quarta-feira, agosto 27, 2008

lá vamos nós de novo...


Enquanto o pau come no mundo, enquanto no Brasil as eleições municipais se aproximam (tema para um próximo post???), enquanto a convenção democrata que confirma Barack Obama rola em Denver _ mas logo lá??? onde tivemos péssima experiência, êta cidadezinha esquisita, quando o assunto é racismo! _ enquanto Roberto de Oliveira e sua genial equipe finalizam meu novo DVD, enquanto a coruja dorme.... lá vamos nós de novo pro Japão, ôba!

A banda é quase a mesma do ano passado, sai Rodolfo e entra Jorge Helder, mas eu, Tutty e Helio Alves continuaremos a postos. Vai ser divertido com certeza. Nos falamos na volta... e até jazz!

PS- e foi-se Stella Maris, encontrar com seu Dorival. Como ele mesmo tinha dito a ela, ainda no hospital: "não se preocupe, que aonde você for, eu vou estar lá..."


domingo, agosto 24, 2008

Caymmi visita Tom

Foi esse o título da canção que me veio, ainda sob o impacto da perda "de mais um pai" (como disse nossa amiga Luciana Rabello, na missa de 7º dia de Dorival). Contamos sobre a música nova para o Dori, e ele na mesma hora se lembrou do subtítulo do LP original, de 1963, produzido por Aloysio de Oliveira: 'Caymmi visita Tom (e leva seus filhos Nana, Dori e Danilo)'. E já saiu falando' eu não quero ir nessa visita não'. Dori perde a canção, mas não perde a piada.

Nem era essa a intenção, cruzes. Ninguém vai levar ninguém tão cedo. Mas a canção ficou pronta, fiquei feliz em fazê-la e a divido com vocês aqui. Um samba em 3/4 (aos leigos: não é três-quartos, mas três por quatro, o compasso):

Caymmi visita Tom
Os dois são homens do mar
A onda se ergueu
O tempo virou
A praia pode esperar

Navio na Codajás*
Coqueiro em Itapoã
A onda se ergueu
A terra tremeu
Foi samba até de manhã

Um homem adormeceu
Sonhou com as terras de lá
Fez sua cama de rei
No colo de Iemanjá

Caymmi visita Tom
Jangada saiu pro mar
A onda se ergueu
A noite envolveu
O tempo mandou buscar

* Rua Codajás, no Leblon, onde Tom tinha uma casa em forma de navio no final dos anos 60/ início dos 70, ainda casado com Teresa, e que nossa turma freqüentava assíduamente. Não foram poucas as vezes em que liguei de lá para minha mãe, por volta das 7 da manhã, dizendo 'mãe, tá tudo bem, não se preocupe que eu estou na casa do Tom'. E ela se tranqüilizava mesmo, pois sabia que o ambiente era totalmente família...


quinta-feira, agosto 21, 2008

mais fotos da Dinamarca

Neste post, apenas imagens com legendas, relativas ao que contei abaixo no post de ontem. Acima, a letra de 'O Sapo', de Donato, escrita de forma a ser compreendida e cantada pelos alunos. Eles adoraram essa!

Final de concerto, os professores confraternizando: eu, Watts e Per, com Miroslav ao fundo.

O organista americano Sam Yahel em ação.

Yussef sings the blues (atrás dele, seu assistente, Adam Rudolph).

Na sala de aula, com meus alunos e alunas _ na foto, as cantoras Sille e Mai, a saxofonista e flautista Christina e o também saxofonista (sueco) Tomas. A outra metade do grupo encontra-se do outro lado da sala.
Todas as fotos feitas pelo saxofonista e flautista Pelle Fridell, também aluno desta turma.


quarta-feira, agosto 20, 2008

free na dinamarca

E olha eu lá com meus colegas, todos também dando aulas e workshops na Summer Session Clinic em Vrå, na Dinamarca: ao meu lado, meio escondido, o trompetista e vocalista norueguês Per Jørgensen; no contrabaixo, uma lenda do jazz dos anos 70, membro fundador do Weather Report, o tcheco Miroslav Vitous; na bateria, Jeff ‘Tain’ Watts’, que dispensa apresentações. E ocultos na foto, porém presentes, o jovem organista de NY Sam Yahel, e o inacreditável, aos 87 anos, flautista e saxofonista Yussef Lateef (com seu assistente, o percussionista Adam Rudolph).

