domingo, julho 28, 2013

Surpresas do Japão

Eu amo o Japão. E sou correspondida.

Já são 28 anos de visitas, que se tornaram anuais a partir de 1991, daí para a frente sempre no circuito dos clubes Blue Note japoneses. Fui aprendendo a conhecer o país e seu povo, seus costumes às vezes tão diferentes dos nossos, enfim, as chaves que são parte de qualquer relacionamento. Desde que em 1985, em minha primeiríssima viagem, saí cariocamente cumprimentando todo o mundo com beijinhos no rosto, coisa que nem casais fazem em público no país, levei um tempo pra me dar conta do tamanho dessa gafe... Ainda bem que o pessoal absorveu bem o choque cultural.

Já pelo meu lado, há coisas que, mesmo depois de tantos anos, ainda me surpreendem. E isso que sou habituée... Imagino o impacto para os marinheiros de primeira viagem. Coisas como:

- o dress code das mulheres. Tem um estilo de vestir que é único, próprio das japonesas mais velhas, e que nunca vi em nenhum outro lugar do mundo. Como se fosse uma adaptação, uma leitura nipônica da moda ocidental. Muitas rendas, laçarotes e babados, geralmente em tailleurs. A versão jovem (e pra lá de over) dessas modas é o estilo lolita (que o pessoal aqui chama informalmente de 'rori'): adolescentes que saem todas 'montadas', vestidas de boneca, desfilando pela cidade nos fins de semana. Vale a pena ver - e, se elas deixarem, fotografar.

- o gosto japonês pelos tecidos sintéticos. Raro encontrar uma roupa made in Japan feita de tecidos crus, como algodão ou mesmo seda. Uma vez entrei num showroom de Issey Miyake, estilista top do top japonês, e fiquei me perguntando como as pessoas conseguiam usar roupas tão desconfortáveis, ainda que bonitas. Tudo lindo e original, mas a pele não respira.

- o incrível excesso de informação visual em tudo: nas ruas, nas lojas, no metrô. Até hoje fico tonta com isso.

- a patisserie japonesa, levíssima, e para mim a melhor do mundo.

- o silêncio no trânsito. Engarrafamentos pesados - e não se ouve uma buzina.

Em que outro lugar do mundo me serviriam um capuccino com uma cara de ursinho desenhada na espuma do leite? E onde mais um casal jovem me homenagearia, dando o nome de Joyce... a seu filho???

Só mesmo aqui.


quinta-feira, julho 18, 2013

Fazendo as malas


E vamos nós de novo pro Japão, bem na hora em que o couro está comendo aqui no Rio, com o Papa argentino chegando e a polícia botando pra f*** pelas ruas do Leblon. Meu Deus, isso é que é timing... Mas não há  que fazer, foi justamente essa a época que nossos amigos japoneses escolheram pra nos convidar. A música vai estar tinindo, sem dúvida alguma, mas me preocupo com o que vai ser da minha cidade na minha ausência (como se eu pudesse resolver alguma coisa...)

As manifestações pelo Brasil afora deram uma acalmada, mas aqui não - o Rio está na vanguarda, como sempre, pro bem e pro mal. Prevejo dias difíceis, com evangélicos fundamentalistas infernizando a vida do Papa e seus seguidores, e manifestações maiores e mais agressivas pelo roteiro da JMJ. E naturalmente, o nosso governador que não consegue controlar sua polícia. A mesma que sempre foi violenta nas comunidades, mas agora está atingindo os cidadãos 'errados'. A classe média acaba de descobrir o que é enfrentar a tropa de choque... No cinema parecia legal. Agora perdeu a graça.

Pior que tudo é a ingenuidade dos que gritam 'fora, Cabral' e 'fora Dilma'. Eles foram eleitos, pessoal. Tirar antes da hora, se não for por impeachment, é golpe.  E depois, como brincou (à vera) meu amigo Leo Aversa, grande fotógrafo e revelação de humorista de internet: "Garotinho e César Maia candidatos. O Rio precisa aprender o que todos descobrem com quinze anos: ligar para as ex não resolve a sua briga com a atual." 

