Harmonizadores
Encontrar a foto acima na página 131 da recém-lançada biografia de Edu Lobo me trouxe lembranças alegres e, sobretudo, grande orgulho. A foto foi feita em fevereiro de 1969, nos meus então 21 aninhos, no Teatro Villaret, em Lisboa. Foi minha primeira experiência fora do Brasil como profissional da música. Eu já estivera na Europa com minha mãe, numa excursão, aos 15 anos, mas subir num palco fora do Brasil, foi ali a primeira vez. Nosso padrinho musical,Vinicius de Moraes, recém-demitido do Itamaraty, estava meio que exilado em Lisboa, com sua então mulher, Christina Gurjão, e serviu como apresentador informal do nosso espetáculo. Os Mutantes faziam a primeira parte, mas o público português estava mais interessado em Edu, naquele momento ainda embalado pelo grande sucesso de "Arrastão', 'Upa Neguinho' e outras tantas. E assim foi que fizemos um show bonito, somente voz e violão (eu tocava também, em duas músicas minhas), cujo ponto alto eram nossos vocalises em 'Casa Forte'. Pelo menos, era essa a minha favorita. Foi uma temporada rápida, mas divertida e feliz. E nela começava, ainda embrionária, uma história que me acompanharia tanto no futuro - os palcos pelo mundo.
A foto me fez pensar também na sorte grande de trabalhar sempre ao lado de grandes harmonizadores. Na minha geração, todos viemos de uma linhagem anterior de maravilhosos harmonizadores, que muito, ou tudo, nos ensinaram. Penso especificamente em Luizinho Eça, professor informal de todos nós, que nos debruçávamos ao redor do seu piano, tendo masterclasses informais com ele em seu apartamento do Leblon, quase todas as noites. Em Tom Jobim, pai de todos, que generosamente nos ouvia, aconselhava e demonstrava, deixando que acompanhássemos o processo de construção de suas músicas, desde o comecinho. E em João Gilberto, que nos ensinou que menos é mais.
Meu companheiro de geração Toninho Horta, para Caetano Veloso, é o 'João Gilberto elétrico'. Na foto acima, estamos no Warehouse Studio, em Nova York, 1995, gravando nosso CD duo, 'Sem Você', nossa homenagem ao amado Tom Jobim. A perda recente desse pai tinha nos deixado meio zonzos, e apenas uma noite no estúdio, só os dois, gravando tudo o que pudemos lembrar dele naquela hora, nos consolaria. Foi um CD catarse, foi o jeito que arrumamos para aliviar nosso luto. Fiquei tranquila no papel de canária, confiando incondicionalmente nas harmonias deste Antonio de Minas. E deu no que deu. Tudo lindo.
Minha grande referência em harmonia, meu brother querido Dorivalzinho, Dori Caymmi. Figura ainda tão e sempre presente em minha vida musical - volta e meia nos encontramos pra tocar, mostrar a um ao outro nossos novos CDs, conversar, comer, beber, cantar, falar besteira, principalmente. Ele que foi o arranjador principal do meu primeiro disco, nos idos de 1968, e com quem aprendi tanto, em termos de violão. Quando tenho algum trabalho previsto ao lado dele, é sempre a alegria maior do mundo. Ele é apenas o máximo.
Meus irmãos de som, queridos harmonizadores da minha geração. Todos geniais. Ô sorte!