quinta-feira, setembro 24, 2015

Nós e Eles

Não existe o "nós", não existe o "eles". Nem todo pobre é ladrão, nem todo pobre é coitado. Nem toda classe média é malvada, ou quer expulsar o outro, o do lado de lá, dos seus domínios. Quanto maniqueísmo a gente vê hoje por aqui. Livre pensar é só pensar, dizia Millôr Fernandes, meu filósofo preferido. Pensar não custa nada, é de grátis. 
Por exemplo: Copacabana. Minha família participou ativamente do começo do bairro. Minha mãe comprou, a duras penas, um modesto apartamento de dois quartos no Posto Seis, há mais de 67 anos atrás. Foi seu primeiro imóvel próprio, e também o único. Lá nasci e cresci, com meus irmãos adolescentes, e lá recebemos a única coisa que nossa mãe tinha para nos oferecer, com seu suado salário de funcionária pública barnabé: a melhor educação possível, já que ela própria não pudera estudar; livre acesso a livros, cinema, teatro, música. Nunca tivemos automóvel, nunca rolaram mesada ou roupas novas. Todos tivemos de trabalhar desde cedo. Mas os bens culturais eram fartos. A escolha foi essa, desde sempre, e isso fez de nós o que somos, para o bem e para o mal.
Portanto, quando vejo o horrendo preconceito escancarado contra pretos e pobres da nossa cidade se reverter, virando um igualmente horrível e cada vez menos velado preconceito contra a Zona Sul, uma culpa coletiva, como se fossem todos os seus habitantes a fonte de todos os males, inimigos do povo - esse jeito neo-stalinista de ser, que agora anda na moda - não posso me permitir ficar em silêncio.
Sou filha de mãe solteira, que batalhou para educar seus filhos nas então distantes areias de Copacabana. Ela não explorou nem oprimiu ninguém. Mas hoje, se viva fosse, estaria em risco sua sacrossanta ida à praia, sua natação de idosa aposentada, seu prazer maior. Sempre morei na Zona Sul e minha família também. Não somos, nunca fomos, financeiramente ricos. Portanto não vou aceitar uma culpa que não me pertence. O que desejo para o garoto que arrancou a correntinha de ouro do pescoço do meu marido é o mesmo que desejo para os outros garotos que com ele desceram zoando daquele ônibus na Lagoa: uma longa vida feliz, com saúde, educação, e um trabalho honesto, que lhe permita comprar sua própria corrente de ouro quando quiser. Que todos possam ter essa chance na vida.
Não existe um nós e eles, só existe o nós. Todos embarcados no mesmo Titanic. Apertem os cintos, o piloto sumiu.


terça-feira, setembro 08, 2015

Novidades

Deus do céu, ficou complicado demais escrever neste blog. Minhas apari ções por aqui se tornam mais e mais raras. Thanks, google.

De qualquer forma, não poderia poupar esforços pra mostrar o filhote novo. Alguns já viram e até já têm. Por enquanto, saiu só no Japão e adjacências asiáticas. Mas foi feito com carinho e tesão, os standards de jazz (e mesmo alguns não-jazz, como 'Banana Boat', do amado Harry Belafonte, que fiz como uma toada lenta, canto de trabalho que é) passaram por todas as tomadas de liberdade possíveis nos arranjos que fiz. 'Love For Sale', por exemplo, de Cole Porter, virou um afoxé - o que quer dizer que a narradora da canção, que 'vende' seus amores, virou uma baiana. 'Let's Do It', do mesmo autor, virou um samba sincopado. 'Invitation' (que João Donato adora) virou um tango. 'Fever', sucesso da saudosa Peggy Lee, teve ritmo e harmonia virados do avesso. "Nature Boy' ganhou um clima meio mineiro, de hino, onde meu neto Tomaz e seus amigos de grupos vocais diversos (uma cena que cada vez vai mais se firmando aqui no RJ) emprestaram suas vozes ultra-jovens a esta linda canção.

A única canção em que não mexi nada foi justamente 'The Shadow of Your Smile', que ensejou aqui um comentário bacana de um leitor, Gilliat, no meu post anterior. Não mexi porque quis manter a canção exatamente como consta na partitura que o autor, meu amigo Johnny Mandel, me deu em 2008 para um projeto que tivemos juntos, mas não conseguimos realizar por razões financeiras. A única coisa que fiz foi pedir um andamento ultra-slow-music para meus companheiros de gravação, e que a canção rolasse o mais cool possível, para limpar os excessos de gravações antigas, que a tornavam quase brega, apesar de linda.

Procurei canções que tivessem melodias lindas, e isso foi fácil. Mas procurei também letras significantes, já que minha proposta foi gravar no original em inglês. Isso também não faltou. Canções como todas as citadas acima, mais 'Moon River', 'You Do Something To Me' e tantas outras. Foi bonito de fazer. E uma delícia de tocar.

Enfim. esse não sei se chegará algum dia ao Brasil. Mas me fez feliz, por enquanto.

Acho que o próximo será autoral.