sábado, março 31, 2012

2012

"Ó ano triste e sem sorte..." Lá se foi mais um, o genial Millôr Fernandes, que conheci de perto lá pelos meus19 anos, eu ainda iniciando minha carreira, quando ele namorava minha amiga Dulce Nunes, que depois se tornaria, por um bom tempo, a sra. Egberto Gismonti... Isso foi no final da década de 1960. A última vez em que o vi, há uns doze anos atrás, foi num coquetel do jornal 'O Dia', em que tive uma coluna semanal entre os anos 1998 e 2000, e do qual Millôr era um dos colaboradores mais importantes. Ele brincou comigo e me deu uma leve sacaneada, dizendo que, agora que eu estava escrevendo, ele se sentia autorizado a ir cantar no Japão. Baixei a crista e concordei: no quesito escrita, ele estava certo... Mas fui em frente, já que nem todo o mundo precisa ser tão genial como ele foi. E aqui entre nós, acho que cantando no Japão ele faria pior figura do que eu escrevendo no jornal 'O Dia'...

Millôr foi um dos fundadores do 'Pasquim', e a livre associação de ideias me faz lembrar que amanhã irá ao ar o último episódio da série 'No Compasso da História', que se encerra na década de 1980, com a campanha pelas diretas, o atentado do Riocentro (que quase dizimou a MPB), o rock Brasil, a música independente, a vanguarda paulistana, o surgimento de novas compositoras, a morte de Elis, e finalmente, a redemocratização do país. Por acaso, a exibição deste episódio cai em data emblemática, com o mofo da velha ditadura ainda rondando o Brasil novinho. Eu - que tirei meu título de eleitor aos 18 anos, conforme manda a lei brasileira, mas só pude usá-lo para escolher um presidente aos 41 - não me permito esquecer as sábias palavras do querido Nelson Motta, quando foi entrevistado para o programa: "as pessoas só dão valor à liberdade quando perdem. Nada justifica a perda da liberdade. Ideologia nenhuma." É isso aí.


segunda-feira, março 26, 2012

Martinha

Hoje partiu uma de nossas amigas mais queridas.

Martinha (Marta Strauch) era artista plástica por vocação (com muitas mostras no currículo), compositora bissexta (chegou a ter músicas cantadas por Luhli e Lucina e Alaíde Costa, foi parceira de Luiz Carlos Sá, Lucina, Xico Chaves), ilustradora de profissão (ultimamente, na Folha de SP). Foi ela quem fez toda a arte gráfica do meu livro, 'Fotografei Você na Minha Rolleiflex', num trabalho sutil e delicado, como era próprio dela.

Martinha era do tipo mignon - era o que nos Estados Unidos as pessoas chamam de 'petite', graciosa e 'pouquinha'. As lembranças se atropelam quando penso nela: em NY, fazendo seu mestrado em arte e ganhando a vida, ora fazendo um voz-e-violão num bar do Soho chamado Amazonas, ora posando nua para os colegas estudantes de arte da NYU; nos inúmeros momentos engraçados que vivemos juntas, ela com seu humor ácido de sempre, que não a abandonou nem diante da doença; as temporadas em Filgueiras (de onde vem a foto acima, tirada por nossa também amiga Lizzie), as longas conversas ao telefone; os réveillons que passamos juntas aqui em casa, vendo os fogos de longe; todas as confidências que trocamos, alegrias e tristezas, ela sempre torcendo por mim com sinceridade, e eu por ela; a alegria de vê-la - já doentinha, mas ainda cheia de esperança - na festa de lançamento do meu programa; o quadro dela na parede da minha sala.

