sexta-feira, outubro 28, 2011

The Elders

Adoro a energia e o maravilhoso desprendimento da juventude. Tenho conversado e trabalhado o lado de muitos jovens bambas, e tem sido uma delícia. Mas vendo o grupo de políticos experientes criado por Nelson Mandela, chamado The Elders - do qual participam pessoas como Jimmy Carter, o bispo Desmond Tutu, Gro Brundtland (ex-primeira ministra da Noruega) e o nosso Fernando Henrique, entre outros - não pude deixar de pensar nos elders da música brasileira. Os mais velhos, os mais experientes. Os que já viram de tudo. E que ainda têm, e sempre e cada vez mais terão, o que dizer. Os muito novos que me perdoem, mas o tempo é fundamental.

(Os elders da MPB são, claro, bem mais jovens do que os da política - estes, quase todos já oitentões. Nosso Tom, se vivo fosse, estaria nesta faixa etária e bem que poderia comandar, simbolicamente, o grupo da música... Que falta ele faz!)

O elder da foto acima, João Donato, é um bom menino, é campeão, é o mais garoto dos garotos.

E a bossa-nova, aqui representada por Carlinhos, Menescal, Wanda, Marcos - sempre será muito novinha. A coisa mais linda.

A grande Leny Andrade, minha ídola de muitos anos. Ela me vê e diz: "chegou a universitária!" Ela me acha com cara de estudante. Só se a professora for ela...

Nas comunidades indígenas, aprendo com Marlui Miranda, os mais velhos são as figuras mais importantes da tribo. Os sábios, aqueles a quem todos ouvem na hora de tomar as decisões importantes. Agora que também estou entrando neste grupo, cada vez mais entendo a importância de ser elder na vida. Temos muito a dizer, e estamos aí. Como diz meu querido Macalé, "nós, os velhinhos fashion".

PS- no samba isto também acontece, e as Velhas Guardas são queridas e reverenciadas por onde passam. Perto das Velhas Guardas do samba, aliás, nós (que estamos aqui neste post) somos todos 'média guarda'...

PS II- e vejam o site original The Elders, cheio de figuras e ideias pra lá de interessantes:
www.theelders.org


quarta-feira, outubro 26, 2011

chegar e partir do Rio

Uma série de reportagens no jornal O Globo tem dado conta do descalabro que é o aeroporto do Galeão, imerecidamente nomeado Tom Jobim. Por alguma razão estranha, é um dos piores do planeta, e certamente o pior do Brasil no momento. A pergunta que não cala, para mim, é: por quê? E a resposta incômoda, infelizmente, é a de que o Brasil ainda se ressente demais da beleza do Rio e de tudo que ele representa. Ao invés de se orgulhar desta cidade que é nosso cartão postal no mundo, o Brasil, de modo geral, não simpatiza com os cariocas e quer mais é que o Rio se exploda com suas belezas, seus anos de capital federal (certamente uma forte razão para tanto rancor), suas celebridades andando pela rua normalmente, seu lugar cativo no imaginário da humanidade como lugar sensual e de sonhos. Apesar dos problemas reais que nós mesmos criamos, como a violência urbana, que vai sendo combatida do jeito que se consegue. Mas que também existe em toda parte.

Para que se façam as obras necessárias no Galeão, dependemos de uma licitação que privatize o aeroporto, mas essa licitação não sai nunca e vai sendo sempre adiada. Enquanto isto não se dá, ficamos à mercê de um sinistro organismo estatal chamado Infraero, que não toma a menor providência em relação a todas estas falhas. O turista que chega desavisado ao Rio deve ter vontade de sair correndo de volta. Imaginem só se os norte-americanos deixariam Nova York, sua principal atração e símbolo, passar por um vexame destes. Por mais que presidentes de outros estados da federação tenham governado o país, nunca NY passou por coisa parecida, que os americanos não são loucos nem rasgam dinheiro. Podemos dizer o mesmo de outras cidades simbólicas, como Paris, Londres e Tóquio, mas cito NY especificamente porque não é a capital dos Estados Unidos - como o Rio também não é mais a capital do Brasil - mas carrega em si tudo o que de melhor simboliza a nação. E por isso está lá, em pleno funcionamento.

Aqui no Rio, nosso aeroporto internacional tem a maioria dos elevadores parados, banheiros interditados, escadas rolantes com defeito, estacionamento precário e cobrando preços abusivos, nenhuma linha de ônibus decente para os passageiros, e metrô, nem pensar. E teremos uma Copa do Mundo e uma olimpíada em breve! Já vou me programar para estar bem longe de casa nessas ocasiões.


sábado, outubro 22, 2011

michel

Assistimos ao documentário de Michael Radford sobre Michel Petrucciani, exibido aqui no festival do Rio. Gostei de ter visto, embora, para quem não conheceu a figura, o personagem pareça mais exótico do que era na realidade. Ou talvez a gente só se dê conta de certas coisas muito depois, sei lá.

