quinta-feira, setembro 25, 2014

Os Orixás de Salvador

Esta foto, que peguei emprestada do site da CBN Bahia, mostra os lindos orixás flutuantes do Dique do Tororó, em Salvador. Foram criados pelo grande artista baiano Tatti Moreno - por acaso, meu cunhado. São 12 orixás, oito da água e quatro da terra, que viraram um marco na paisagem da cidade desde 1998, quando foram inaugurados. À noite, iluminados, ficam ainda mais lindos.

Por diversas vezes houve tentativas por parte de evangélicos de retirar os orixás da paisagem, sob os argumentos mais ridículos. Pois bem, mais uma vez uma suposta 'bancada evangélica', representada por um candidato-pastor, pretende que  eles sejam retirados, argumentando que nenhuma religião pode ser privilegiada numa cidade. Pura falácia. Ora pois, se isso se desse, Salvador viria abaixo, com suas 365 igrejas de tradição católica. O Bonfim viria abaixo. Toda a linda arquitetura da cidade antiga teria de ser destruída. E por falar em privilégios, estes evangélicos poderiam começar por abrir mão da isenção de impostos e dos tantos canais de rádio e, principalmente, de TV que detêm. Devolvam a TV Record ao poder público, que tal?

Aqui no Rio de Janeiro volta e meia lemos casos de templos de candomblé sendo destruídos por grupos de "traficantes evangélicos" - nessa estranha categoria, acho que somos pioneiros... Já vimos alunos de escolas municipais sendo impedidos de entrar em aula, por portarem suas guias de candomblé no pescoço. Outro aluno, judeu, estava sendo obrigado a rezar o Pai Nosso - sobre este, os pais prestaram queixa na polícia. Amigos que dão aulas de música, em ONGs que atuam em favelas como Jacarézinho e outras, contam que as crianças são proibidas pelos pais evangélicos de cantar músicas que não sejam 'da igreja' - mesmo que sejam de autores como Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim. Também não podem frequentar as aulas de percussão. Nas escolas de samba, fica cada vez mais difícil encontrar senhoras que queiram participar das alas de baianas, pois o samba é vetado por seus pastores. Não éramos assim. Nossa cidade não era assim. Quem está sequestrando nossa identidade e nossa cultura?

Fico assustada quando vejo nosso país pendendo para um fanatismo religioso, um fundamentalismo que não faz parte das nossas tradições, e que tem um pé no racismo, na não aceitação de nossas raízes africanas. Conheço evangélicos que não são fundamentalistas a este ponto. Mas uma religião que tem 'bancada' no Congresso Nacional, francamente, é de dar medo. Sem falar nos oportunistas espertos, que se "convertem" para ter vantagens eleitorais. Isso dos orixás me faz lembrar os Budas do Afeganistão, que foram declarados pela UNESCO patrimônio cultural da humanidade, e que os talibãs destruíram. O evangelismo talibânico brasileiro é assustador. E em verdade vos digo: o Cristo não tem nada a ver com isso, podem crer.

"Mais Jesus e menos religião", li outro dia num adesivo de automóvel. É isso aí.


quinta-feira, setembro 11, 2014

2nd Love Song

É o título provável do CD que gravei em duo com meu velho e querido amigo Kenny Werner (ao meu lado na foto). Somos próximos desde 1989, quando fui gravar em Nova York o primeiro dos meus CDs pela Verve, e ao ver Kenny tocar em duas ocasiões - primeiro com alguns amigos brasileiros, e em seguida na Vanguard Big Band - não tive dúvidas em chamá-lo para minha gravação. Nunca me arrependi. O CD foi lançado em 1990, e convidei Kenny para integrar a banda nas pequenas turnês americanas que fizemos - incrivelmente, ele, que já tinha certo prestígio na área do jazz naquela época, topou de cara. Em 1991 ele também esteve conosco no Japão, fazendo o circuito dos Blue Notes. E desde então nos vemos sempre e acompanhamos os trabalhos um do outro, ele com seu trio ou em incursões orquestrais brilhantes, como a que fez com a BJO, na Bélgica, e um recente trabalho quase sinfônico, com Joe Lovano e Judi Silvano como convidados.

Quando ele veio ao Brasil em 2013 para se apresentar num festival de jazz, fomos lá para vê-lo com seu trio, e ele me convidou pra subir e dar uma canja. Está no YouTube. Foi esse encontro que nos animou a fazer um disco juntos. Escolhemos pra isso as canções de amor mais bonitas que pudemos encontrar, em português, inglês, e até em italiano. Não fizemos ensaios, arranjos, nada: apenas combinamos os tons e saímos gravando. Do mesmo jeito que gravei com Toninho Horta (também em Nova York, em 1995) nosso CD de duo, 'Sem Você'.

Adoro trabalhar com músicos criativos. Mas pra que a coisa funcione, é preciso haver uma confiança harmônica implícita. Com pessoas como Dori Caymmi, Toninho Horta, Kenny Werner, não tem erro. É voar no trapézio, sem precisar de rede. Ô sorte!