domingo, abril 29, 2012

outono em Praga


Voz e violão é bom demais, adoro! É o chamado 'prazer solitário' - e por isso mesmo tem de acontecer em circunstâncias pra lá de especiais. Muito de quando em vez, para não banalizar o que pode ser um momento sagrado ou virar um 'som de barzinho' (sem nenhum desdouro para os que o fazem, pois conheço muitos artistas de primeira que atuam nesta condição - mas que é dureza, lá isso é...) Por isso mesmo, raramente faço essa escolha.

E eis que me surgiu um convite, a partir do meu CD 'Rio' (que foi gravado neste formato, mas ainda não saiu por aqui - apenas no exterior) para participar do festival Strings of Autumn, em Praga, na República Tcheca.

Eu já tinha me apresentado por lá, com banda, há uns anos atrás. Mas tinha sido num clube de jazz, um espaço diferente. Voz e violão é um formato que requer um teatro - ou então, ao ar livre, para muita gente, como o show que fiz em 2010, na Praia de Ipanema, e que deu origem justamente a este CD.

No caso deste festival, o show vai acontecer no Estates Theatre, um lindíssimo teatro do século XVIII, onde, fico sabendo, Mozart realizou a primeira audição de sua ópera 'Don Giovanni'. Não poderia ser mais bacana, por isso aceitei com muita alegria o convite dos organizadores.

E segue o link!
http://www.strunypodzimu.cz/en/joyce-moreno

PS- da nossa primeira estada em Praga, impossível esquecer a volta, quando a van que nos levava para o aeroporto, com motorista alemão, se perdeu no caminho. Já estávamos nos vendo perdendo nosso voo (e o show do dia seguinte), quando passou um Boeing lá no alto, e o Tutty teve a ideia brilhante de dizer ao motorista: "siga aquele avião!" E não é que deu certo?


terça-feira, abril 24, 2012

África


Estive na África, de passagem, algumas poucas vezes, em conexões aéreas, sempre indo para algum outro ponto do planeta. E, para valer, no ano 2000, quando participei com minha banda do Arts Alive Festival, em Johannesburg, na África do Sul. Um evento que congrega músicos de todo o continente, e para o qual fui convidada como um dos representantes brasileiros da diáspora africana - apesar dos meus 50% de DNA europeu, visto que sou filha de dinamarquês com brasileira. Mas a lição dos organizadores foi brilhante: a cor da pele não contou para que o convite fosse feito, e sim o que a música lhes dizia. Depois de anos de apartheid, e com a maioria negra finalmente no poder, foi surpreendente - e lindo.

(aliás, foi uma pergunta que fizemos à promotora local do show que veio nos receber, uma moça de origem indiana: como nos classificariam lá? Ela olhou para Teco Cardoso e Mauricio Maestro, e imediatamente disse: "brancos". Para Beth Bessa, nossa então produtora, que é mulata: "colored". Depois olhou para mim e para o Tutty, na nossa morenice tipicamente brasileira, pensou, pensou, e finalmente respondeu: "vocês dois, não sei. Não tem essa mistura por aqui")

Foi uma das viagens mais maravilhosas e interessantes que já fizemos, e que também serviu para entendermos que há muitas Áfricas dentro da África. Li hoje o artigo cujo link vai abaixo, no site da BBC News, e gostei muito. Nele, o autor (africano, do Kenya) questiona a imagem que o mundo ocidental faz da África. É para ler e pensar.

http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-17814861

PS- na foto, ao meu lado, dois grandes músicos sul-africanos: Sybongile Khumalo e Cypho 'Hotsticks' Mabuse.


sábado, abril 21, 2012

entre amigos


Há exatamente uma semana atrás, tivemos um encontro delicioso em Ipanema, com amigos antigos e outros um pouco mais recentes. Foi organizado por Marcos Valle e sua Patricia - ele que estava fazendo show aqui no Rio ao lado da maravilhosa (e muito gracinha) Stacey Kent. Na foto conosco, Stacey e o saxofonista inglês Jim Tomlinson, marido dela.


Foi uma noite ótima, cheia de alegria, ainda mais para quem, como nós, tivera uma manhã de grandes emoções no mesmo dia, ajudando a espalhar as cinzas de uma amiga querida recentemente falecida. Duas faces da mesma coisa, que é simplesmente a vida. Alegria e tristeza (serenas, ambas) no mesmo espaço de 24 horas.