Fomos amigos, privamos de uma razoável proximidade. A primeira vez que o vimos tocar foi em 1986, aqui no Rio, no Free Jazz Festival. Ficamos chapados com o talento do garoto de 24 anos, que precisava ser carregado no colo até o piano - mas que, chegando lá, era uma prova viva da existência de Deus. Três anos se passaram, eu estava fazendo um show no New Morning, em Paris, e eis que Michel estava na plateia. Terminado o show, fui falar com ele, e disse o quanto me havia emocionado com sua apresentação aqui no Rio. Ele fez muxôxo, perguntou por que. Talvez achasse que eu iria dizer alguma platitude com relação à sua deficiência, ou coisa parecida. Era provavelmente o que a maioria das pessoas sempre lhe dizia. Mas eu falei a verdade: "porque você me fez lembrar de Bill Evans". Bingo. Bill era o ídolo dele (e de todo e qualquer pianista de jazz que se preze, é bom lembrar).

Depois disso, a cada vez que passávamos por NY a trabalho e ele estava lá, ou ele ia nos ver ou nós a ele. Em 1992 fizemos uma temporada numa casa novaiorquina chamada Ballroom, hoje extinta, e ele apareceu por lá quase todas as noites. E também o vimos outras tantas vezes tocando no Vanguard, com nosso também amigo Joe Lovano e com Charles Lloyd (responsável por apresentá-lo ao mundo dos jazzistas americanos quando ele tinha 17 anos, recém-chegado da França). Vimos uma briga feia dos dois (Michel e Lloyd), com xingamentos mútuos e Michel saindo do palco injuriado antes do final do show. Passamos uma divertida noite no apartamento dele na 12th street, nós e nossa amiga Jessica, ourives californiana que ele hospedava na ocasião. Nessa noite ele propôs ao Tutty: "você é alto e forte, mas é gago; eu sou deficiente e só tenho 1,20m, mas falo pra caramba. A gente podia fazer uma dupla." Michel e seu humor pra lá de negro.

Vendo o filme, com o tempo e a distância, nos demos conta de que realmente Michel, como Tim Maia, 'mentia um pouquinho'. Ou 'às vezes falava a verdade', como disse num depoimento um amigo seu. Mas tudo cessava ou perdia a importância quando ele punha aquelas mãos enormes no piano. Deus sabe o que faz. Michel era genial, mesmo com sua língua de trapo e sua compulsão por mulheres, drogas e bombons. Chegamos a planejar um disco ou uma parceria juntos, que nunca se materializou. Hélas! Não se pode ter tudo.

Na última vez em que nos vimos eu estava no Japão lançando um novo CD, e ele se apresentava com seu trio no Blue Note Tokyo. Já contei essa história no meu livro, 'Fotografei Você na Minha Rolleiflex', e não vou repetir. Nossa foto juntos, que está no livro, também sumiu no processo de edição, e por isso não está aqui. Mas não posso esquecer do detalhe final, que não contei antes. Na despedida, depois de fazer todos os elogios do mundo aos músicos do seu trio sobre o Tutty, descrevendo com minúcias seu jeito de tocar, Michel resolve lhe mandar um bilhete (eu viajara sozinha daquela vez). E escreve o seguinte: "Tutty, where are you? I miss you! Michel" Para depois completar, com seu humor típico e sacana: "PS- your wife is beautiful". Esse era o Michel.


segunda-feira, outubro 17, 2011

minha banda é um luxo!

Fotos recentes da temporada no Japão em agosto, que só me chegaram semana passada. Minha querida banda e Sérgio Santos, meu convidado deste ano, todos nós no palco do Blue Note Tokyo.

Tutty Moreno em ação, cores e ritmos...

Rodolfo Stroeter, cumplicidade musical e pensamento...

E Hélio Alves, nosso fabuloso solista.

Com este trio os planos vão até 2013, numa tour européia já marcada para abril. Muito bom trabalhar com músicos criativos, ainda mais quando há cumplicidade, admiração e amizade. Boba é uma amiga minha, estrela da canção, que demitiu seu pianista, por ele ter tido destaque demais na crítica de um show dela. "Meus" músicos (não sou dona de ninguém, isso é maneira de dizer) aparecem tanto ou mais que eu, e eu acho ótimo!


sexta-feira, outubro 14, 2011

Justiça


Todo meu apoio às passeatas anticorrupção que estão acontecendo aos poucos pelo país. O mundo todo, na verdade, se move, e cada um com seus problemas: a Primavera Árabe, que deu certo em alguns países e em outros não; os protestos nas praças da Espanha e da Grécia contra a política econômica; os indignados da Itália, com seu premier que só lhes traz vergonha; os protestos da segunda geração de imigrantes na França; o povo que está ocupando Wall Street, em Nova York, gritando contra o capitalismo selvagem. E em Londres a coisa saiu das medidas e virou vandalismo puro. Como na canção do Chico, "cidadãos inteiramente loucos, com carradas de razão".

(Vejam o filme de Michael Moore, 'Capitalismo - Uma História de Amor'. É muito bom e explica as coisas direitinho. Outros filmes sobre a crise que começou em 2008: 'Internal Job' e 'Margin Call', ambos americanos e de ficção (ou dramatização dos fatos.)

