Raízes
Acho que já mostrei aqui a capa do novo CD, 'Raiz', que está sendo lançado no Japão e que é, no momento, minha prioridade. Já comentei no FB sobre algumas perguntas engraçadas que recebi de jornalistas de lá, sobre o fato de este CD ser - e ao mesmo tempo, não ser - um CD de bossa-nova. Pois o repertório é quase todo bossanovista, já que a proposta era revisitar as raízes musicais de minha adolescência. Mas a maneira de fazer é minha mesmo, muito pessoal, e não poderia ser de outro jeito. Como comentei, já existem pessoas maravilhosas fazendo bossa-nova clássica há 50 anos, e eu não sou uma delas. Então, claro, fiz do meu jeito mesmo.
Outra questão que me foi apresentada pela imprensa japonesa: o CD abre com a 'Copacabana', de Braguinha e Alberto Ribeiro, e até aí fica fácil entender, pois Copacabana é o bairro onde nasci e me criei, na aprazível e (ainda) tranquila localidade do Posto Seis, divisa com Ipanema. Mas fechar o CD com a desconhecida - e linda - 'Canto de Yansan' meio que confundiu o pessoal. Uma canção que Mario Adnet e Phillipe Baden Powell descobriram no fundo do baú, e gravaram no projeto 'Afrosambajazz'. E pela qual me apaixonei, de cara.
E vem a inevitável pergunta: você é do candomblé? Não, não sou, embora respeite muitíssimo as tradições afro-brasileiras. Cantei com toda a alma de que dispunha naquele momento, porém, em primeiro lugar pela beleza da canção de Baden Powell e Ildásio Tavares, um afro-samba que não fez parte da série de Baden e Vinicius, justamente por não ser de Vinicius. Ildásio Tavares, falecido poeta baiano e profundo conhecedor do candomblé, escreveu esta letra, cuja autenticidade no glossário fiz questão de pesquisar, falando do momento da tempestade, do encontro do raio com o trovão, ou, nas palavras dele, 'o casamento de Xangô e de Oyá'. Oyá sendo um dos nomes de Yansan, ou Iansã, como quiserem.
Em segundo lugar, cantei porque, num momento em que as tradições afro-brasileiras têm sido ameaçadas pela intolerância religiosa de alguns grupos evangélicos, inclusive de forma violenta, com invasões e destruição de templos, me pareceu pertinente relembrar a beleza destas tradições, que fazem parte da nossa cultura e a enriquecem muito mais do que alguns dos pavorosos hinos gospel, de inspiração norteamericana-brega, que a gente ouve no rádio dos taxistas de vez em quando, e que parecem pautar o novo jeito de cantar dos brasileiros, pelo que se vê em programas como The Voice Brasil'.
A mitologia do candomblé é belíssima e merece ser preservada. Está todinha no lindo CD 'Áfrico', de Sérgio Santos, com letras de Paulo César Pinheiro (nenhum dos dois é adepto da religião, diga-se). Está nos afro-sambas de Baden e Vinicius, claro. Está em gravações de Bethania, Caetano, Gil, está na obra de Caymmi (como esquecer a 'Oração a Mãe Menininha'?), faz parte da cultura brasileira. Somos quem somos. Por isso, embora não sendo pessoalmente adepta desta crença, quero ajudar a preservá-la para as gerações futuras, do jeito que me for possível. Pra que o Brasil possa ainda conhecer o Brasil, ainda que através de um modesto disquinho meu, feito por encomenda do Japão.