
Pois.
Continuando o assunto 'festivaias', eis que depois de algumas passagens mais ou menos bem-sucedidas por outros eventos _ sim, eu tinha 19, 20 anos, e não ia me intimidar por tão pouco... Não era 'coragem' nem 'raça' (quem me dera!), mas simples ingenuidade, irresponsabilidade de juventude. E assim foi que em festivais posteriores 'defendi' músicas de amigos como Toninho Horta, Danilo Caymmi, Helcio Costa (irmão de minha amiga Sueli), Nelson Angelo e outros de quem não me lembro. E minhas também, como 'Copacabana Velha de Guerra', já mencionada em outro post, que apresentei no famoso FIC, o Festival Internacional da Canção, feito pela TV Globo, que rivalizava com o da TV Record em importancia. Era o Maracanãzinho de novo, mas desta vez até que não me saí mal.
(o arranjo do festival, respondendo ao Renato, foi do Luiz Eça, que também fez o arranjo da gravação de estúdio)
Havia festivais para todos os gostos, de que todo o mundo participava: festivais universitários, televisivos, interioranos, de cidades menores como Juiz de Fora (onde, novamente com o Momentoquatro, tive bastante sucesso cantando 'Litoral', de Toninho e Ronaldo Bastos) ou cidades maiores como Belo Horizonte _ neste, em 1969, eu e Toninho ficamos em 5º lugar com a música dele, "Yarabela", e seria _ o festival, não "Yarabela" _ talvez o marco inaugural de um movimento que dali a dois anos estaria imortalizado em disco, com o título de uma das canções concorrentes: "Clube da Esquina". Ali também conheceríamos pela primeira vez dois talentosos garotos beatlemaníacos de 17 anos, Lô Borges e Beto Guedes. Só na hora em que pisaram no palco o público descobriria que se tratava de dois rapazes, pois a apresentadora anunciara "as compositoras Helô Borges e Beth Guedes". Coisas da época.
Passou o tempo dos festivais. Casei, tive filhas, dei um tempo na música, depois me separei e voltei a me entender com meus sons. Eu largara a música, mas a música não me largara, e assim viajei pela Europa e pela América do Sul com Vinicius e Toquinho, gravei na Itália, voltei ao Brasil, fiz parte do Academia de Danças com Egberto Gismonti, fui para Nova York e gravei lá também... A vida continuava.
E eis que voltando ao Brasil em definitivo, já casada de novo e com mais um bebê em casa, assinei um contrato com a EMI-Odeon para gravar um disco todo meu. A compositora estava bombando, eu estava tendo minhas músicas gravadas por todo o mundo que importava naquele ano de 1979 _ Elis, Milton, Ney, Bethania, Nana e mil outros mais. A gravadora achou que valeria a pena me contratar, e em janeiro de 1980 entramos em estúdio para gravar o que seria meu disco-emblema, "Feminina".
Entre as músicas do repertório havia uma berceuse (letra minha sobre música de Mauricio Maestro) feita durante a temporada na Itália, com saudades de minhas (então) duas meninas, que estavam no Brasil com a avó. E eis, mais uma vez, que a Globo resolveu patrocinar um novo festival. Eu não tinha a menor ilusão a respeito, nem pretendia fazer mais parte daquilo. Mas por insistencia da gravadora, topei inscrever uma música. Só que praticamente todo o repertório do 'Feminina' já havia sido gravado por algum outro artista antes _ 'Mistérios' por Milton e Boca Livre, 'Feminina' pelo Quarteto em Cy, 'Da Cor Brasileira' por Bethania, 'Essa Mulher' por Elis, e por aí vai. Não havia mais quase nada inédito que pudesse ser inscrito. Sobraram "Aldeia de Ogum', um tema instrumental, sem letra, que não poderia, por motivos óbvios, participar _ e minha despretensiosa berceuse, 'Clareana'.
(Nessa hora os escritores americanos fazem uma pausa dramática e dizem "o resto é história". Vou pular essa parte.)
E vamos ao Maracanãzinho, já na final do festival MPB-80. A esta altura, 'Clareana ' já era um sucesso nacional, que pipocara espontaneamente desde a primeira apresentação nas eliminatórias. Tocava direto no rádio (o famoso jabá ainda não havia se tornado uma instituição semi-oficial), eu aparecia em todos os programas de TV, enfim, era sucesso real e absoluto, um legítimo sucesso pop. Pelas razões erradas, talvez, pois não refletia exatamente a minha música, mas era.
Na véspera da final eu estava passeando com minha filha menor na pracinha perto de casa, quando encontrei meu vizinho Oswaldo Montenegro, também concorrente. E tivemos uma conversa engraçada. Eu disse, e ele concordou, que esperava sinceramente não vencer o concurso, para não ficar com o estigma do festival na carreira, que a música que eu queria fazer não tinha nada a ver com aquilo tudo (e ele dizendo "eu também acho, eu também acho"...), enfim, um papo bem alternativo mesmo.
Corta pro Maracanãzinho na noite seguinte. Quando meu nome foi anunciado, o ginásio veio abaixo _ e desta vez, de aplausos. Na hora em que subi ao palco, lembro claramente que pensei mais ou menos o que Julia Roberts disse quando recebeu um Oscar: "vou aproveitar ao máximo este momento, que não sei se irá se repetir na minha vida". E assim, em vez de ficar fria e fazer uma apresentação profissional, deixei deliberadamente que a emoção tomasse conta de mim.
E deu no que deu: a acústica traiçoeira do Maracanãzinho, uma briga que estourou de repente nas arquibancadas, com parte da platéia chamando a polícia, a orquestra que não se ouvia, o som do meu violão que também tinha sumido _ e lá se foi por água abaixo a maravilhosa apresentação. Entrei totalmente em outro tom, um desastre quase completo, salvo pelo pessoal do Viva Voz, grupo vocal que me acompanhava na canção. Na segunda vez, retomei o tom correto, mas o mal já estava feito. Só que, incrivelmente, ninguém reparou. A canção conquistara o público de tal modo que minha péssima performance passou despercebida, ainda bem. Posso dizer em minha defesa que foi a única vez que isso me aconteceu, embora aconteça com frequencia nas melhores famílias. Mas foi o suficiente para me deixar chateada. Eu sabia que não tinha ido bem. E aprendi outra lição para a vida: emoção sem controle no palco _ evite.
PS- O festival foi vencido por meu vizinho, o que muito me aliviou na ocasião, mas não adiantou nada: até hoje tem gente que pensa que quem ganhou fui eu.