segunda-feira, janeiro 29, 2007

no ventre da mãe

Estas barrigas lindíssimas são de lindíssimas crianças da nossa família, que recém-nasceram nos últimos meses. Foram crianças amadas, esperadas e recebidas com alegria. Diferentemente dos filhos de Daiane, que tem 16 anos e já está no segundo bebê.

Há 10 anos vejo Daiane quase que diariamente no sinal perto da minha casa, vendendo balas. Vi Daiane crescer, ficar quase mocinha, e imediatamente grávida. Vi a mudança de expressão do seu rosto, a dureza no olhar que antes não existia, vi como ela virou adulta na marra, de uma hora para outra. 16 anos _ dois filhos sem pai, morando na Baixada e trabalhando nas ruas da Zona Sul, sem escola nem perspectiva.

Os filhos dela ainda não conheço, mas não deve demorar. Logo, logo estarão vendendo drops no sinal também. Até que a menina mais velha fique grávida e Daiane, lá pelos 30 anos, passe a ser avó.


quinta-feira, janeiro 25, 2007

antonio


Pedra entre todas as pedras
De tudo o que planta
De tudo o que dá
Mina de todas as águas
Nascente dos rios
Caminho do mar
Palmeira-mãe das palmeiras
Da terra morena
Da gema, de lá
Tua floresta faz sombra por todo lugar.


domingo, janeiro 21, 2007

especiaria

Atendendo a (muitos) pedidos, dou uma rápida explicação sobre o CD 'Especiaria', do Flávio Chamis, do qual participei e que a Biscoito Fino recém-lançou _ e sobre o qual tenho recebido inúmeras perguntas dos interessados.

(as especiarias aí ao lado não são brasileiras, e sim macedonias _ fazem parte de um almoço divino que tivemos em Skopje; o dono deste belo prato é o nosso motorista local, cujo nome, infelizmente, esqueci)

Enfim, sucedeu que em 2004 recebi o convite do Flávio para participar em algumas faixas do disco dele. Flávio Chamis é um músico da área erudita, regente, que já trabalhou com Bernstein, e está já há alguns anos radicado em Pittsburgh, nos USA. Este disco seria sua primeira tentativa na música popular. Ele convidou alguns excelentes músicos de jazz, começando pelo nosso amigo Jay Ashby, maravilhoso trombonista e arranjador, que produziu e formatou o trabalho (as composições são todas do Flávio). Fomos a Pittsburgh, eu e o Tutty, e gravamos em 2 ou 3 dias nossas participações.

Não sendo um disco meu, fiz questão de pedir ao Flávio e `a gravadora que fosse deixado bem claro que o CD era dele, e só dele. Ao Flávio o que é do Flávio. Eu participei na função de 'side musician', como os americanos dizem, portanto minha presença aqui tem o mesmo peso que a dos outros músicos, como Claudio Roditi, por exemplo, ou do Alon Yavnai (super-pianista de Israel), a Anat Cohen (sax-clarinetista, também de Israel), ou do Jay, ou do Tutty. Estamos todos aqui simplesmente a serviço da música, cada um dando o seu melhor em função disso.

E fico feliz que vocês todos tenham gostado, a ponto de escrever pra saber mais. Viu só, Flávio?

PS- e nevou em Malibu!!! O mundo está mesmo virado do avesso...


domingo, janeiro 14, 2007

tanta coisa...

Nublado e chuvoso, esse verão carioca. Estamos mesmo maltratando o planeta. Da Europa, as notícias que nos chegam dão conta de que: 1- na Suécia não tem neve; 2- nos Alpes não tem neve; 3- na Alemanha, que tem menos neve ainda, as flores estão nascendo nos parques como se fosse primavera; 4- no sul da França, as pessoas estão indo `a praia! Na Califórnia tem incendios. Em NY, as pessoas fazem jogging de short e camiseta no Central Park em pleno janeiro, o mês de pior inverno. E no Japão, tem alerta de tsunami. Temos amigos queridos em todos estes lugares. E agora?

Janeiro pra mim era mês de praia. Mas praia agora, só se eu for passar uns dias em Nice... Também é mês de gravações, época de gravar o disco novo, pois tradicionalmente nesta época do ano não acontece rigorosamente nada _ então vamos pro estúdio. Mas bebês de amigos nossos teimam em nascer neste planeta de futuro incerto, então adiamos pra fevereiro. Tomara que todos possam vir numa boa, os planos são muitos.

Então vamos aproveitar pra rever amigos e botar os sons e as conversas em dia. Esta semana que passou, tivemos muitos: Mário e Pimpim aqui em casa na sexta, velhos e queridos amigos de tantos anos. O show de Carlinhos e Kay, pai e filha, no sábado (Kay está linda e cantando super-bem, e o Carlos, meu parceiro, é sempre um luxo _ sem falar no Maestro, que é um capítulo `a parte). Hoje, domingão, tem o show do Chico. Semana que vem vamos assistir `a peça do Paulinho Pinheiro. O povo anda produzindo, que bom.

E eu também. Entrando fevereiro, começamos a gravar o disco novo. No meio das gravações, uma parada de 3 dias que não é pra descanso, mas pra fazer uma gafieira aqui no Rio e duas bossas-novas em Sampa. Em março, chega o Dori, pra trabalharmos mais um pouco juntos, depois seguimos todos pra New York e começamos uma outra tour por lá. O ano vai começar, enfim. Enquanto não estamos fazendo música, o tempo parece que congela, e a vida só volta ao normal quando estamos de novo cumprindo aquilo que viemos ao mundo para fazer.


sexta-feira, janeiro 12, 2007

Bodas de Vinil






Bodas de lã
Só vão até amanhã
Bodas de cetim
Não vão até o fim
Bodas de cristal
Não livram do mal
Bodas de papel
Não levam ao céu

Bodas digitais
São todas sempre iguais
Bodas de isopor
No computador
Bodas de verniz
São de outro país
Bodas de metal
São sempre o normal

Bodas de som
É como um sonho bom
Doido pra comemorar
Livre e tão bonito
Deixa o som
Ficar suspenso no infinito
Nunca se acabar


sexta-feira, janeiro 05, 2007

músicos trabalhando


Estamos aqui esquentando os tamborins, não pro carnaval, mas pro próximo CD. Começaremos em fevereiro, mas já estamos com a pré-produção a mil.