Esta foi a noite do concerto que nós, professores, fizemos para os alunos. Fiquei meio com um pé atrás, de início: tantos jazzistas juntos haveriam de querer tocar jazz norte-americano, donde eu, brasileira, estaria meio deslocada. Logo na chegada, Per, o norueguês, me procurou: tinha as mesmas preocupacões que eu, e sugeriu que nos apresentássemos juntos num duo `a parte, na abertura do concerto. Como o trabalho dele é todo desenvolvido a partir de música orgânica e criativa, foi fácil acharmos um denominador comum, e rapidamente criamos um formato para a boa e velha ‘Upa Neguinho’, que ele não conhecia, mas de quem ficou íntimo em minutos.

Só que na reunião dos professores para combinarmos o repertório do concerto, surpresa: nenhum deles queria tocar standards de jazz. A começar por Yussef, que foi logo dizendo ‘I don’t do standards.’ Na verdade, a lista das coisas que ele não faz é enorme, pois trata-se de um muçulmano ferrenho, da velha escola _ que entre outras estranhezas, não aperta a mão de mulher, para não tocar em possíveis ‘impurezas’, o que me deixou bastante constrangida no primeiro encontro, ao ficar com a mão abanando diante dele. Depois entendi que era assim mesmo e fui em frente. Mas que é esquisito, é, com todo respeito…

Enfim, Yussef não queria tocar standards, Miroslav não queria tocar walking bass, nada que lembrasse o jazz americano da forma como é conhecido, e os professores mais novos, Yahel e Watts, também disseram que não. Decidiu-se portanto que o concerto seria free.

Free jazz me dá arrepios: respeitosamente, detesto _ quase tanto quanto detesto fusion _ e nunca consegui escutar até o fim um disco de Ornette Coleman. A única vez em que estive num concerto dele, saí na metade, pois sempre chega um momento em que simplesmente acaba o assunto e tudo fica sem sentido, por maior que seja a boa vontade do ouvinte, e o que era para ser música livre vira uma espécie de masturbação coletiva. Com todo respeito, de novo.

Mas quem está na chuva tem de se molhar, e portanto lá fui eu participar de uma free session pela primeira vez na vida. Tá bom, pela primeira vez em público, pelo menos, pois é claro que em ensaios e brincadeiras caseiras rola de tudo. Mas com platéia _ e platéia de músicos, ainda por cima, pois nesses workshops dinamarqueses os alunos são todos profissionais _ foi a primeira vez mesmo.

E não é que deu certo? Acabou rolando música de alta voltagem criativa, e a voz usada como instrumento foi uma boa ferramenta para lidar com isso. Já no finalzinho, quando parecia que iria desandar o bolo, Watts, esperto, puxou uma levada rítmica que imediatamente me remeteu `as levadas daqui, e foi a minha deixa para que o violão entrasse em cena _ e o que era free acabou mesmo em baião, para alegria geral. Essa é a cena que aparece na foto acima. Cada um dá o que tem… e viva o Brasil!

PS- depois de passar toda a semana ‘explicando’ Dorival Caymmi aos meus alunos escandinavos, fazendo analogias entre a música dele e a de Debussy, e demonstrando que sem Dorival não haveria João (Gilberto), chegou a notícia no sábado. A comoção foi enorme, e muita gente que tinha aprendido a entendê-lo e amá-lo pela primeira vez chorou comigo. Eclipse da lua no interior da Dinamarca, tristeza sem fim.


quarta-feira, agosto 06, 2008

dinamarca...