Aqui está o famoso tout le monde presente, faltando ainda Paula e Jaquinho Morelenbaum, que chegariam mais tarde, e mais alguns amigos de passagem: na foto, além de nós dois, Stacey, Jim, Marcos, Patrícia, Menescal, Ronaldo Bastos e Emílio Santiago. Como brincou Marcos, "parece formação de quadrilha". E é: uma quadrilha que trabalha pela beleza e pelo bem, bien sûr. Neste caso, concordo com ele. Paz, amor e som!


quinta-feira, abril 19, 2012

são tantas emoções


Foi um dos shows mais emocionantes que já fiz na vida. Ainda mais quando me deparei com Jeanne (ex-mulher e musa do Sidney, a cujo casamento assisti, lá no passado remoto dos meus então 19 anos...) sentada na primeira fila, com os filhos, a neta mais velha, e, pelo que vi mais tarde, a mãe idosa dele, levada pelo o irmão mais novo. Quase engasguei de emoção, mas consegui me segurar, felizmente, ou teria estragado um show tão lindo. O IMS lotado há vários dias, as pessoas chorando emocionadas pela força daquele repertório e pela certeza de que ele ainda teria feito muito mais - como disse depois pra mim a grande Soraya Ravenle, "o que esse homem estaria fazendo agora?" É o que me pergunto também em relação a Elis, Tenório Jr., Cacaso e outros geniais amigos e contemporâneos meus que partiram cedo demais.

Um artista atinge sua maturidade completa a partir de uma certa vivência, depois de certa quilometragem. Nem todo mundo é Rimbaud, mas mesmo ele certamente teria se tornado um poeta ainda maior, caso não houvesse desistido 'dessa bobagem de poesia' no meio do caminho. Até Elis, que parece ter nascido pronta, certamente ainda estaria dando infinitas alegrias ao Brasil e ao mundo, que ela não chegou a conquistar como merecia - ela que foi, e continua sendo, a maior de todas as cantoras brasileiras de todos os tempos (eu ia dizer 'a maior de todas nós', mas depois me lembrei de que não sou cantora, sou uma compositora que canta, portanto me incluo fora dessa lista. E, no meu caso pessoal, tenho a convicção de que meus trabalhos foram 'amadurecendo' a partir de um certo momento da vida...)

Ao final do show, no momento do bis, que seria livre e onde caberia qualquer coisa que quiséssemos, até mesmo do meu próprio repertório, optei por fazermos uma espécie de 'baile do Sidney' - não no sentido dançante da coisa, mas no sentido da falta de ensaio mesmo, da improvisação. E foi assim que Alfredo e eu cantamos mais 5 músicas que não estavam no programa, a maioria do repertório póstumo, que foi descoberto e/ou gravado depois de sua partida. E assim foi que cantamos, pela ordem: 'Me Dá Um Dó', 'O Navegante', 'Nós, os Foliões', 'Pois É, Pra Quê', e finalmente, para encerrar com alegria e leveza, 'É Isso Aí'.

No mais, depois de uma noite de tantas emoções e alegrias, resta apenas lamentar que parte da imprensa que cobriu nosso evento se preocupe mais em esmiuçar a causa mortis do Sidney do que em falar na grandeza de sua obra.

E na foto acima, pós-show, estou ladeada pelos queridos Pedro Paulo Malta, Soraya Ravenle, Pedrinho Miranda, e, bem à minha esquerda, Alfredo Del Penho, que foi um maravilhoso parceiro nesta aventura milleriana.


sábado, abril 14, 2012

O Navegante

Como até terca-feira próxima estarei mergulhada na obra do meu amigo Sidney Miller, não tenho pensado em outra coisa. A ideia realmente é fazer apenas o repertório do primeiro LP dele, mas há coisas que ele não chegou a gravar que precisam ser mais conhecidas.

Numa entrevista que dei sobre o show, não pude deixar de mencionar que muitos autores da mesma geração são conhecidos como 'malditos', o que em absoluto não é verdade: Macalé, Mautner, Itamar Assumpção, Tomzé - todos têm e tiveram visibilidade para suas obras. Sidney, não. O verdadeiro 'maldito' (se é que isso existe) é ele, coberto por um manto de silêncio injustificável.

