sexta-feira, março 21, 2014

seguindo em frente

Sim, a coisa aqui tá esquisita. Ando assustada com o Rio, e numa visão mais geral, com o Brasil como um todo. Também me assusta o futuro do mundo, mas temos opção? Não? Então é seguir em frente, fazendo o que sei fazer. Saindo daqui a pouco pra NY, outra das cidades que amo, pra gravar um aventuroso projeto com meu amigo Kenny Werner, que nenhum de nós dois sabe no que vai dar.

(Quem quiser ter uma idéia do quão aventuroso pode ser, procure a gente no YouTube, quando dei uma canja num show dele aqui no RJ. É trapézio sem rede, direto)

Enfim, que a música nos redima de todos os pecados que não cometemos. Que todos nós, os músicos que ainda falamos este idioma perdido, quase língua morta, que é a Música Criativa Brasileira, possamos continuar lavando com nosso suor e lágrimas, com nossos tons e sons, a imagem arranhada do Brasil lá fora. Tarefa que cumprimos com prazer, e sem esperar recompensa.

Que só virá quando o Brasil merecer a música que tem.


quarta-feira, março 19, 2014

Cidade Maravilhosa, parte 2

Hoje tenho que gravar um depoimento sobre o Rio para a TV japonesa. Terei coração pra fazer isso? Posso dizer aos que irão me assistir que a minha cidade é maravilhosa?
Diante dos últimos acontecimentos - a morte infame de Claudia Ferreira da Silva, mãe de família, moradora de uma comunidade (eufemismo criativo que achamos para substituir a palavra 'favela'), jogada num porta-malas e arrastada por um carro de polícia, depois de ter sido baleada quando saía para comprar pão - repito, diante de acontecimentos como esse, tudo empalidece. 
Estou mais uma vez de saída, indo gravar em NY. Mas deixo aqui, para reflexão de todos, o texto da querida Maria de Moraes (filha de meus amigos amados, Vinicius e Christina, e tão atenta quanto eles foram).
Pois que a babá tão querida, ótima profissional, que nos ajuda a criarmos nossos filhos, mora na favela. O garçom, há décadas tão gentil e querido, mora na favela. A moça da padaria que nos dá bom dia, mora na favela. A esteticista, que deixa as unhas das mocinhas bonitas, mora na favela. A faxineira doida e fanática por limpeza, que deixa a casa um brinco, mora na favela. O inspetor que cheio de cuidados liga quando o filho está com febre e o ajuda a se comportar na escola, mora na favela. O mensageiro da firma, rapaz bonito e educado, cumpridor do seu dever, mora na favela. O barraqueiro que guarda a última cadeira de praia para você, mora na favela. A filha dele, que trabalha desde os 8 anos, ajudando o pai, que te serve o coco, a cervejinha, ao gosto do freguês, mora na favela. O policial também mora na favela. O compositor dos sambas tão bonitos, o avô, o pai e o filho, moram na favela. Todos explorados, todos ignorados, muitos assassinados, chega! Chega de tratar bárbara e estupidamente quem nos trata tão bem, sempre recebendo menos, ou nada, com indiferença. Somos todos matéria humana, 99% gente trabalhadora, explorada, vivendo sem esgoto pra bem servir á nação. O Rio é uma favela, favela é lugar de gente de bem, que se acostumaram em ter que abaixar a cabeça para bandido, polícia, patrão. Chega de tanto horror.