Tem muita gente a postos, só aguardando a próxima eleição pro Rio voltar a ser o que era. Os urubus estão de plantão. Cuidado com o que se deseja...

É nessa preocupação que vamos pegar o avião semana que vem.


sábado, julho 13, 2013

já vou indo de novo...

Daqui a não muito tempo, precisamente em dez dias, estaremos seguindo de novo pro Japão.

(Minha casa é privilegiada, com o Pão de Açúcar de frente e o Redentor nos fundos. Isso só significa mais um motivo para que eu não tenha nunca abandonado minha cidade, apesar das condições de trabalho no exterior serem tão superiores - a escolha continua sendo morar longe do trabalho...)

Amo minha cidade e não sei se ficaria feliz vivendo longe dela. Mas o Brasil tem horas que me assusta.

Não há de ser nada. Combateremos à sombra. E combateremos as sombras, também. Com música e alegria, que é o que temos de melhor pra oferecer.


quinta-feira, julho 11, 2013

Então o negócio é o seguinte:

É a lama, é a lama.
Vou explicar pra quem não entendeu. Se precisar eu desenho.

- Compositores são profissionais da música. O direito autoral é o salário do compositor.

- Imagine a vida sem música. Tire a música das TVs e das rádios e veja se alguém vai querer sintonizar.

- Na totalidade dos países civilizados, o direito autoral funciona na base da gestão coletiva: uma entidade arrecada e distribui aos autores o dinheiro correspondente ao que se utilizou. É muito dinheiro.

- Agora, colega, veja o que vem a seguir. Vou copiar de um artigo que recebi hoje, via internet, dos amigos Carlos Lyra e Magda Botafogo, publicado na imprensa alternativa (claro!) e que sintetiza o drama que estamos vivendo:

"Ao longo dos últimos anos, várias empresas de comunicação (principalmente grupos de TV aberta e fechada) vêm sendo continuamente condenadas judicialmente a pagar o que devem às entidades gestoras dos direitos dos criadores musicais. No entanto, para fugir das determinações da Justiça, essas corporações não só adotam a velha estratégia de desqualificar o credor como, na impossibilidade de descumprir as decisões dos tribunais, resolvem simplesmente trabalhar para revogar as leis que garantem os direitos dos trabalhadores da música. É exatamente esse o papel do PLS 129/12, que, gestado numa CPI midiática, presidida pelo (...) senador Randolfe Rodrigues, teve a leviandade de acusar sem provas, ainda que não tivesse sequer a capacidade de produzir um relatório próprio: sem disfarçar interesses, o relatório da CPI foi encomendado aos representantes brasileiros do Creative Commons, movimento financiado por organismos multinacionais (Google, Fundação Ford e outros) que buscam a flexibilização dos direitos intelectuais em todo o mundo, tendo como estratégia a difamação das entidades de cobrança de direitos autorais. Tudo isso com o fim de gerar mais lucros para as empresas de comunicação e provedores da Internet que recusam pagar corretamente os direitos dos criadores, embora lucrem fabulosamente com seus negócios, nada gratuitos, por sinal. Foram esses senhores que redigiram também o PLS 129/12, que afora o desplante de contrariar frontalmente o princípio não-intervencionista expresso na Constituição Brasileira, comete até a leviandade de propor a criação de um monstrengo estatal para garrotear as entidades de classe dos artistas brasileiros. Um novo cabide de empregos a serviço da antidemocracia, absurdamente cogitado no próprio momento em que a Presidente Dilma, diante da crise econômica que se desenha, propõe o enxugamento da máquina de Estado e até mesmo a diminuição do número de ministérios."

