Intolerância
A volta ao Brasil sempre dá um certo estresse-pós tour. Outro dia eu disse isso a um jovem músico, filho de amigos meus, que ao chegar de uma turnê européia se sentiu chocado com algumas atitudes das pessoas aqui. Ele não gostou do que eu disse, mas garanto que é verdade, conheço bem a sensação. Principalmente o Brasil que temos hoje, crivado de intolerância por todos os lados. OK, não somos os únicos, mas por aqui está demais. Vejam na internet a repercussão do post do nosso amigo André Mehmari, que inocentemente foi fazer uma apresentação sobre a música de Ernesto Nazareth em Campinas para estudantes de idades entre 10 e 12 anos. Foi vaiado, xingado de todos os impropérios possíveis - e ainda assim levou sua apresentação até o final, com bravura e profissionalismo, mas certamente saiu dali arrasado. Por quê? Porque a escola hoje é um lugar onde alunos andam armados e agridem fisicamente os professores? Porque se perdeu a noção de autoridade, confundida com autoritarismo? Porque a música que a TV e a internet disseminam hoje para essa garotada é chula, grosseira, e não fala mais de amor, só de baixo sexo - subliminarmente passando a ideia de que o estupro é aceitável? Porque vivemos num mar de intolerância contra gays, contra mulheres, contra religiões que não sejam a nossa particular? Porque a impunidade dos grandes dá aos pequenos a certeza de que também ficarão impunes pelo que praticarem?
Ou porque, como disse outro dia Arnaldo Jabor em sua coluna, "pela influência do avanço da informação digital, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, acabou toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de cultura que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência." Será isso? Não sei. Sei que, como diz meu brother Dori, não foi esse o país que me prometeram. O pior é que não estamos sozinhos: outros países seguem esta mesma linha. Mas em alguns, ainda existe um resto de civilização que, por aqui, cada vez vejo menos.
Quando Mariana, nossa filha mais nova, tinha 11 anos, viajou conosco numa turnê que fizemos pela Europa. Na véspera da nossa volta, vimos que ela chorava. Perguntei por que, e ela simplesmente me disse - com 11 anos! - que estava chorando de pena do Brasil. Pois bem: hoje podemos todos chorar com ela. O Brasil precisa merecer o Brasil, mas o pessoal que nos governa parece mais empenhado em fazer com que haja uma melhora material, que é justa - mas esqueceu do crescimento espiritual, que só se dá pela cultura e pela educação. E assim vamos, rumo à barbárie. E que Deus nos ajude. Daqui a pouco, nós, trabalhadores da cultura brasileira, teremos de viver em guetos, para não incomodar o pessoal que não admite que a gente exista. E chega de meias palavras: isso é fascismo, sim.