Terra dos vikings: "das planícies geladas e silenciosas/ partiram os temido vikings/ navegando, rumo oeste, mar afora/ descobriram a América antes da hora".. dizia o samba "Noruega, Gelo e Alegria" de Paulinho Machado e Luiz Carlos Sá, samba inventado de brincadeira e que acabou sendo gravado e tocando no rádio nos anos 70. Mas aqui falo da Dinamarca mesmo, aquela terra onde nasceu meu pai, e para onde estarei indo neste sábado.

(a foto acima foi tirada lá, em 1994, quando pela primeira vez estive no país para workshops e concertos. A viking aí em cima é minha filha Clara, na época estudante em Paris, que foi nos encontrar em Copenhagen.)

Pois eis que lá estarei de novo, por uma semana, dando novamente um workshop para os músicos locais. Impressionante o interesse que rola pelo mundo em relação `a música do Brasil. Das outras vezes, estive no conservatório em Copenhagen, e o público-alvo era de estudantes de música _ e ainda assim, já deu pra tomar um susto com o nível altíssimo dos alunos, uma garotada que técnicamente faria sombra a muito bom profissional. Agora, Deus me ajude, estarei dando aulas para profissionais de verdade. Ou seja, ensinando o padre-nosso aos vigários.

Os outros professores que lá estarão também são quase todos jazzistas: Miroslav Vitous, Yussef Lateef, Jeff Watts e outros bambas. Cada um de nós terá uma turma, cerca de 8 alunos especializados em diversos instrumentos. Minha turma tem um pianista, um violonista, dois sopros, duas cantoras, baixo e bateria. Todos querendo aprender sobre a música daqui.

Levo na mala Pixinguinha, João da Bahiana, Caymmi, Clementina, Luiz Gonzaga, para que eles saibam de onde vem esses sons. Levo também Meirelles, Tamba Trio, Edison Machado, Sérgio Mendes, Tenório Jr, os sons do samba-jazz, para que eles e elas possam ver onde essa música foi dar. No meio do caminho, Jobim e João, velhos conhecidos. Muitas partituras, minhas músicas também e muito som, entregando o ouro, sem culpas, aos mocinhos e mocinhas da terra dos vikings.

Sei que será difícil escrever de lá, pois o trabalho vai ser intenso. Mas na volta eu conto tudo.


sábado, agosto 02, 2008

arranjo e orquestração (parte 2)

"Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele" - Antonio Carlos Jobim, 1959.

O belo tipo faceiro que tenho ao meu lado chama-se Johnny Mandel, genial arranjador/ orquestrador/ autor de algumas célebres trilhas sonoras de Hollywood/ compositor de grandes canções do Grande Songbook Norte-Americano, como 'Emily', 'The Shadow of Your Smile' e muitas outras. Esta foto foi feita durante uma visita que fiz `a casa onde ele mora com a mulher em Malibu, California, há uns 4 anos atrás. O tempo voa... Nessa ocasião, tínhamos um projeto em mente, que, por muito caro, não conseguimos realizar. Ficou na vontade.

Ao invés desse projeto, acabei fazendo outro logo em seguida, com meu velho amigo Dori Caymmi, arranjador/ orquestrador/ compositor igualmente de altíssimo quilate, e ainda por cima, cantor e violonista brilhante. Foi um excelente negócio, musicalmente falando, e até hoje os ecos deste trabalho ainda rolam _ volta e meia nos apresentamos juntos, pelo simples prazer que a música nos dá.

Por que falo tanto nesses dois, Johnny e Dori? Porque são arranjadores e orquestradores geniais, mundialmente respeitados, e que igualmente me respeitam como músico que sou. Músico: palavra sem feminino.

