segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Cidade Maravilhosa?


Até parece que eu estava adivinhando.

Eu tinha sonhado com eles na noite passada. Quando, no sonho, os dois pivetes tentavam me assaltar, eu abraçava os dois e conversava com eles sobre a besteira que estavam fazendo, até que desistiam e iam embora. Só que hoje, um domingão lindo de sol e céu azul, não foi assim que aconteceu.

Costumamos caminhar na Lagoa de manhã bem cedo, horário que só tem crianças ou gente mais velha. Mas tínhamos ficado no estúdio até mais tarde, acordamos numa hora em que o sol já estava alto demais, e decidimos ir lá pelas quatro e meia da tarde, esperando arrefecer o calor.

O dia estava deslumbrante, repito - porque esse deslumbre todo tem um preço que está começando a custar meio caro. Quando chegamos à orla da Lagoa, vimos uma garotada descendo de um ônibus, zoando, gritando, xingando o motorista e os passageiros. Seguiram para um lado, nós para o outro. Na altura da Pequena Cruzada, dois deles vieram correndo por trás de nós e arrancaram a corrente de ouro do Tutty, tão fininha que seria preciso um olhar de lince para detectar - o que, aparentemente, eles tinham. Arrancaram e saíram em disparada na direção do Humaitá, com as pessoas à nossa volta gritando, buzinando, revoltadas com a cena, se sentindo mais impotentes do que nós. Uma menina de sotaque visivelmente paulistano tremia, apavorada, segurando seu ipod, que já estivera na mira dos garotos, antes de eles decidirem que a correntinha do coroa era presa mais fácil.

Foi furto, não foi assalto. Assalto foi o que passamos na Bahia em 2006 - acordar às três da madrugada na pousada onde você se hospedou, com um revólver na sua cara, isso é assalto. Furto é mais leve, convenhamos. Mas é o suficiente para estragar seu domingo, sua semana, quem sabe até um tempo ainda mais longo da sua vida. Pois como andar relax pela Lagoa ou pela praia de novo, depois de uma coisa dessas? Como recuperar o roubo da sua paz?

Não desejo mal aos garotos, ao contrário, tenho um sentimento de infinita compaixão por eles. Eles não sabem o que fazem. Estão sendo ensinados a não ser nada e a apenas querer 'ter as coisas'. Não desejo vê-los nus, acorrentados num poste, pelo contrário, quero vê-los bonitos, saudáveis e felizes, capazes de ter suas próprias correntinhas de ouro e o que mais quiserem, pelo valor do seu trabalho.

Mas também quero poder caminhar pelo meu bairro numa tarde deslumbrante de sol, sabendo que tudo estará bem. Por enquanto, vai ser difícil.


quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Deu no New York Times

Pois então, saiu uma coluna sobre minha modesta pessoa no NYT.

Não foi a primeira vez, e provavelmente, assim espero, não será a última. A diferença é que das outras vezes quem escreveu foram críticos musicais. Dessa vez, foi alguém de outra área.

Se eu gostei? Não sei. Estou até agora digerindo a dita. Foi feita pelo editor de economia do jornal, que é um jornalista super prestigiado e sinceramente fã da minha música. Mas música foi o que menos apareceu na história. Me parece - ainda não processei isso direito - que ele quis falar de como eu deveria ser mais conhecida do que sou. E de como lido bem com isso. E que bela lição de vida em um tempo onde se faz qualquer negócio por fama e dinheiro. E que atitude nobre a minha, optando por ser uma artista independente para não perder a essência da minha música. Tudo escrito com aquele pensamento americano do "follow your dream", que a gente vê tanto nos filmes de Hollywood. Está na constituição deles: the pursuit of happiness.

Americanos são quase sempre auto-centrados, auto-referentes. O mundo não existe fora daquelas fronteiras. A maioria é assim, e às vezes mesmo os nossos amigos mais antenados e informados caem no clichê. Foi o que senti acontecer, e nesse caso, uma bela janela para minha música deixou de ser aberta no mais influente jornal do planeta. Fiquei me sentindo, assim, uma espécie de Pepe Mujica da MPB, se vocês me entendem. Mas sinceramente, estou mais para Mingus do que para Madre Teresa. Se é que vocês me entendem, de novo. Não sou a mocinha (ou a velhinha) boazinha do filme. Sou a pessoa que quer fazer sua música a qualquer preço, como se não houvesse amanhã. Só isso. E tudo isso.

Leiam e me digam se estou confusa por demais, ou se entendi tudo errado:

http://www.nytimes.com/2014/02/18/opinion/nocera-joyce-does-it-her-way.html?nl=todaysheadlines&emc=edit_th_20140218&_r=1


domingo, fevereiro 09, 2014

Ao trabalho!

Enquanto os ânimos esquentam, como nunca antes, na minha amada e gloriosa cidade; enquanto as redes sociais se provam um celeiro do que de pior pode haver nos corações humanos; enquanto o calor segue abrasador, e tome polca…

Vamos trabalhar!

Começando com este projeto que fica inteiramente dentro da minha zona de conforto, pura bossa-nova, meu trio de sempre, amigos, música, alegrias. Muita calma pra pensar. Ainda sem título, segue aqui o repertório previsto para as gravações que se iniciam no próximo final de semana - não necessariamente nessa ordem:

DESAFINADO (Tom Jobim/ Newton Mendonça)
CÉU E MAR (Johnny Alf)
NA BAIXA DO SAPATEIRO (Ary Barroso)
CARTÃO DE VISITA (Carlos Lyra/ Vinicius de Moraes)
O BARQUINHO (Roberto Menescal/ Ronaldo Bôscoli)
O MORRO NÃO TEM VEZ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes)
CANTO DE YANSAN (Baden Powell/ Ildásio Tavares)
MADAME QUER SAMBAR (Roberto Menescal/ Carlos Lyra/ Joyce Moreno)
TRISTEZA DE NÓS DOIS (Durval Ferreira/ Mauricio Einhorn/ Bebeto Castilho)
TAMBA (Luiz Eça)
COPACABANA (Braguinha/ Alberto Ribeiro)
VESTIDO DE BOLERO/ REQUEBRE QUE EU DOU UM DOCE (Dorival Caymmi)

Tal repertório, com a possível exceção de Ary Barroso, Caymmi e Braguinha, que são "da antiga", deverá provocar calafrios em certa parcela, felizmente minoritária, de mal-amados musicais que se dedicam ao permanente esculacho da bossa-nova - mais de cinquenta anos depois! Logo ela, a música que botou o Brasil no mapa musical do planeta e deu moral ao músico brasileiro... Bossa-nova: parece fácil. O segredo é justamente parecer fácil, sendo absoluta sofisticação.

Conviver com preconceito dá revolta e dá dó, já dizia o poeta. Quem no coração não faz distinção, compreende a minha dor.