dia de índio
Quando jovenzinhas éramos volta e meia confundidas uma com a outra: as duas tínhamos mais ou menos a mesma idade, cabelão comprido, vestuário meio para o hippie e tocávamos violão "como homem", conforme se dizia na época. Isso foi nos anos 1970. Depois cada uma seguiu seu caminho. Fui cuidar da minha música e de minhas filhas pequenas, e ela seguiu por um caminho pra lá de radical: viajou para dentro do Brasil profundo, que frequenta há mais de trinta anos, e se tornou a maior especialista (do mundo, creio eu) em música indígena brasileira. Estou falando de Marlui Miranda, claro.
Pois foi ela a convidada da gravação desta semana do nosso 'No Compasso da História', no programa onde abordamos o Brasil pré-Cabral, as culturas e os povos indígenas e tudo o que rodeia este precioso assunto. Preciosa mesmo foi a colaboração de Marlui também na entrevista, esclarecendo questões históricas, trazendo informações pertinentes e seríssimas, contando histórias deliciosas de seus 'parentes' de diversas etnias e emocionando ao falar do futuro deles. Uma maravilha que me tirou do sério e me fez em vários momentos ficar com lágrimas nos olhos.
Marlui conta na entrevista como o índio sempre foi usado em toda a nossa História, primeiro pela Coroa portuguesa, depois caçado pelos bandeirantes (e salvo pelos jesuítas - apesar da catequização que renegou grande parte de sua cultura - que consideravam que o índio tinha uma alma, e era portanto um ser humano), exterminado pelas doenças transmitidas pelo branco... e hoje refém da questão ambiental. Para um povo para quem a terra e as águas são tudo - em torno delas se criaram todas as mitologias e cantigas indígenas, o índio é de fato um com a Natureza - isso pode ser catastrófico. Ela conta como a construção de uma usina como Belo Monte destruirá ainda mais essas culturas, tirando do lugar onde vivem até mesmo comunidades que ainda não foram contactadas pelo branco. Mas o Brasil quer crescer a qualquer custo.
Pra falar aqui de coisas boas, vejam parte do repertório: 'Todo Dia Era Dia de Índio' (do Benjor - Marlui conta que os povos indígenas adoram a gravação da Baby, e a põem para tocar em todas as suas festas), 'Um Índio' (Caetano Veloso), a já mencionada 'Borzeguim' (Tom Jobim), 'Juparanã' e 'Quarup' (duas parcerias minhas com Paulo César Pinheiro), 'O Canto do Pajé' (Villa-Lobos e Costa Barros) e mais uma infinidade de cantigas indígenas, de várias etnias, trazidas pela Marlui. Uma maravilha só!
PS- fotos de Alberto Jacob Filho.