Nossos problemas são outros. À nossa maneira, vamos tentando protestar contra os desmandos que ocorrem por aqui, onde pagamos impostos absurdos, dos maiores no mundo, e não temos direito a nada. Saúde, educação, segurança, infraestrutura - dá vontade de fazer papel de louca e partir para a desobediência civil, como queria Thoreau. Mas a pergunta continua sendo por que não conseguimos mobilizar as pessoas contra a corrupção. As pessoas são mobilizáveis, isso tem sido dito o tempo todo na imprensa e nas rodas de conversa: passeatas religiosas ou por direitos civis (incluo os gays e a liberalização da maconha nisto) conseguem, sim, mobilizar multidões. Mas no outro dia mesmo uma minguada assembleia de 2.500 pessoas protestava na Cinelândia, no centro do Rio, contra os políticos corruptos. É muito pouco.

Há uma certa anestesia política hoje no Brasil. Estamos satisfeitos porque todos temos pelo menos um celular, acesso ao crédito, uma melhorazinha de vida. Isso significa que alguém está comprando nosso silêncio.


quarta-feira, outubro 12, 2011

dia da criança


"Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia
'Ele é uma criança, não entende nada'
Por dentro eu ria, satisfeito e mudo
Eu era um homem, entendia tudo
Hoje, só com meus problemas,
Rezo muito, mas eu não me iludo
Todos me dizem, quando fico sério
'Ele é um homem e entende tudo'
Por dentro, com a alma atarantada,
Eu sou uma criança, não entendo nada..."

("Sou Uma Criança, não Entendo Nada" - Erasmo Carlos/Ghiaroni)


domingo, outubro 09, 2011

família brasileira

O ano era 1958 - Brasil campeão do mundo no futebol, no tênis, no boxe. A bossa-nova nascendo. Brasília em construção. A taça do mundo era nossa, em quase tudo.

A cidade da foto, São Paulo: o quintal da casa de meus tios na rua Indiana, Brooklyn Novo. Foi quando minha avó Odília se fez fotografar com a quase totalidade de seus netos - digo quase porque faltava nascer a neta mais nova. Mas ali estamos nós todos: eu, meus irmãos, meus primos e primas. Dois desta foto já partiram, um cedo demais, outro talvez mais cedo do que poderia.

Quem quiser pode tentar adivinhar quem sou eu. É fácil. Não mudei muito, não. Hoje eu é que faço o papel de avó na família que construí. Tenho menos netos que a vó Odília, mas isso não quer dizer muita coisa: ela teve o dobro de filhos do que eu. Nesta foto ela teria três anos a mais do que tenho hoje, e seu principal interesse era fazer pastéis, tricô e crochê. Mas era espírita, assim como eu, e amiga pessoal de Chico Xavier, cujo centro começou a frequentar depois do desaparecimento do navio do meu avô na 2º Guerra.

Os tempos mudam, mas o núcleo continua sempre. Famílias são todas parecidas.


sábado, outubro 01, 2011

ainda o rock in rio


Vejo os comentários da imprensa carioca, dando conta de que as melhores apresentações do Rock In Rio ontem foram de... João Donato e Martinho da Vila! Bem que o querido Jards Macalé fala sempre nos 'velhinhos fashion'. Os velhinhos fashion são tudo de bom. Hoje, provavelmente, o Erasmo também vai arrasar. (comentário no dia seguinte: de fato, arrasou! e no caso dele, com rock mesmo, do bão. Ainda é meu roqueiro brasileiro favorito.)

(Stevie Wonder tocando 'Garota de Ipanema' e 'Você Abusou' - desta, ele, como quase todo mundo, só sabia o refrão - com o povão cantando junto, afinadíssimo, foi um belo momento que vi pela TV. Bossa-nova e outras bossas num evento de rock, onde, assim como nos festivais de jazz que fazemos pelo mundo, cabe de tudo.

Aliás, quase todos os roqueiros que vieram tentaram fazer alguma citação de música brasileira - e, por acaso ou não, era sempre bossa-nova. No domingo meu neto me mostrou, vibrando, o video do show a que ele assistira ao vivo na véspera, do Coldplay, tocando... 'Mas Que Nada', com coro do povão e tudo. Já na noite dos metaleiros - que, pelo visto, também amam a bossa - o guitarrista do Metallica fez uma citação ao 'Samba de Uma Nota Só', que passou despercebida daquele público. Como disse um jornalista, algumas plateias são mais 'brasileiras' que outras...)

Enquanto isto, esta dupla de, digamos, compositores maduros - eu e Nelson Motta, amigos há mais de 40 anos - finalmente iniciamos uma parceria musical. Fizemos uma bossa bem slow, música minha e letra dele, chamada 'Estado de Graça'. É sempre bom quando pinta parceria nova com velhos amigos. Ultimamente isso tem acontecido muito comigo, e me tornei parceira de Marcos Valle, Francis Hime, Carlos Lyra, Menescal, e, last but not least, do próprio Donato. Essa com Nelsinho veio de surpresa, e foi muitíssimo bem vinda. Sob as bençãos de Vinicius de Moraes, sempre uma inspiração - e de quem não fui parceira por um triz.