
Por alguma razão que algum dia hei de compreender, volta e meia me vejo na condição meio 'Zelig' de testemunha, se não participante, de algum fato relevante. Não sei se isso acontece com todo o mundo, ou se algum tipo maluco de magnetismo me atrai para fatos e personagens que só irei entender muitos anos depois. Como, por exemplo, aos quinze anos, ter conhecido na Itália uma linda moça, irmã de um amigo feito nesta viagem, que seria a futura rainha da Suécia. Ou ter tido o vestido de meu aniversário de 15 anos
(de novo...) confeccionado por D. Zuleika, talentosa costureira de Ipanema, cujo filho viria a ser um namoradinho meu de adolescência, mas acabaria se casando com uma outra amiga minha das mesmas festinhas - só que D. Zuleika era a futura Zuzu Angel, e seu filho e nora morreriam na tortura durante o regime militar... mas ainda não sabíamos disso em 1963.
Coisas assim me acontecem frequentemente, e hoje, lendo as notícias internacionais, vejo a confusão armada na Inglaterra pelo escândalo dos grampos na imprensa, feitos por jornalistas do tablóide 'News of the World', um dos mil empreendimentos do media mogul Rupert Murdoch. E não posso esquecer de quando o conheci em Nova York, em 1977.
Eu lá estava para inaugurar um clube de música brasileira, que tinha o singelo nome de Cachaça, mas que era, aparentemente, de propriedade de um francês chamado Olivier, mesmo dono do Club Hippopotamus. Digo 'aparentemente' porque neste tipo de negócio nunca se sabe quem é o verdadeiro dono. E os seguranças do Cachaça Club eram todos homens de terno preto e sobrenome italiano.
Pois o relações públicas do clube veio me dizer que Mr. Murdoch, novo dono do jornal Village Voice, gostaria de me fotografar - ele, pessoalmente, quanta honra! - diante do letreiro da porta. E fez questão de enfatizar como essas fotos seriam importantes para que o local, recém-inaugurado, deslanchasse na imprensa. Eu não tinha a mínima ideia de quem se tratava, mas topei fazer as fotos - só que ninguém tinha me avisado que Mr. Murdoch queria porque queria que eu fotografasse com o figurino do show - um vestidinho branco bem leve, ombros de fora, e o violão na mão. Dentro do clube seria moleza. Mas na rua... Estávamos em março, ainda com temperaturas invernais em NY. Só faltava nevar.
Não houve acordo, não consegui me livrar (ou não consegui dizer não aos meus empregadores) e acabei descendo, muito de má-vontade, com Mr. Murdoch no elevador. Ainda tentei dizer a ele que meu violão acústico, Di Giorgio Autor nº 3, não suportaria o choque térmico. Ao que ele me respondeu que já fotografara Andrés Segóvia com seu violão em temperaturas similares e o gênio não havia reclamado. Diante de tal argumento, não tive mais o que retrucar.
Pois fui, fiz as fotos, e dois dias depois estava de cama, com suspeita de pneumonia. Que finalmente não se concretizou, foi apenas uma gripe violenta que me pôs fora de combate por uma semana, totalmente sem voz. Eu devia ter contra-argumentado que Andrés Segóvia não era cantor, mas isso não me ocorreu naquele momento.
Agora está Mr. Murdoch, o bilionário, às voltas com a justiça britânica. Bem feito.