quinta-feira, agosto 21, 2014

Harmonizadores

 Encontrar a foto acima na página 131 da recém-lançada biografia de Edu Lobo me trouxe lembranças alegres e, sobretudo, grande orgulho. A foto foi feita em fevereiro de 1969, nos meus então 21 aninhos, no Teatro Villaret, em Lisboa. Foi minha primeira experiência fora do Brasil como profissional da música. Eu já estivera na Europa com minha mãe, numa excursão, aos 15 anos, mas subir num palco fora do Brasil, foi ali a primeira vez. Nosso padrinho musical,Vinicius de Moraes, recém-demitido do Itamaraty, estava meio que exilado em Lisboa, com sua então mulher, Christina Gurjão, e serviu como apresentador informal do nosso espetáculo. Os Mutantes faziam a primeira parte, mas o público português estava mais interessado em Edu, naquele momento ainda embalado pelo grande sucesso de "Arrastão', 'Upa Neguinho' e outras tantas. E assim foi que fizemos um show bonito, somente voz e violão (eu tocava também, em duas músicas minhas), cujo ponto alto eram nossos vocalises em 'Casa Forte'. Pelo menos, era essa a minha favorita. Foi uma temporada rápida, mas divertida e feliz. E nela começava, ainda embrionária, uma história que me acompanharia tanto no futuro - os palcos pelo mundo.

A foto me fez pensar também na sorte grande de trabalhar sempre ao lado de grandes harmonizadores. Na minha geração, todos viemos de uma linhagem anterior de maravilhosos harmonizadores, que muito, ou tudo, nos ensinaram. Penso especificamente em Luizinho Eça, professor informal de todos nós, que nos debruçávamos ao redor do seu piano, tendo masterclasses informais com ele em seu apartamento do Leblon, quase todas as noites. Em Tom Jobim, pai de todos, que generosamente nos ouvia, aconselhava e demonstrava, deixando que acompanhássemos o processo de construção de suas músicas, desde o comecinho. E em João Gilberto, que nos ensinou que menos é mais.
 Meu companheiro de geração Toninho Horta, para Caetano Veloso, é o 'João Gilberto elétrico'. Na foto acima, estamos no Warehouse Studio, em Nova York, 1995, gravando nosso CD duo, 'Sem Você', nossa homenagem ao amado Tom Jobim. A perda recente desse pai tinha nos deixado meio zonzos, e apenas uma noite no estúdio, só os dois, gravando tudo o que pudemos lembrar dele naquela hora, nos consolaria. Foi um CD catarse, foi o jeito que arrumamos para aliviar nosso luto. Fiquei tranquila no papel de canária, confiando incondicionalmente nas harmonias deste Antonio de Minas. E deu no que deu. Tudo lindo.
Minha grande referência em harmonia, meu brother querido Dorivalzinho, Dori Caymmi. Figura ainda tão e sempre presente em minha vida musical - volta e meia nos encontramos pra tocar, mostrar a um ao outro nossos novos CDs, conversar, comer, beber, cantar, falar besteira, principalmente. Ele que foi o arranjador principal do meu primeiro disco, nos idos de 1968, e com quem aprendi tanto, em termos de violão. Quando tenho algum trabalho previsto ao lado dele, é sempre a alegria maior do mundo. Ele é apenas o máximo.

Meus irmãos de som, queridos harmonizadores da minha geração. Todos geniais. Ô sorte!


quinta-feira, agosto 07, 2014

Vamos em frente

Ah, o alívio que dá ter saído do Facebook, inimaginável. Não me julguem mal, reencontrei pessoas muito queridas ali, encontrei outras tantas, sempre seguindo a regra que me impus de aceitar apenas os conhecidos pessoalmente (ou pelo menos, os que tivessem sido indicados por algum amigo). Deu certo, até certo ponto. Mas como comentou nosso amigo André Mehmari, parece que estamos no mês do cachorro louco. Os ânimos andam por demais exaltados, e de guerras e mal-entendidos o mundo já está bem servido, não é?

Outro amigo comentou que era mais feliz quando ainda não conhecia realmente o pensamento de pessoas que, até então, ele tinha em alta conta. Outra amiga ainda, psicanalista, citou a sociedade narcísica em que vivemos, que só tende a piorar - cada um acha que o mundo gira em torno de si, e tudo o que acontece é em função deles. Falou também sobre a sutil diferença entre cobiça e inveja: na primeira, você quer ter o que o outro tem; na segunda, você quer ser o outro, e caso não consiga, quer destruí-lo. Já meu amado interneto (neto versado em internet) me aconselhou a ler as postagens, mas jamais os comentários, que é onde as pessoas expõem o seu pior, pois, como ele diz, "a humanidade é muito jovem", imatura. Enfim...