Éramos amigas desde sempre, e quero lembrar dela como era quando esta foto foi tirada, ainda no início dos anos 1980. E posto aqui uma linda mensagem que acabo de receber de outra amiga de muitos anos, Luhli:

Cada pessoa querida que se vai nos deixa uma herança, em seu modo de encarar a vida, em talento e personalidade.
Quando a gente toma consciencia dessa herança, percebe uma riqueza enorme por dentro.
A coragem de um, a paciencia de outro, iniciativa, ternura, sabedoria, e assim vai.
A gente vira elo numa imensa corrente, que vem lá dos antepassados, e não acaba nunca.
Marta me deixou de presente a chispa do humor apesar da tristeza, o talento precioso
e delicado, em contraponto com a inteligencia critica.
Grande Martinha...


domingo, março 25, 2012

Tringuelingue

Na minha distante infância, havia um biscoito que era vendido na praia por um homem que tocava uma espécie de castanhola. Esse biscoito, que se chama 'taboca' na Bahia e 'biju' em São Paulo, aqui no Rio ganhou o apelido do som do vendedor: "lá vem o moço do tringuelingue", dizia minha mãe. Naquela época eles ainda vendiam também uvas verdes cristalizadas, enfileiradas num palito tipo churrasquinho, que eram meu sonho de consumo infantil - mas que raramente eu podia ter, por muito caras.

Estes vendedores ainda existem, fazem parte de uma velha tradição carioca, assim como o vendedor de mate-limão e do Biscoito Globo: coisas que só existem nas praias do Rio. Em Ipanema há um especialmente criativo, que toca sua castanhola em 7/4, e que volta e meia cruza conosco. Acabou que o som dele me inspirou a compor um tema que acabamos de gravar no novo CD - um instrumental chamado, justamente, 'Tringuelingue'.

Quis usar os sons da praia na introdução da música, e assim gravei no celular o barulho das ondas, crianças brincando, pregões de vendedores, e até um moço do tringuelingue. Mas, pela lei de Murphy, claro que não achamos o homem do compasso 7/4. Ele deve ter terceirizado a empresa e contratado um, menos musical, para percorrer Ipanema. Ficou o tema gravado no CD. E do 7/4, cuidamos nós.

PS- e o Brasil, sem Chico Anysio, acordou sem graça...


domingo, março 18, 2012

fotos dos anos 1990

Foi um tempo em que minha música começou a despertar o interesse de uma certa juventude guiada pelos DJ's de Londres - que adotaram e jogaram nas pistas coisas minhas como 'Feminina', 'Baracumbara' e o finalmente hit 'Aldeia de Ogum'. Mistério pra mim e pra muita gente, que custou a crer que o mesmo LP que continha a inofensiva 'Clareana' pudesse estar bombando entre os adolescentes europeus - mas aconteceu, e foi ótimo. . Isso me levou a estar pop durante aquela década, como demonstra a foto acima, tirada no festival de Glastonbury em 1994 (voltaríamos a nos apresentar neste festival em 2003, com o grupo acrescido de Nailor Proveta). Quem diria...

Nessa mesma turnê, que rolou paralela à Copa do Mundo em que fomos campeões, nossa filha Clara, então estudante em Paris (aluna de canto de Christiane Legrand) nos acompanhou por alguns dias. Quem esteve direto conosco foi outra filha, Kadi (hoje atriz em SP, e na época morando em Nova York), que não está nesta foto, mas foi nossa tour manager por toda excursão, e se saiu muito bem.

Final da década, voltamos ao jazz, nossa praia de origem, de onde nunca realmente havíamos saído. Na foto acima, em 1998, no estúdio em NY (gravando meu CD 'Astronauta - Canções de Elis), eu, Tutty, Rodolfo, Joe Lovano e Mulgrew Miller dando uma conferida nas harmonias.

Imagens dos anos 1990, que foram pra mim uma década de construção de carreira no mundo. De certo modo, um exílio da minha música, depois de anos de banimento real no Brasil, do qual eu só iria saber as razões e os detalhes muito recentemente. Mas passou, e já vai longe. A vida sabe o que faz.


domingo, março 11, 2012

foi dada a partida

Vai o restante do ano se delineando, com os próximos trabalhos sendo agendados.