 Quem vai se dar bem nesta história? Procure saber.




sexta-feira, julho 05, 2013

Política para quem precisa




Em 1989, numa reunião entre o então candidato Lula e um grupo de artistas e intelectuais, Jorge Mautner profetizou: no futuro próximo, os presidentes das nações serão figuras midiáticas, e quem irá governar de verdade serão as grandes corporações. A plateia, que ainda acreditava em direita e esquerda, parecia achar que ele estava maluco... Eu estava lá e não esqueci. Foi a coisa mais lúcida dita naquela noite.

É isso. A gente elege o apresentador do show, mas quem manda mesmo são os patrocinadores.


segunda-feira, julho 01, 2013

gênero, transgênero, sexualidade - ou não?


Leio matéria na revista New Yorker que diz que "o transexual é o novo gay" ("transgender is the new gay"). Lá na terra deles, é claro: por aqui o/a transexual é humilhado/a, maltratado/a, e os/as gays também são. Mas nos Estados Unidos, de onde geralmente vêm as últimas novidades comportamentais do Ocidente, cada vez mais crianças e adolescentes em plena puberdade ganham o direito de assumir o sexo que preferem ter em suas vidas, cada vez mais cedo e, muitas vezes, com apoio dos pais e da escola. Seguem-se mastectomias em meninas de 14 anos, cirurgias precoces para extirpar os pênis, uma garotada tomando hormônios numa idade em que mal começaram a aflorar sexualidade e sentimentos. Não sei não, respeito tudo isso, mas de modo geral, acho um pouco cedo demais. Minha opinião, claro, o que não quer dizer absolutamente nada. Mas, cá com meus botões, penso que aos 12, 14 anos, a gente ainda nem tem muita certeza do que é. Uma decisão de tal magnitude, que vai mudar uma vida inteira, precisaria ser tomada, imagino, com alguma maturidade e muita segurança.

Uma das meninas entrevistadas, que está em pleno tratamento para virar rapaz, e é justamente esta que fez a mastectomia precoce, quando perguntada sobre o que pretende fazer de sua sexualidade no futuro, diz que "provavelmente vai namorar meninos". Ou seja, ela quer se transformar num homem... gay. O mistério da natureza humana...

Por que isso me interessa tanto? Porque eu, naquela idade, tinha seríssimas dúvidas sobre se queria ou gostava de ser menina. Sempre detestei o papel compulsório que a sociedade me dava. Na adolescência, preferia mil vezes tocar violão, ler meus livros, praticar esportes 'masculinos'. Não tinha o menor interesse em cabelos, unhas feitas, maquiagens, roupitchas. Gostava mesmo era de pegar emprestadas as roupas do meu irmão. De usar jeans, camisetas, tênis - aliás, gosto até hoje. E nadar, pegar onda, jogar bola, essas coisas. Conversar com os garotos de igual para igual, até eles se assustarem comigo. E me sentia tremendamente deslocada num fútil ambiente 'de meninas'. Embora eu gostasse - e muito - de meninos. Mas estes não eram, nem de longe, minha única preocupação.

Por conta desse meu gosto - esdrúxulo para uma garota dos anos 1960 - ouvi de minha mãe, milhões de vezes, a famosa frase que marcou minha infância e adolescência - "minha filha, você não é feminina"- dita com ar de profundo desgosto. Freud explica porque tive de fazer aquela música, já pelos meus 29 anos, explicando que a identidade feminina não estava no cabelo, ou no dengo ou no olhar...

Pois então, fosse eu uma adolescente norte-americana nos dias de hoje, poderia ser tentada a fazer uma cirurgia tão definitiva - que me transformaria, quem sabe, num homem gay - e teria perdido a oportunidade única de ser mãe, parir 3 filhas e poder trabalhar com intimidade no universo feminino através da minha música, como sempre fiz.

Sorte minha que a mudança precoce de gênero ainda não era moda naquela época.