Enfim, não usei nenhum mecanismo da rede - nem bloqueei, nem 'deixei de seguir' ninguém. Apenas desativei o perfil, e isso foi libertador. E agora terei mais tempo para dedicar a este modesto blog, por exemplo, onde exponho meu pensamento e idéias mais à-vontade, e vê quem quer e se interessa. A página de artista continua lá, com a agenda e as novidades, que também estarão no website. Eu gostava muito de ser uma pessoa do século XX. Era mais tranquilo.

Mas vamos em frente - e ótimas perspectivas para 2015 já começam a se desenhar, que maravilha.



segunda-feira, agosto 04, 2014

o tenebroso inverno das idéias


Tenho pouco mais de um ano de experiência no Facebook. Mas já me sinto esgotada com tantos sentimentos escuros sendo expressados por pessoas que até então pareciam ser gente boa. E olha que meu círculo de amizades ali é mínimo, por escolha própria... E pelo visto, vai ficar menor ainda. Só nos últimos dias, tenho visto: antissemitismo x antiarabismo (em escala mundial); o fla x flu político do partidarismo no Brasil; racismo, preconceito, raiva, inveja (sim, inveja, inveja feia, inveja muita!), rancor, culminando agora com o apedrejamento moral de pessoas da melhor qualidade. Cito a frase de Caetano (que li n'O Globo de ontem): "a agressividade covarde que se pode ver na internet é um retrato da abjeção humana". Eu, hein. Me incluam fora disso.

Postei este texto no FB também, e recebi dezenas de respostas de amigos, pessoas que prezo muito e que sentem o mesmo incômodo que eu com a agressividade latente que se espalha nas redes. Há poucos dias saiu uma entrevista de Monica Salmaso onde ela fala de seu novo CD, dedicado à obra de Guinga e Paulo César Pinheiro. Obra que ela pesquisou durante toda uma década, até em velhas fitas cassete, pois a maioria era inédita, os parceiros brigaram e não se falam há mais de 20 anos... enfim - tudo contribuía para que estas maravilhosas canções caíssem para sempre no breu do esquecimento. E ela as gravou lindamente, com arranjos deslumbrantes e interpretação perfeita, como costuma fazer. Pois bem, a entrevista saiu com a chamada 'A MPB Está Pobre', frase em que Mônica contextualiza o que a indústria oferece hoje ao público do Brasil; e a crítica, com o título 'a melhor cantora em seu CD mais refinado', ou algo assim. Pronto: o mundo caiu. Todas as cantoras que não suportam ver outra ser chamada de 'a melhor' se manifestaram contra. Todos os compositores que não foram citados na matéria (nem teriam porque sê-lo) caíram em cima da pobre Mônica, dizendo que ela só grava o estabelecido, ou que a MPB morreu e não sabe, ou ainda sua variante, a MPB é riquíssima e ela, Mônica, e os jornalistas que a entrevistaram não sabem disso, desconhecem os "gênios ocultos" que só se encontram na internet. E por aí vai.

Como não é assim que a arte funciona, eu e outros amigos fomos em defesa deste trabalho lindíssimo e fundamental. O que faz a magia da arte é… a magia da arte, certo? É aquele não sei quê que faz a confusão. Já dizia Luiz Melodia: quem tem, tem; quem não tem, não se conforma. Ah, as polêmicas. Detesto todas. Eu quero é sossego. Se o FB se transformar, ao invés de um lugar onde se troca idéias e se encontra amigos, neste espaço de raiva e rancor, estarei fora em breve. 

Isso tem se dado em todos os níveis. Tenho lido desavisados(as) dizendo horrores impensáveis para e sobre os judeus, como se todos os judeus do mundo, Brasil inclusive, fossem israelenses de extrema-direita e apoiassem as ações do governo de Israel contra os palestinos. Outra hora são os apoiadores do atual governo brasileiro, culpando a oposição até pelos 7x1 que tomamos da Alemanha nesta Copa. Ou seus opositores exagerando também na dose. É o inverno do pensamento, o que estamos vivendo, numa era em que nunca houve tanta informação disponível para todos. É a revolta da mediocridade contra a inteligência. 

Temo pelo futuro.