Divido com vocês uma dessas maravilhas, que não tem registro na voz do autor. A gravação no link abaixo é de Zé Renato com o grupo português Trinadus:
http://www.youtube.com/watch?v=bmt-72kv2Sw

O Navegante

(Sidney Miller)

Quero um montão de tábuas


E um motor de pano


Pra passear meu corpo


E adormecer meu som


Na esburacada estrada do oceano

Aportarei meu barco apenas de ano em ano


E onde houver silêncio


Eu ficarei cantando


Pra não deixar morrer o gesto humano

Entenderei as águas e os peixes passando


E se me perguntarem pra onde vou e quando


Responderei


Apenas navegando


Apenas navegando

Embarcarei comigo o feminino encanto


Pra que não falte à vida quando for preciso


Uma razão mais forte que o espanto


Mais forte que o espanto

Semearei meu sangue, 


Meu amor, meu rosto


Pra que depois de mim eu possa estar presente


Entre as canções que eu não houver composto

Naufragarei um dia


Em pleno mar sem dono


E submerso em lendas como um visitante


Entre os recifes dormirei meu sono


sexta-feira, abril 06, 2012

Sidney Miller

Eis aí o flyer do show em que irei cantar as canções do primeiro LP do querido Sidney Miller, lançado pela Elenco em 1967. É uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, que de tempos em tempos apresenta algum disco clássico, geralmente com a presença do artista que gravou, cantando e sendo entrevistado para falar do trabalho em questão.

No caso do Sidney, isso é impossível (e por isso mesmo estarei lá para representá-lo, espero que bem), já que ele morreu em 1980, aos 35 anos, em circunstâncias misteriosas, deixando uma obra pequena e apenas 3 discos gravados. Isso significa que ele tinha somente 22 anos quando compôs e gravou grandes canções como 'O Circo', 'Pede Passagem', 'A Estrada e o Violeiro', 'Menina da Agulha', 'Maria Joana' e outras tantas que estão neste seu primeiríssimo lançamento.

Pessoalmente, eu gostaria de mostrar também outras coisas posteriores de sua obra, como as músicas que fazem parte do segundo LP, 'Brasil, Do Guarani ao Guaraná' - outras grandes canções, como a linda e depressiva 'Pois É, Pra Quê', a divertida e crítica 'Maravilhoso' (nesta, ele anuncia premonitoriamente a futura sociedade guiada pela TV em que hoje vivemos), a linda modinha 'Seresta' (na emocionada interpretação de Jards Macalé, que na época também compunha modinhas belas e tristíssimas)... Ou ainda sucessos gravados por outros artistas, como 'Alô Fevereiro', 'É Isso Aí' ('Isso é Problema Dela') e 'Nós, Os Foliões' (esta gravada divinamente por Paulinho da Viola'). Mas não é esse o mote do show que vamos fazer, e sim manter o foco no repertório integral de um único disco.

(Importante mencionar aqui que convidei o jovem e talentoso Alfredo del Penho para ser meu par neste show, já que este primeiro disco de Sidney tinha como um dos pontos altos seus duetos com Nara)

Sidney nunca foi um artista de sucesso, pelo contrário: era um tímido incurável. Era avesso às luzes do palco, diferentemente de outros colegas de geração - Caetano, Paulinho da Viola, Macalé, todos amigos seus. A timidez era tanta que, num show que fizemos juntos em 1968 (que também tinha no elenco Gutemberg Guarabyra e o Momentoquatro), ele conseguiu convencer o diretor, Paulo Afonso Grisolli, a deixá-lo cantar o show inteiro dentro da cabine de luz, fora das vistas da plateia, no último dia da temporada.

Suas músicas tinham um sabor meio antigo, numa hora em que todo o mundo queria reinventar a música popular brasileira. Talvez por isso ele tenha passado despercebido em vida, apesar de no começo da carreira ter sido muito comparado a Chico Buarque, ambos lançados pela mesma Nara Leão. Chico iria logo dar uma reviravolta a partir de 'Roda-Viva' (a canção e a peça), enquanto Sidney aparentemente ficava para trás e se deixava vencer pela doença do alcoolismo, que não dá trégua a ninguém e requer muita fé, força e ajuda externa para que se saia dela. E foi assim, numa fase difícil da vida, que ele acabou partindo antes da hora.

Porém, ai, porém... há um culto secreto a Sidney Miller pelo ar. Há toda uma geração de jovens cantores e compositores que se interessa pela obra dele, que tem sido regravada por novos artistas como Roberta Sá, o grupo Casuarina e, bem próximo a mim, minha filha Ana Martins. E a partir do momento em que se anunciou meu show no IMS cantando sua obra, o comentário foi geral, com imprensa e redes sociais noticiando, gente pedindo convites, telefonemas, emails, uma repercussão inesperada, que apenas atesta que existia um desejo contido de que a obra deste 'jovem mestre' (no dizer de Ruy Castro) fosse revista nos dias de hoje.

Pois então, vida longa à obra deste amigo querido! e que eu possa estar à altura da tarefa que me foi proposta.
("Ouça bem o que eu lhe digo/ vá cantar um samba antigo/ pra entender o que há de novo" - trecho de 'Argumento', de Sidney Miller)