queridos instrumentistas
Sei que a vida de vocês não é fácil. São anos e anos de estudo, sempre em busca do melhor som, trabalhando por amor `a arte, sem a menor garantia de uma vida digna. Muitas vezes tocando com grandes estrelas que não têm musicalidade nenhuma, ou tendo de aturar palpites de produtores despreparados. Outras tantas vezes sendo enrolados em tenebrosas transações. É tudo verdade. O Tom mesmo já dizia que a saída para a música brasileira era o Galeão (que hoje, ironia do destino, chama-se justamente Tom Jobim). Nem é mais, enquanto perdurar a situação que relatei no último post (parece que algumas companhias aéreas já estão revendo isso). Mas preciso ter uma conversa muito franca com vocês.
Perdoem a pressa, é a alma dos nossos negócios, e estou saindo daqui a pouco para Londres, onde estaremos fazendo um concerto comemorativo dos 50 anos da bossa nova no Barbican Hall. O Barbican, vocês sabem, é aquela sala de concertos de 2000 lugares, onde se apresenta a Royal Symphony Orchestra e onde muitos eventos de jazz e world music também acontecem, pois os londrinos são curiosos e querem saber de tudo o que há de novo na música do mundo. Confesso que sou a culpada, pois fui eu que, na minha santa ingenuidade, fui falar com a direção artística da casa e consegui convencê-los de que a bossa nova era importante e valia um evento deste porte. E assim foi que, sem nenhum tipo de patrocínio, sem lei Rouanet, sem ajuda do governo brasileiro, nem de ninguém que não fossemos nós mesmos, estaremos seguindo hoje `a noite, uma caravana rolidei de 17 pessoas, com expoentes da bossa de três gerações, para um show que acontece nesta segunda, dia 26. E que já está com os ingressos esgotados.
Uma noite pra ficar na história, é o que todos acreditamos. E no entanto, não será possível o registro disso. Por quê? Se houve um produtor interessado que se dispôs a levar uma equipe para Londres; se o Barbican, por um preço nem tão alto assim, permitiu que fosse gravado um DVD do concerto; se todos os artistas toparam a percentagem oferecida... No entanto, queridos instrumentistas, foram alguns de vocês que botaram areia no feijão e não autorizaram esta gravação. Não, não estou lhes tirando a razão. Essa negociação deveria ter sido feita com maior antecedencia, é certo, para que houvesse mais tempo para marchas e contramarchas. Mas ainda assim...
Por essas e outras é que os oitenta anos de Radamés Gnatalli (e a última vez em que o quinteto dele tocou junto) deixaram de ser registrados. O belíssimo show de 50 anos de carreira de Elizeth Cardoso, do qual tive a honra de participar, nos longínquos anos 80, também. 'O Samba é Minha Nobreza', deslumbrante espetáculo dirigido e criado há uns 5 ou 6 anos por Herminio Bello de Carvalho, que levou crianças das escolas municipais do Rio ao teatro para aprender da fonte a história do samba, também não teve registro.
Por desconfiança, por achar que estão sempre sendo tapeados nas negociações, alguns de vocês, queridos instrumentistas, botam a perder as oportunidades, já tão pouquinhas, de deixarmos para o futuro as imagens do que fazemos hoje. Pensem nisso da próxima vez, em nome dos filhos e netos de vocês, que algum dia vão querer saber como era a música brasileira que o vovô tocava, quando ela ainda existia.