No momento não dá pra pensar em mais nada que não seja música. Ainda bem!


terça-feira, janeiro 02, 2007

Um Jobim na África


Cypho “Hotstixs” Mabuse é um músico e produtor sul-africano, certamente um dos mais bem-sucedidos do seu país. Sybongile Khumalo, cantora, é uma das grandes divas da África do Sul, onde grava nos idiomas inglês e zulu, com ótimas vendagens e enorme prestígio.

Os dois têm muito em comum, a começar pela origem: cresceram juntos no mesmo gueto, em Soweto, distrito de Johannesburgo, nos anos duríssimos do apartheid, e foram abrindo caminho na carreira musical com coragem e competência. Outro dado em comum entre eles é a paixão pela música brasileira _ para minha alegria, os dois incluíram, já há bastante tempo, uma canção minha e de meu parceiro Mauricio Maestro em seus repertórios.

Neste exato momento (fazendo de conta que ainda estamos no ano 2000), tomamos um chá na casa de Mabuse, nosso anfitrião em Johannesburgo. “A primeira coisa que o negro faz aqui quando se dá bem na vida é sair do gueto”, nos conta ele. “Já eu faço questão de continuar morando no mesmo lugar, e ser uma referencia para essa garotada que está aí”. De fato, a casa de nosso anfitrião é uma referencia em todos os sentidos, especialmente no bom-gosto e nas deslumbrantes peças de arte vindas de todo o continente.

Mas o que mais acende a nossa conversa é a pergunta que acabamos de ouvir no conservatório de Soweto, onde fizemos um workshop sobre música brasileira, e que Mabuse nos repete, insistente: “como é que vocês no Brasil conseguiram preservar a identidade cultural na música de maneira tão forte?” Ele não pergunta isso à-toa: acaba de ser realizada aqui a Semana de Música Sul-Africana, com enormes dificuldades, inclusive de público. A cultura local sofre esmagadora influência do pop norte-americano, e sua única manifestação bem recebida tem sido uma espécie de rap em zulu.

Mabuse prossegue, dizendo: “Tudo o de que precisávamos era ter tido um Jobim na África. Imagino que Antonio Carlos Jobim seja o mais respeitado de todos os brasileiros, já que a música dele é a maior referencia cultural brasileira no mundo”. Ah, meu amigo, agora é que você se engana. Preciso lhe contar duas ou três verdades sobre o meu querido país.

Pra começo de conversa, o que se escuta nas rádios brasileiras já está dominado pelo pior faz tempo. Não quero desfazer sua ilusão, mas pelo andar da carruagem, o povo brasileiro daqui a 10 anos não vai mais sequer saber o que foi a música brasileira do século XX. E não, os intelectuais do Brasil não estão unidos em defesa da identidade nacional, muito pelo contrário. Imagine você que até hoje há quem acuse o nosso bom Tom pelo fato de ter nascido branco, numa família de classe média. Pois é. O nosso apartheid é assim meio engraçado, o pessoal às vezes atira pelos motivos certos na direção errada.

Música não tem cheiro nem paladar nem cor, a não ser se pensarmos pelos cânones impressionistas de um Debussy, responde meu amigo Mabuse. E eu completo: no Brasil, de onde menos se espera, sai um milagre. Coisa divina, sabe como é? O que poderia explicar a existência de músicos como Hermeto Pascoal, albino de Arapiraca, em Alagoas, ou Moacir Santos, negro nascido em Flores, Pernambuco, ambos vindos de ambiente rural, famílias de agricultores paupérrimos, sem estudo formal de nenhuma espécie, e que produzem música sofisticadíssima, de deixar o mundo boquiaberto (e que o povo, o famoso “polvo” brasileiro, desconhece)? E você já ouviu falar em Noel Rosa, branquinho de classe média, estudante de medicina, que foi talvez o mais popular dos sambistas brasileiros na primeira metade do século passado? Pois é.

A música feita no Brasil _ “flor amorosa de três raças tristes”, segundo Olavo Bilac _ já teve vários nomes para tentar definí-la, e MPB certamente foi o menos feliz de todos. Mas na grande árvore genealógica desta que é, de longe, a mais bem-sucedida manifestação cultural do nosso país, o samba está para a bossa-nova assim como o blues está para o jazz, como o pai para o filho. Um é raiz, o outro é fruto. A bossa-nova é de fato o equivalente brasileiro do jazz: o clássico moderno de origem popular, mundialmente amado e respeitado, que sobrevive (e sobreviverá) aos tempos que vivemos. E que deveria, sim, ser reconhecida como patrimonio imaterial da Humanidade, tendo Tom Jobim como patrono. O resto é discussão entre primos.

PS- Este texto meu foi publicado no Globo do último domingo, 31/12/2006, com o título "As Flores do Gueto". Foi escrito num momento de profunda irritação, causada pela leitura do artigo de Nei Lopes, "Samba, MPB e Racismo", que malandramente compara a bossa-nova ao pop-rock dos anos 80, apenas por ter nascido em ambiente classe média e supostamente "branco". Não precisamos de mais um apartheid na música brasileira. Se hoje ela é branca na poesia, ela é negra demais no coração.