(a foto acima é do bairro muçulmano de Skopje, Macedonia, simbolizando as viagens que me aguardam em 2012, às vezes a lugares por onde raramente, ou nunca, passamos)

E a próxima coisa que vai acontecer é um mergulho na obra de um velho amigo. O Instituto Moreira Salles, dentro de uma série que revisita grandes discos do passado, me pede que apresente o repertório do primeiro LP de Sidney Miller, para a Elenco, lançado em 1967. Como nem ele, nem sua maior intérprete, Nara Leão, estão mais vivos, coube a mim - amiga dele de tantos carnavais - esta difícil tarefa. Que espero cumprir o melhor que puder, com a ajuda do jovem músico, instrumentista, cantor, ator e pesquisador Alfredo Del Penho. E vamos nós lembrar o disco de estreia do querido Sidney, que saiu desta vida tão cedo, aos 35 anos, deixando uma obra pequena e comovente.


domingo, março 04, 2012

novidades no front!

No fundo, no fundo, tudo se resume às canções e ao som do quarteto básico, que somos nós aqui acima: Helio Alves, Tutty, eu e Rodolfo Stroeter. Mas foi uma intensa semana de muitos trabalhos, onde conseguimos gravar 'TUDO', o novo CD, meu primeiro exclusivamente de inéditas em cerca de 10 anos.

Infelizmente não sairá tão cedo no Brasil, pois antes temos aqui o 'Aquarius', meu CD com Donato, gravado em 2009, que está programado para lançamento em abril pela Biscoito Fino. 'TUDO' sai primeiro no Japão (pra variar...), pela Omagatoki. Enquanto isso, na Europa e nos EUA, segue bombando o lançamento do 'Rio', meu CD de voz e violão gravado em 2011, com ótimas críticas em publicações importantes, como o britânico The Guardian e a revista alemã Jazzthetik, e, incrivelmente, bastante execuções em rádio. E segue minha esquizofrênica carreira, meio lá, meio cá, meio tudo ao mesmo tempo, uma bagunça, eu bem sei. Juro que se eu pudesse seria diferente, mas é o que se me apresenta para o momento.

Meu parceiro Zé Renato veio gravar uma faixa comigo - e não foi nosso samba 'Pra Você Gostar de Mim', que também está no CD, e sim uma nova parceria minha com Paulo César Pinheiro, "Dor de Amor é Água', cuja primeira parte tem melodia do Paulinho também. Aliás, ainda com Paulinho, outra parceria nova entrou no CD: 'Quero ouvir João', com uma letra dele que deve gerar alguma polêmica pelo caminho.

Mas a grande parceria do CD é minha comigo mesma, letra e música em 8 das 13 canções. Faltou falar nas parcerias com Nelson Motta ('Estado de Graça', uma bossa super slow, ou, como prefere o meu parceiro, um 'meta-samba', que fala de si mesmo e de sua própria criação) e com Teresa Cristina ('Sem Poder Dançar', um samba também, com aquela levada meio velha-guarda-da-Portela na letra da minha parceira).

'Puro Ouro', samba novo que eu já tinha gravado em formato voz e violão no CD anterior (e que enfeita a página de abertura do meu website www.joycemoreno.com), tinha sido composto em homenagem a certa nova geração de sambistas do Rio, uma rapaziada jovem, talentosa e desencanada, que não fica entrando em polêmicas ridículas pra ver quem é o gênio da vez, como volta e meia acontece nos arraiais das artes. E eis que eles se apresentaram no estúdio e vieram cantar comigo o samba do qual foram os inspiradores, e que eles mesmos já cantavam nos seus shows em conjunto. Mudou bastante o som nesta regravação, feita agora com o grupo todo tocando e o vocal dos meninos.

Olha eles aí: da esquerda pra direita, João Cavalcanti, Pedrinho Miranda, Alfredo Del Penho e Moyseis Marques, todos brilhando individualmente, mas agora também reunidos num coletivo chamado Segunda Lapa. Procurem no YouTube, vale a pena.

O CD teve ainda o 7 cordas de minha mui querida Antonia Adnet (no 'Choro do Anjo'), vocais de apoio de Ana Martins ('Sem Poder Dançar') e uma participação pra lá de especial do meu bom e velho parceiro Mauricio Maestro, com seus geniais arranjos vocais em duas músicas ('Boiou' e 'Claude et Maurice', duas das minhas prediletas - e, vá lá, um pouco estranhas...), que eu e ele cantamos desempenhando as muitas partes escritas, fazendo uma pequena orquestra de vozes.

E mais não conto, pra não estragar a surpresa!