SP e quebrando tudo ou saqueando, como vimos na semana passada. Entrando naquele território de felicidade/consumo sem a presença dos seguranças para reprimir. Embora repressão, a oficial, não tenha faltado, nem lá nem cá.

Neste fim de semana, tocando no SESC Belenzinho, que fica na Zona Leste de SP, demos de cara com o anúncio de uma promoção numa concessionária: compre seu BMW por apenas R$799.900,00. Ficamos imaginando um motoboy de periferia que passasse por ali, teria vontade de quê?

A raiva e a fome é coisa dos home. Aí é que mora o perigo. Cidadãos inteiramente loucos, com carradas de razão. São Sebastião crivado, nublai minha visão na hora da grande fogueira desvairada. Meu Deus, como as canções profetizam.

A gente quer viver uma nação, a gente quer é ser um cidadão. Simples assim.


domingo, junho 16, 2013

democracia

Este post é dedicado àquela menina de 20 anos que queria mudar o mundo.

Em 1968, quando foram feitas as fotos acima, eu estudava jornalismo na PUC e ao mesmo tempo lançava meu primeiro LP, com composições minhas e de alguns amigos. Tinha eu 20 anos de idade, participava dos protestos e das passeatas e estava engajada nas mudanças que (sonhava nossa geração) haveriam de vir. E elas vieram, à custa de anos e anos de lutas, censura, exílio, prisões-  e, para alguns, torturas e morte. Finalmente a democracia se impôs. Mas que democracia?

"Democracia", leio hoje, "não é cada um falar o que quer: é aprender a ouvir o outro". Bravo, apoiado. E leio mais: "Um país onde a política econômica é toda voltada apenas para o consumo individual tem alguma coisa de muito errado". "Vandalismo é não ter vaga nos hospitais públicos, destruição é o que acontece quando uma família perde um filho para a violência, violência é o salário que se paga ao professor". "Nossos sonhos valem mais que 20 centavos". Tudo isso e mais um pouco.

Hoje penso que nossa geração foi traída em seus sonhos, e tenho portanto a obrigação de me solidarizar com a juventude que ocupa as ruas, pois essa responsabilidade também é nossa. Perdoe, rapaziada, se não fizemos melhor. Lembro de um antigo quadrinho do cartunista argentino Quino, criador da maravilhosa Mafalda nos anos 1970: ela tinha uma amiguinha que se chamava Libertad e era a menorzinha da turma. "Libertad, por que eres tan pequeñita?" - ela perguntava. E é isso. As liberdades, as verdadeiras, são sempre pequeninas. Cabe a nós testar estes limites, hoje mais do que nunca, diante dos sustos nossos de cada dia. "1984" (releiam Orwell!) está acontecendo ao vivo e a cores no mundo.

E o mundo está mesmo me deixando perplexa.


segunda-feira, junho 03, 2013

Tudo vem chegando

Esta é uma das fotos de Leo Aversa para a divulgação do 'Tudo', que está saindo - finalmente! - agora em junho, pela Biscoito Fino, aqui no Brasil. Infelizmente a história se repete e o Brasil recebe por último um trabalho que foi gravado e gestado aqui mesmo. Mas pelo menos vai chegar! Diferentemente de outros trabalhos meus, como 'Delírios de Orfeu', 'Hard Bossa', 'Celebrating Jobim' e outros, que só saíram no exterior. E com a vantagem de ter sido democraticamente escolhido pelo próprio público, em votações ao vivo e pela internet, que rolaram em janeiro e fevereiro.

Esta é uma situação recorrente na minha vida, e não vai aqui nenhuma queixa: por enquanto, está muito bem assim. Bem melhor do que ficar refém de editais e patrocínios, ou mesmo de coisa nenhuma - ficar no chamado ostracismo, no limbo, no esquecimento absoluto, o que levaria, é claro, à total depressão, como já vi acontecer com frequência a talentosos colegas de geração. É preciso estar atento e forte, ter muita certeza do que se quer. O mundo é grande, tanta música no mundo, tanto mundo pra nossa música percorrer, e como temos percorrido! 'Que sorte, se a vida carimba o passaporte/ quem sabe o que quer fica mais forte/ e diz com certeza que valeu...'

PS - Amigos ontem nos contaram como foi a estreia do novo Maracanã, com 'animadores de torcida' - e precisava? - e trilha sonora à base de funk e sertanejo universitário. Preços estratosféricos para os infelizes geraldinos (acabou a geral!). É a gentrificação do futebol. Dá-lhe, Brasil.