Acontece que o fato de eu ser uma cantora (canária, na visão preconceituosa de alguns atrasados, em pleno século 21) me desabilitaria para as funções de arranjadora, que exerço normalmente em todos os meus discos desde 1980. Não me formei na Berklee, não sei dizer exatamente a extensão de cada instrumento de uma orquestra _ e no entanto sei exatamente o que vai e o que não vai soar nos discos que faço. Sei qual será a melhor opção para um instrumento solista e distribuo as vozes dos sopros que irão se misturar com a minha própria voz, num só naipe. Posso criar uma introdução e um desenho rítmico que irá modificar a estrutura de alguma música já por demais batida, caso eu tenha a intenção de regravá-la (fiz isso, por exemplo, na minha gravação de 'Upa Neguinho', em 1998, num arranjo do qual até o autor gostou (Edu é famoso por não gostar de quase nada), ou de 'Sambou, Sambou', que Donato adorou e passou a usar também, sempre que vem tocar comigo). Posso também dar minha contribuição `a harmonia da canção em questão, mesmo que seja só um acorde a mais, que não interfira na estrutura harmônica, mas faça uma graça para o autor. Tenho feito isso a vida toda, e é por isso que não me sinto canária, embora cantar seja o meu maior prazer. Mas a voz é um instrumento, como o violão também é, para melhor expressar uma idéia musical que me venha, seja essa música minha ou não.

E ainda assim, já me aconteceu de um orquestrador, com quem trabalhei diversas vezes ao longo dos anos (não importa quem), utilizar alguns arranjos meus em trabalhos de orquestração dele, sem o devido crédito _ e pelo contrário, assinando o arranjo como se fosse seu, inclusive para trabalhos com outros artistas. Coisa muito feia, que os grandes bambas ali de cima jamais fariam. Como gosto de ter fé na humanidade, quero crer que sendo eu, na opinião deste colega, uma simples canária, ele sinceramente acredita que os arranjos são dele...

"Eu trabalho assim: eu vou aonde você não estiver. Meu trabalho é preencher e colorir os espaços que você deixa na música" (Johnny Mandel, explicando para mim seu método como arranjador)

arranjo e orquestração (parte 1)

Vou entrar aqui num assunto meio polêmico: qual a diferença entre arranjo e orquestração? Para mim, essa diferença é claríssima. Arranjo é quando você define a forma da canção, ou a re-harmoniza, ou a modifica ritmicamente conforme seu gosto, ou ainda a recheia com referencias a outras canções... enfim, tudo o que um músico faz quando pega uma canção e a coloca sob medida para si mesmo(a) ou outro(a). Um trabalho, digamos, de alfaiataria.

Já orquestração é um pouco diferente e envolve um tipo de conhecimento bastante específico: um conhecimento de timbres, instrumentação, escrita musical (de que o simples arranjo pode eventualmente não precisar), enfim, é um trabalho mais técnico, que exige anos de estudo, enquanto o arranjo pode ser feito 'de bossa', pois é um trabalho mais intuitivo, de criação mesmo. Orquestração, dependendo de quem faz, para o bem ou para o mal, pode ser alta costura.

Existem geniais arranjadores/ orquestradores _ já trabalhei com alguns _ e aí você está no melhor dos mundos. Gente como Johnny Mandel e Dori Caymmi, por exemplo, que não só re-harmoniza e recria, como conhece toda a gama de sons de uma orquestra. Por outro lado, o grande Claus Ogerman, pela minha modesta experiencia, é mais orquestrador que arranjador. Todos os arranjos que ele assina nos discos de Tom Jobim são exatamente a tradução para grande orquestra do que o próprio Tom já havia criado no piano. Eu já tinha visto isso em discos como 'Urubu', 'Matita Perê' (este, com grande contribuição também do Dori) e outros. Mas não sabia que fosse sempre assim.

Quando gravei com Claus em 1977, vi que ele orquestrou (lindamente, a bem da verdade) tudo que eu e meu parceiro Mauricio Maestro fazíamos com nossas vozes e violões. Ou seja, não houve neste caso uma contribuição criativa dele ao nível ritmico ou harmônico, e sim um trabalho de 'vestir' nossa música, cuja alfaiataria básica já estava pronta.

Continua num próximo post, pois o assunto é longo.